SURFACE

 

                                          SURFACE  -  APARÊNCIA

 

Nunca entendi as pessoas sempre se preocupam pelas aparências, por isso sempre preferi os animais.

Sou filho de duas pessoas com síndrome de Down, apesar de todo o prejuízo que vi ao longo da vida, para mim era inteligentes, pais perfeitos.

Minha mãe era filha de uma aventura de minha avô, nem sabia quem era o pai, tinha vivido uma vida libertina numa cidade grande.

Já meu pai, era filho de um cigano com uma mulher do campo, ele apareceu por lá com um circo, se apaixonaram, ele ficou para trás.  Era outra pessoa especial.

Meu pai, embora fosse inteligente deixou a escola, porque sofria bullying todos os dias, aprendeu tudo em casa, viviam numa fazenda perto da pequena cidade, criavam cavalos, gado, tinham um belo campo para alimentar todos os animais.

Já os avôs de minha mãe, a receberam bem velhos, eu cheguei a conhece-los no final de suas vidas.

Minha avó chegou com minha mãe a tiracolo, para surpresa deles, que nem sabiam que tinham uma neta, além claro que esta tinha síndrome de Down, primeiro a rechaçaram, mas depois se surpreenderam com ela.   Tinha 16 anos na época, tinha ido durante esse tempo a uma escola especial, falava muito bem, era superinteligente, boa em matemática, em resolver situações complicadas.

Os dois tinham um daqueles antigos armazéns que abastece o pessoal das fazendas em volta, meu bisavô estava velho demais, se esquecia aonde estavam as coisas, qual o preço, coisas do gênero.

Ela logo resolveu o problema, comprou uma maquina com etiquetas, que eles nunca tinha usado, criou referencias para tudo.  Logo controlava as compras, a contabilidade, que ele nunca fazia direito, o contador, agradeceu muito, dizia que a coisa ia cada vez pior.

Em breve outra vez o armazém dava lucro.  Além de uma coisa que acontecia, as pessoas quando a viam a rechaçavam, mas no momento que começa a falar, ficavam pasmas, pois as atendia a perfeição, avançava dizendo que se precisassem de alguma coisa especial, ela podia encomendar, se interessava pela família.   Em breve era a preferida de todas as mulheres, as escutava, criou uma parte, aonde além de tecidos, tinha vestidos simples, mas bonitos.  Além de uma coisa importante ali, vestidos para uma festa, para um enterro.

Quando viu meu pai pela primeira vez, escutou um ruido diferente, era ele com sua velha carroça, puxada por dois cavalos, que vinha trazer leite para a cidade.  Depois o viu discutindo com uma vizinha que queria enganar o mesmo quanto ao preço.  Ficou deliciada como ele se defendia, se negando a abaixar o preço.

O chamou a parte, se interessou, passou a comprar todo o leite, tinham um frigorifico no armazém, quem quisesse leite fresco tinha que ir até lá.

Meus bisavôs, ficaram encantados, sua filha era uma inútil, mas sua neta era perfeita, esqueciam do detalhe do seu suposto problema.

Anos depois quando morreram deixaram tudo para ela, diziam que ela tinha ganhado a pulso tudo isso, que sua mãe não passava de uma inútil, que tentava encontrar um homem para sustenta-la.

Ninguém sabia o que ela tinha feito na sua época da cidade grande, as más línguas diziam que era puta.

Minha mãe, cada vez que meu pai vinha trazer o leite, a ajudava a engarrafar o mesmo, ao comprar havia que pagar mais pelo vidro, era uma esperta nisso.

Os dois conversando era uma coisa interessante, estavam sempre falando um com o outro, se apaixonaram, ele queria se casar com ela.    Ela dizia que ainda eram jovens demais, argumentava que as pessoas iam falar de eram dois descerebrados.

Mas quando fizeram 18 anos, meu avô Antonio Seabra, que ninguém sabia de aonde tinha saído, foi até a casa dos meus bisavôs, acompanhado do filho, para pedir a mão dela em casamento.

Levava a aliança que tinha sido de sua mulher.

Levou um chasco, quem dirigiu tudo foi minha mãe, disse que ele teria que comprar um carro para ela, pois pensavam seguir tomando conta do armazém, colocou uma série de exigências que o deixou de boca aberta, passou a respeita-la como ninguém.

Dizia que se não fosse velho tinha se casado com ela.

Foi uma cerimonia simples, só a família, no cartório, nada de igreja.  Pois quando minha avó foi falar com o padre, esse achou um absurdo duas pessoas com síndrome de Down se casarem.

Ela aprendeu a dirigir, o professor que lhe ensinou, disse que tinha sido sua melhor aluna, pois estacionava perfeitamente, sabia todas as leis.

Ela ganhou do meu avô uma pick up, assim ela mesma trazia o leite todas as manhãs.

No final de semana trazia para o homem do açougue alguma res que ele tinha matado.

Dois anos depois ficou gravida, mas nem por isso deixou de trabalhar, o que fazia era se sentar na hora que estava mais cansada, com o livro de contabilidade nas mãos.

Na cidade, os clientes, começaram a fazer uma aposta que a criança que ia nascer, seria como eles, só o médico apostou ao contrário, dizia que nunca se sabia.

Eu nasci na fazenda, pelas mãos do meu avô, não tempo de ir até a cidade mais próxima, nem que viesse o médico.

Meu avô dizia que já tinha visto nascer muitos animais, que não passávamos disso na verdade, foi dando ordens a minha avô, que ficava furiosa, mas ela na verdade segundo ele só atrapalhava, pois fazia muita confusão.

Quando me teve em suas mãos, disse que sabia quem eu era, meu pai ficou como um louco, me adorou a vida inteira.

O velho Antonio, depois se sentou na sua mesa, aonde estava seu baralho de Tarot, começou a jogar, meu pai diria que depois se ria muito.  Repetia sem parar, eu sabia que isso um dia ia acontecer.

Mal minha mãe, voltou a trabalhar, comigo ao seu lado, as mulheres vinham todas trazer presentes, mas queriam mesmo saber se eu não era como eles.  Meu avô Antonio, as vezes aparecia, enxotava todo mundo, reclamava da curiosidade.

Quem ganhou a aposta, foi o médico, que veio me examinar, ria muito, contou para meu avô da aposta, depois convidou todo mundo para tomar uma ronda no bar com esse dinheiro.

Eu adorava estar no colo do meu pai, ou do meu avô, esse tinha um carinho especial comigo, como tinha com seu filho.

Esse menino promete, dizia sempre.

Nessa época meus bisavôs, começaram a ficar doentes, mas o velho Antonio me colocava nos braços deles, em seguida se esqueciam se sentiam dores.

O velho então tinha paixão comigo.

Nessa época finalmente minha avô conseguiu um marido rico, um viúvo que tinha três filhos para criar, ela resolveu o problema rapidamente, colocou os três internados numa escola.

Raramente aparecia, dizia que não se devia misturar as estações.

Reclamou sim, que meus bisavôs tivesse deixado tudo para sua filha, nada para ela.

Quando comecei a andar, meu avô ficava sentado na varanda, comigo, me deixava a vontade, logo tinha algum cachorro, ou mesmo algum bezerro que via correndo para ficar perto de mim.

Quando comecei a ir a escola, ele me ensinou truques de como me defender, falava baixo, falarão de teus pais, mas nunca se esqueça que são pessoas maravilhosas.

Ele não precisava falar, pois eu os achava isso mesmo. 

Aprendi a andar a cavalo, a pelo, antes de andar de bicicleta, os cavalos, vinha se oferecer para me levar.   Sabiam que eu me deitaria em cima deles, lhes acariciaria, falaria baixinho seus nomes, conversaria com eles.

Os cachorros me seguiam por todos os lados, um que era desse cães de guarda, dormia ao pé da minha cama, de noite não permitia que ninguém me despertasse.

Quando comecei a ir à escola, era raro o dia que não trazia um cachorro ou um gato abandonado, cuidava deles, no celeiro, até que estivessem bem.

Segundo falariam os professores depois, eu seria o melhor aluno que a escola pode ter, minhas notas eram o máximo, isso que nunca estudava, mas prestava muitíssima atenção nas aulas, gostava de todos os esportes, mas principalmente de correr, de nadar na piscina, pois no inverno a água estava quente, na fazenda na parte mais acima tinha um lago, mas era impossível no inverno, pois ficava coberto de gelo.

Na piscina, conheci o que seria meu homem para toda vida.  Era bonito, tinha um corpo espetacular, estava sempre rodeado de garotas, mas me olhava.

As vezes se aproximava, na biblioteca, me pedia educadamente se lhe podia ensinar alguma coisa pois não tinha entendido.

Eu fui para a Universidade, contra todos, menos meu avô Antonio, que concordava comigo, queriam eu estudasse medicina, mas optei por veterinária, soltava dizendo que os animais era mais fáceis de tratar que os homens, ou seres humanos.

Uma vez ele se surpreendeu, cheguei em casa, com um cachorro que alguém tinha feito alguma maldade, pois tinha o corpo todo aberto.   Eu cuidadosamente limpei tudo, costurei sua barriga, fomos descobrir depois que quem fazia isso era o filho do prefeito, que mais tarde acabou na prisão, por ser um assassino em série, abria as pessoas, retirava tudo de dentro, fechava o corpo outra vez.

Eu consegui uma bolsa de estudos para ir a Universidade, meu avô me deu dinheiro para alugar um apartamento pequeno só para mim.  Não creio que consigas aguentar esses tontos que vão a universidade para se divertirem.

Tinha razão, eu me matava de estudar, estava sempre na biblioteca tirando dúvidas, quando não conseguia, quando persistiam, perseguia os professores.

Meu querido amigo bonito, Ben Straus, sem muitas opções, entrou para o exército, voltou sem uma perna, as garotas que o adoravam, desapareceram, pois só tinha de seu uma pequena pensão do exército.

Quando eu voltei, apesar de ter convites para fora, antes fiz uma pros graduação, em cavalos, fui estagiar com um dos meus professores, que nas férias cuidava de um hospital para cavalos, que pertencia ao Emir de Qatar.    O mesmo passou a ir ao hospital, pois como comentavam, chegou ao ouvido dele, que os cavalos me adoravam, que vinha colocar a cabeça nos meus ombros, as vezes tinha um de cada lado, conversava com eles, os examinava sem problemas, ele ficava de longe, reclamava que para que os cavalos chegassem perto dele, os tinha que subornar com cenoura, ou outra coisa qualquer.

Lhe ensinei como fazer isso, o obrigava a tirar toda aquela roupas que usava, que ficasse só com a roupa debaixo, deixe que te cheirem bem, não coloque nenhum perfume, ou inclusive desodorante, deixe que primeiro conheçam teu cheiro animal, de bicho homem.

Ele achou um absurdo eu falar assim com ele, reclamou com meu professor, a falta de respeito.

Mas acabou aceitando, um dia apareceu com só uma roupa branca, eu pensei que era o homem que limpava a quadra.

Quando entrou, falou comigo, o levei para o centro da quadra, aonde estava uns cinco cavalos, de valor altíssimo, todos puro sangue árabe.    Se colocou ao meu lado, agora deixe que os animais se aproximem, nunca mostre receio.

Depois ele contaria a todos seus amigos, que seus animais o amavam.   Quando acabou o meu estagio, me ofereceu um trabalho, eu disse educadamente que sentia muito, mas tinha a fazenda do meu avô me esperando.

Ele foi aumentando o preço, eu fiquei chateado, sequer respondia.

Um dia entrou desesperado na quadra, seu cavalo favorito, teria que ser sacrificado, pois tinha quebrado a pata.

Eu cuidei do cavalo, até o mesmo ficar bom, quando fui embora, ele pediu meu endereço, me disse que iria me visitar, perguntou quantos dias eu levaria para chegar etc.

No mesmo dia, chegou um avião ao aeroporto da cidade ao lado, vinha um casal de puro sangue-árabe de presente para mim.

Depois de passarem a quarentena, dos deixei soltos com os outros.    Logo comprei cavalos da raça Appaloosa, mesmos alguns Mustang, nas feiras aonde apareciam índios vendendo seus cavalos.

Os deixe se misturarem, para ver o que conseguia.

Foi quando um dia descobri que meu amigo estava na cidade outra vez, depois de um tempo, ninguém falava mais dele.   Quem comentou foi minha mãe, que o tinha visto no armazém com sua mãe, andando agora com uma prótese.

Não tive duvida nenhuma, fui visita-lo no dia seguinte.   Abriu a porta, ficou com a boca aberta, se escutava ao longe sua mãe perguntando quem era.

Avancei, lhe dei um abraço apertado, nunca tinha me esquecido dele.  Na noite antes de ir embora para a Universidade, tínhamos estados juntos, tinha me convidado para tomar uma cerveja, eu lhe disse que aceitava uma coca cola, ele trouxe uma caixa de latas, dentro de uma geladeira portátil, fomos sentarmos, numa pequena praia, que o lago nas afora da cidade tinha.

Ali depois de um banho nus, nos deitamos na toalha que tinha trazido, nos abraçamos, me deu o melhor beijo da minha vida, me disse ao meu ouvido, sempre fui apaixonado por ti.

Fiz sexo pela primeira vez, ele já tinha feito com garotas, eu ao contrário era virgem.

Durante um tempo me escreveu, mas quando foi para a guerra, nunca mais soube dele.

Depois fui para o Qatar, não fazia nem um ano que tinha voltado.

Ficamos conversando na varanda de sua casa, tomando um chá gelado com limão que sua mãe trouxe.    Me diria depois que todos seus amigos, ou tinham morrido, ou desaparecido, que as garotas sumiram, não querem se casar com um sujeito que tem uma pensão miserável do exército.

Eu com o dinheiro que tinha ganhado no Qatar, estava construindo uma clínica para animais, com direito a uma boa sala de cirurgia, que engolia quase todo o dinheiro, pois tinha uma mesa para operar cavalos e outros animais grandes.

O levei para conhecer, ele ria, eu sabia que chegarias longe.

Perguntei se queria trabalhar comigo, eu precisava de um auxiliar, ninguém que tivesse feito veterinária queria se meter numa cidade pequena.   Tampouco entendiam dessa clínica assim.

Não me importei, o dinheiro era meu, tinha ganho com meu trabalho.

Mandei uma foto quando ficou pronto para o Emir.

Fui ensinando o Ben a cuidar dos animais pequenos, me ajudar na sala de cirurgia, lhe dava livros para ele ler.

Mas gostava mesmo era de estar na fazenda.

Um dia lhe perguntei se estava pronto para voltarmos aonde tínhamos parado.

Isso porque me perguntou se eu não tinha ninguém na minha vida.   Olhando nos seus olhos, respondi que nunca tinha tido ninguém além dele.

Nessa noite dormimos juntos, fazíamos um sexo fantástico, pelo menos para mim, nunca tinha experimentado com ninguém mais.

Ninguém fez nenhum comentário, tampouco estranhou, ele dormia na minha cama, meus pais, bem o avô Antonio, sequer moveram uma sobrancelhas, o aceitaram como mais um da família.

Sua mãe não gostou muito, mas vinha sempre vê-lo, seu pai nunca apareceu.

Isso não lhe importou o mais mínimo.   Na verdade me contou anos depois, que no dia que chegou depois de estar quase um ano num hospital, sem ninguém fosse visita-lo, fazia um adendo, eu sabia que estava no Qatar.  Quando cheguei aqui, meu pai me olhou de cima a baixo, como se eu fosse um perdedor, nesse tempo todo mal me dirigiu a palavra, na verdade meus irmão menores era seus preferidos, que eu não esteja na sua casa, deve ser um alivio.

Anos depois, um outro soldado retornado, com um problema sério, subiu a torre da Igreja, dali abateu todos os que faziam gozação com ele, depois se suicidou.

O únicos a irem ao seu enterro, porque o padre se negou a rezar uma missa, fomos nós, meu avô Antonio, rezou pela alma confusa, pedindo a deus que cuidasse de sua alma ferida.

Depois se ficou sabendo que ele era um franco atirador, que tinha matado muita gente, bem como visto muita merda.

Durante um tempo Ben, tinha pesadelos, mas eu segurava seu corpo perto do meu.

Quando o primeiro cavalo dessa mistura de raças, competiu numa corrida, tirando primeiro prêmio, sem treinamento nenhum, mandei a reportagem para o Emir, ele apareceu semanas depois, deve ter chamado muita atenção, pois veio como sempre com uma entourage de fazer gosto como sempre, imaginem na cidade nunca tinha visto uma limousine.

Apareceu na clínica, me abraçou me deu dois beijos de cada lado, apresentei o Ben, como meu ajudante, fez o mesmo que tinha feito comigo.

Avisei o meu avô que chamou dois rapazes, mandou preparar comida, mas já tinham chegado dois cozinheiros, que prepararam a carne como devia ser.

Para desgosto dos vizinhos, ele mandou instalar uma tenda imensa ao lado da nossa casa.

Mas de noite fazia questão de se sentar ali conosco na varanda, meu avô um dia jogou o Tarot para ele, leu todas as linhas de sua vida, passada, presente, o futuro falou o que esperavam dele.

Isso o deixava amargado, queriam que se casasse que tivesse filhos.

Nesse dia se abriu conosco, amava os homens, mas tinha que ter um filho, senão teria que renunciar a tudo que tinha.

Era uma escolha difícil.  Tinha trazido vários cavalos, para que eu misturasse para ele, comprou umas terras ao lado, para que estivesse ali.

Queria comprar o cavalo que tinha ganho a corrida, trouxe treinadores para o prepararem.

Meu avô soltou na cara dele, esse cavalo ganha, porque está solto, como sempre viveram todos, se o treinas, pode ganhar uma ou duas vezes, mas depois vai perder o interesse.

O Emir discordava, isso provocava largas discussões.   Logo apareceram vários criadores querendo falar com ele, oferecendo cavalos.

Mas ele se apaixonou mesmo foi por um potro Mustang que tinha sido parido ali mesmo nos nosso campo.

Queria ir a uma feira dessas de cavalos, mas se vou com toda essa entourage, vão me encher o saco.

Na verdade ele já tinha mandado a maioria embora.

Alugamos uma grande Motorhome, sem muito luxos, para não chamar atenção, ele fez questão que meu avô viesse junto, os dois tinham conversas de horas.

Fomos assistir um rodeio, no mesmo havia uma novidade, uma mulher mistura de um cowboy com uma índia Navajo, se apaixonou por ela, quando se apresentou, se esqueceu que estava vestido como qualquer outro.   Assim era um homem pequeno, que o único que se destacava era seus olhos negros grandes e brilhantes.

Teve que gastar muita saliva para que ela aceitasse sair com ele.

O velho antigo, lhe disse que não se comportasse como o Emir, mas sim como um homem simples, apaixonado.

Ele tentou seguir ao pé da letra.  Dois dias depois ela o avisou que ia embora, com seu grupo, iam para outra feira.

Ficou como um louco, a pediu em casamento, finalmente disse quem era.   Ela não acreditou, teve que me chamar para confirmar.

Riamos muito.  Nos convidou para ir com eles no seu avião, para o Qatar, para o casamento, levou os pais dela também, queria que meu avô fosse, mas ele disse que alguém tinha que cuidar de tudo.

Ben ficou alucinado, com o palácio que o Emir vivia.

A princípio, não aceitaram muito sua nova mulher, eles tinha antes se casado nos Estados Unidos.

Logo teriam um casal, um filho e uma filha, chegaram a ter seis filhos.

Vinham sempre, agora para ver seus animais, que eu cuidava, na fazenda ao lado, tinha dois homens de confiança dele, que me respeitava acima de tudo.

Justo uma vez que chegou, uma égua tinha um problema sério, o potro estava numa posição complicada, tinha que vira-lo, isso era um trabalho hercúleo, mas o fiz, ajudado por meu companheiro.

Quase que ele leva um coice da égua, mas conseguimos salvar a mãe, bem como o potro.

A cara do Emir e de sua mulher que não tinham se movido dali, durante as quase cinco horas que durou tudo, foi fantástica.

Por isso te queria lá comigo, tens um instinto que nunca vi em nenhum outro veterinário.

Ficou como um louco, com um cachorro que eu tinha encontrado na rua, era diferente, como se tivesse síndrome de Dow, podia ficar horas brincando com ele mesmo.

Mas mal nos via, via correndo ficar perto.   Um dia nos rimos muito, pois tinha subido na cerca, estava deitado em cima de um potro que estava ali.

O potro andava com ele deitado em cima.

Eu tinha examinado esse potro, tinha algum problema que eu não conseguia descobrir, pois enquanto os outros animais saia a correr pelo pasto, ele ficava ali quieto.

Nesse, dia com o cachorro nas costa saiu a galope, o fez durante horas, o Emir estava na fazenda conosco, ria muito, queria comprar, como tudo que via, os dois.

Lhe comentei a respeito, que os dois tinham algum problema, que eu ainda estava estudando.

Seus filho ficavam loucos com esse cachorro, o mais interessante é que o potro participava das brincadeiras, como se fosse uma criança.

Lhe disse que lhe respeitava muito, mas que nem pensar, queria estudar os dois.

Eu podia passar horas observando algum animal para saber se tinha alguma coisa.

As crianças foram embora chateadas, mas a mulher do Emir, era uma mulher com pé na terra, entendeu tudo, deu uma bronca no pai, bem como nos filhos.  O ameaçou, pois estava criando os filhos mal, pois lhes fazia todas as vontades.

Tempo depois, um dia meu avô pediu para falar comigo, saímos andando, no meio dos cavalos, ele como sempre na sua simplicidade, me soltou em plena cara, que aproveitasse do Ben tudo que podia, pois ele partiria em breve.   Na hora não entendi, mas me disse que tinha um problema sem solução, tens que aproveitar enquanto ele está vivo, mas não exagere.

Foram só quinze dias, uma noite estávamos olhando a lua cheia, sentados na varanda de mãos dadas, quando senti que sua mão pesava na minha, quando olhei para ele, tinha a cabeça caída no peito.

A dor que senti, me fez soltar um urro.   Perdia o homem que tinha amado desde garoto.

Levei um bom tempo desanimado, nos últimos anos, falávamos muito em adotar alguma criança, mas nunca dava certo.   Queríamos filhos, mas claro apesar de estarmos estabelecidos, ali, na cidade, mesmos nas vizinhas, dois homens vivendo juntos, querendo adotar crianças, pensavam primeiro que iriamos abusar delas.

Foi muito duro vencer o desanimo, pois tinha um projeto de vida com o Ben.

Meses depois apareceu um casal procurando emprego, eram emigrantes mexicanos, que tinha atravessado a fronteira.   Traziam com eles duas crianças, que os pais tinham morrido na travessia, eles simplesmente se agarraram ao velho Antonio, que os queria muito.

Moveu mundos e fundos para os adotar, como conhecia todo mundo, muita gente lhe devia favores, ele não teve dúvida, cobrou esses favores, mas a adoção seria em meu nome, pois ele estava velho.   Logo me tomei de amores por eles, os colocava na cama, falava com eles, no meu espanhol rudimentar.   Mas contratei uma cozinheira, de comida mexicana.

A primeira vez que me chamaram de padre, foi toda uma emoção.

Amavam os dois, os cavalos, os ensinei fazer como eu fazia em garoto para se aproximarem de mim, riam muito, um dia os peguei completamente nus em cima de dois potros,

O velho ria muito com tudo isso.

Minha mãe finalmente tinha os netos que vivia me cobrando, era ela eu os levava a escola, depois trazia ao meio-dia para comerem.

Sentia uma falta do Ben, que me doía os ossos.

Os meninos estavam grandes, iam já a secundária, eram bons estudantes, quando uma amiga deles, foi abusada por alguém a caminho de casa, a família a tinha expulsado de casa, minha mãe ficou uma fera, quando os garotos contaram para ela.

Foi atrás de aonde estava a garota escondida, numa casa abandonada, a levou para a fazenda, pediu a guarda da mesma, já que a família não a queria.

Assim ganhou seu terceiro neto.

A garota conseguiu entrar para a universidade, ao mesmo tempo que meus filhos, foram os três, pensei que Ben, estaria feliz.

Todos os anos, o Emir vinha ver seus cavalos, desta vez, chegou mais discreto, veio me visitar na surdina, um primo seu, que tinha estudado em Londres, tinham descoberto que era gay, queriam mata-lo, se eu podia receber o mesmo.

O homem estava abalado, saber que sua própria família o queria morto, era muito forte.

Tinha sido deserdado, ficou na fazenda, foi aprendendo a me ajudar, me entendia com um simples olhar, era muito inteligente.

Tínhamos largas conversas, a luz da lua, sentados na velha varanda.

Acabamos desenvolvendo um vínculo, apesar dele ser mais jovem do que eu.

O velho Antonio, que não se sabia precisar a idade, dizia, é tua oportunidade, aproveite.

Meus pais, estavam velhos, um dia se sentaram comigo, queria deixar de ter o armazém, com tantos supermercados nas cidade próximas, não valia a pena.

Era hora dos dois descansarem.

Quando o Emir veio da vez seguinte, foram com ele de férias.   Agora quase não ia a cidade, sabia das coisas, através, dos clientes, que traziam seus animais.

Eu estava apaixonado pelo Ahmed, embora esse vivesse com medo de que o descobrissem ali, quando vinha o Emir, mal saia de casa.

As vezes este levava um ou dois cavalos para lá, não queria dar o braço a torcer, que os cavalos que tínhamos, ganhavam sem tanto treinamento.   Como explicar que eram cavalos com uma herança genética, acostumados a correrem livres pelo mundo.

Os meninos se formaram em Medicina, a menina que tinha tido a criança na fazenda, foi trabalhar numa ONG na África, nunca mais voltou, mas antes me deu a criança em adoção, era meu filho mais querido, amava os cavalos como eu, os outros dois voltaram montaram uma clínica moderna na cidade, já que o velho médico tinha se retirado.  Mas voltaram a viver na fazenda, aonde se sentiam em casa.

Eu estava feliz com Ahmed, até que um dia recebeu uma ameaça de morte, avisei o Emir, lá foi ele embora, era sua vida, não podia fazer nada.

Não senti claro a mesma coisa que tinha sentido com a morte do Ben, sem querer um dia me sentei na mesa do velho Antonio, as suas velhas cartas do Tarot, começaram a falar comigo, ele que estava sentado do outro lado, parecia dormir, mas estava sorrindo, com os olhos semicerrados.   Eres meu sucessor soltou ele.

Algumas vezes alguém vinha em busca de escutar alguma coisa, ele mandava falar comigo, ou me chamava se estava cuidando de algum animal.

As coisas que as cartas mostravam, as vezes eram feias.   Lhe perguntei como tinha sobrevivido todos esses anos, olhando a história de outra pessoa, vendo seu lado negro, ou mesmo um lado totalmente vazio.

Não te cabe julgar, na verdade em seguida esqueces, pois a vida assim escolheram eles.

Era uma verdade, depois de dois dias, nem me lembrava da cara da pessoa, nem de seus problemas.

Quando ele morreu dormindo em frente a mesa, foi uma comoção, os meninos o adoravam, o pessoal que trabalhava ali a anos, ou mesmo os mais jovens se ressentiram, pois sempre tinha uma palavra de ânimo para cada um.

Seu pedido não podia ser mais simples, ser cremado, na simplicidade, enrolado dentro de um lençol branco virgem, que suas cinzas fosse jogadas no lago, na parte de cima da montanha.

Muita gente esperava uma missa ou algo parecido, mas ele odiava a igreja, sempre dizia que não era católico, que acreditava somente na alma.

Tivemos que fazer uma cerimônia com suas cinzas, no pátio da fazenda, tinha muita gente.

Não precisamos fazer nada, pois cada um trazia um ou dois pratos de comida para compartir.

Todos falavam bem dele.

A vida seguiu em frente, agora meu dever, obrigação além de cuidar dos animais, era cuidar do animal humano.   Nunca mais conheci ninguém que me interessasse.  Diziam que vivia de um passado feliz com o Ben.

Chegou uma época que o Emir veio viver seus últimos dias na fazenda ao lado, misturado com os seus cavalos, um de seus filhos o tinha sucedido lá.

Agora tínhamos largas conversar sentados embaixo das estrelas.

Nunca falava do Ahmed, nem eu perguntava.   O escutava sim falar do que mais amava na vida, os cavalos, as discussões eram imensas.

Quando morreu levaram seu corpo para seu pais, a grande surpresa, que em seu testamento, deixava essas terras, além dos cavalos para mim, pois eu os entendia.

Alguns empregados dele ficaram, não me incomodei.

Preparei meu filho pequeno para ocupar meu lugar, entendia que era assim, o que ele gostava mesmo era de estar no meio dos animais, nunca tinha perguntado de sua mãe verdadeira, nem de seu pai, quem era.

Isso tinha sido um meio dele chegar até aonde mandava seu desígnio o mesmo caminho que eu tinha feito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Comentarios

Entradas populares de este blog

BOUT DU CHEMIN

JIM TWOSEND

SÓ DEUS SABE