CRIOULO
Ele sempre tinha sido diferente dos outros,
sempre lhe chamavam de crioulo, isso ficou como seu nome, já que não tinha
nenhum, vivia num orfanato caindo aos pedaços, já tinha passado da idade que os
garotos são adotados, quando o olhavam, mulato, cabelos sarara amarelos, olhos
azuis, deviam pensar que diabo de mistura é essa.
Tinha uma fome eterna, seria assim para
sempre, mas magro como ele só, tinha músculos, pois ajudava as freiras em tudo
que era possível. A torcer os lençóis, ajudar a colocá-los no varal, ao
contrário dos outros garotos, estava agradecido sempre, pelo fato de ter um
teto em sua cabeça, inclusive se chovia muito forte, todos reclamavam das
goteiras, ele levava seu colchão para perto da janela, para sentir o cheiro da
chuva, se pudesse iria para fora, tomar um banho.
A água no orfanato sempre era meio amarela,
segundo a irmã Theresa, era por culpa dos canos velhos.
Um dia estava na porta varrendo, parou um
carro, nunca entenderia de marcas, mas sim de cores, desceu uma mulher bonita,
com dois garotos, um em cada braço, um branco, outro negro, disse para ele,
diga a freira que são irmãos gêmeos.
Ele quase soltou uma gargalhada, como podia
ser gêmeos se eram cada um de uma cor.
Quando a irmã Theresa, chegou correndo por
causa de seu grito, o carro já tinha desaparecido.
Estavam os dois garotos, ali, agarrados a
pernas do Crioulo.
Contou o que tinha acontecido, a irmã
reclamou, devias ter dito que estamos além da borda, não temos berços, nem
cama, falta de tudo, um dia desses vão fechar o orfanato. A arquidiocese diz que não geramos dinheiro,
só gastos, que queriam eles que eu colocasse todos para trabalhar.
Estava furiosa, quando ficava assim, ele a
escutava, sempre tinha razão é claro, as ajudas eram poucas, a comida que
chegavam já tinham passado do prazo, ou algum comerciante, antes de jogar fora,
levava para lá. Ele ia todas as semanas
com um outro garoto, acompanhando a irmã até um supermercado, para buscar tudo
que eles iam jogar fora.
Assim iam vivendo, de vez em quando
aparecia um casal para adotar, mas desde que fossem pequenos. Desde o primeiro dia os meninos dormiam em
seu colchão, ele dormia com os pés para fora, mas não se incomodava. Achava engraçado os dois dormirem de mãos
dadas.
As coisas iam mal, a irmã Theresa, estava
transferindo os garotos para outros orfanatos, não lhe importava se eram
evangélicos, espiritas nada, tinha um prazo para deixarem o edifício, a
arquidiocese queria vender o mesmo para construírem ali na Men de Sá um
edifício de apartamento. Ela recebia
todos os dias um telefonema do secretário do Bispo para perguntar quantos ela
tinha conseguido mandar para outro lugar.
Faltavam poucos. Agora ele tinha uma cama, colocava os gêmeos
em outra, para os vigiar. Os meninos só obedeciam a ele.
Um dia, já só haviam uns quinze ali, ele
via a irmã cada vez pior, dizia ela que se sentia derrotada, que Deus a tinha
enganado, a humanidade era má.
No dia anterior, tinha lhe dito que o iam
transferir para a baixada fluminense, para um abrigo, dê-la já se veria aonde
ia parar. Tinha lhe dado um documento
com seu nome, mais ou menos a idade que tinha, ficou espantado, ter 16 anos,
mirrado, magro como era, podia passar por 10 anos. Por isso ninguém o queria.
Perguntou pelos meninos, ela num gesto
derrotado, disse que não sabia o que fazer.
Talvez o juizado de menores, os recolhessem.
Meia hora depois a encontrou jogada no
corredor, chegou perto, ela estava morrendo, lhe disse num sussurro, acabo de
descobrir que para aonde te levam é um lugar horrível, logo tu.
Desapareça com os garotos, no meu bolso um
documento deles.
Ela os chamava de Sol e Lua, pois um era
branco como leite o outro negro como a noite.
Ela deu um último suspiro, que os anjos te
proteja, como esse negro que está sempre contigo.
Levou um susto, pensou que era só ele que o
via.
O homem estava ali ao lado dele, lhe disse
na sua cabeça, temos que ser rápidos.
Ele colocou os meninos num carrinho de criança, saiu como um louco dali,
em seguida chegava a policia para desalojar o lugar.
Imaginou a irmã Theresa deitada no chão,
levantando um punho, dizendo, senhor, aonde estás, me abandonaste. A tinha visto fazer isso muitas vezes na
pequena capela, que nem era segura mais.
Mentalmente o chamou de filho da puta, abandonar uma mulher como ela.
Ao contrário das outras irmãs, ela nunca
castigava nenhum garoto, dizia que não tinham culpa de estarem ali.
O homem o foi guiando, pelas ruas que ele
ia lendo o nome, para memorizar, tinha aprendido a ler e escrever com ela.
Só pensava numa coisa, como vou fazer para
alimentar esses meninos.
O homem o guiou até um edifício caindo aos
pedaços também, tinha uns cinco andares, levou um garoto, depois outro, por
último o carrinho. Os deixou ali, saiu
com o homem na frente dele, vamos arrumar comida. Logo em seguida, tinham dois quarteirões,
cheios de restaurantes, foi fuçando o lixo, separando a comida que ainda estava
boa, colocando numa bolsa de plástico, depois aprenderia a levar mais de uma
para separar o tipo de comida, mas neste dia misturou tudo.
No andar de baixo, achou um colchão velho,
serviria para dormir esta noite.
Ficaram ali três dias, até que escutou
vozes falando o dia que iriam começar a demolição da parte interior, iriam
manter a fachada que era histórica, mas o interior iria abaixo.
O negro, lhe despertou logo de manhã, era
muito cedo, desceu com o carrinho, depois foi buscando um a um, se perguntava
por que o negro não ajudava nisso. Nem
se dava conta que o homem era meio transparente.
Ele os foi guiando para outro lugar, de vez
em quando passavam por um restaurante, o homem lhe disse como pedir
educadamente algo de comer para seus irmãos.
Alguns olhavam para o outro lado, outros, davam um pedaço de pão. Assim
foram adiante, depois numa praça, tinha um quiosque, uma senhora os viu ali,
pagou café com leite para os três, bem como um sanduiche. A fome que tinha era monstruosa, sua barriga
chegava a fazer barulho.
O homem os foi guiando, no terceiro dia, no
dia anterior tinham dormido numa praça, escondidos num matorral, depois que os
meninos fizeram suas necessidades, os lavou ali na fonte da praça, ele mesmo o
fez depois, tirou sua roupa, para que os meninos dormissem em cima. Um sujeito que vendia drogas por ali, lhe
deu dinheiro que usou no dia seguinte para comprar pão de leite para os
meninos, um café com leite. Nem todo
mundo era tão mal, pensou.
No dia seguinte, o homem os seguia guiando,
no final do dia, foram parar numa rua residencial, pelo que ele entendeu era o
Rio Comprido, foi batendo de porta em porta, pedindo comida para os irmãos.
Até que numa casa, saiu um senhora mulata,
muito bem arrumada. Um dos meninos tinha
cagado na calças, ele perguntou se podia lavar ali na torneira do pequeno
jardim.
A mulher disse que sim, voltou com uma
toalha para secar os garotos. Os dois
riam como nunca, ela ficou sentada nos degraus da varanda olhando, com os olhos
cheios d’água.
Sempre quis ter filhos lhe disse, mas nunca
consegui.
Ele contou a história deles para ela,
vivíamos num orfanato que fechou, tirou do bolso o papel dos garotos, a irmã
Theresa colocou esses nomes, pela diferença de cor deles.
Irmã Theresa, disse ela, nos avisaram que
morreu ontem num hospital. A anos que
meu marido não sabia dela, durante muitos anos ela esteva na Africa, mas depois
não sabíamos nada até que a diocese perguntou se queríamos ir ao enterro.
Foi hoje de manhã, a enterraram num caixão
barato, o filho da puta do bispo, ainda estendeu a mão cheia de anéis do bispo,
meu marido o ignorou, eu também.
Espere, entrou em casa, ele está vindo para
cá, ele é coronel, vou pedir para ficar com os meninos.
Ele olhou para o lado para o negro, que
concordou com a cabeça, venha, os levou pela lateral da casa, mostrou uma
dependência de empregada, com um chuveiro, assim dás um banho decente nos
meninos, ele mesmo tomou, o sabonete era cheiroso, os dois queriam cheirar
também. Riam do chuveiro, esse pelo
menos a água era limpa. Depois ela
apareceu com comida, que eles comeram como loucos rindo, ela ria com eles, para
ele tinha feito um sanduiche de mortadela.
O devorou, lhe perguntou se queria mais um, ele agradeceu, mas eu tenho
fome eterna, se como muito, depois passo mal, como me dizia a irmã Theresa.
Quando o homem, chegou, de uniforme, era um
tipo grande, primeiro ficou com medo, na sua cabeça o negro lhe disse para ser
honesto, contar tudo.
Foi o que ele fez, os meninos, como sabendo
que jogavam sua sobrevivência, cada um agarrava as pernas das calças do
coronel, que começou a rir. Até que num determinado momento, estava com os dois
no colo, passou um para sua mulher, mas eles queriam estar com ele.
Escutou toda a história, de como ele
ajudava a irmã, limpava a entrada do orfanato, fazia tudo para ajudar, já não
estou na idade que alguém queira me adotar, mostrou o documento que tinha, nem
sabia que tinha essa idade. Sempre vivi
lá no orfanato, não me lembro de outro lugar.
Comigo ela falava tudo, contou a briga dela
com o Bispo, porque esse queria vender o edifício.
Um bom filho da puta, soltou o coronel. Pois vou conseguir que ele nos dê esses
meninos em adoção, se você quiser Lindaura.
Ela se desmanchou toda, pediu as chaves do
carro, ia até uma loja comprar roupas para eles.
Aproveito compro para ti.
Mas ele sabia que o coronel não o queria
ali. Queria os pequenos, mas a ele não, podia como ler sua cabeça, aonde
pensava, sei lá os vícios que esse tem.
Perguntou se ele queria entrar para o
exército, isso ele podia conseguir.
O negro, disse concorde, daqui dois dias
damos no pé.
A mulher voltou com roupas para os garotos,
que riam, o negro, logo se jogou nos braços dela, era interessante ver o senhor
coronel, com um, ela com outro, suspirou, pelo menos estariam bem. Teriam um teto aonde viver.
Ele dormiu no quarto de empregada, no dia
seguinte ele ficou com os garotos, enquanto o coronel com o papel dos dois, foi
com sua mulher falar com o Bispo.
Voltou rindo, ela lhe contou que quando o
bispo se negou, ele agarrou o mesmo pelo colarinho, o suspendendo no ar,
assinou os papeis de adoção em seguida, ainda disse ao mesmo, que queria uma
lapida no tumulo da irmã, senão ia contar tudo aos jornais.
Ainda deu um murro na sua mesa, deve ter-se
cagado nas calças. Quando lhe estendeu a
mão cheia de anéis, tirei esse, quem sabe vale algo, assim podes te sustentar.
Entendeu a mensagem. Agradeceu, não queria estar com alguma coisa
roubada.
No dia seguinte, escutou o Coronel saindo,
era muito cedo, tomou um banho, aceitou o café da manhã que a senhora ofereceu,
agradeceu o que ela fazia pelos garotos.
Quando tenha um lugar para viver, venho com o endereço, gostaria de
acompanhar o crescimento deles. Ela
entendeu, ele os tinha salvado de sabe-se lá aonde iam os meter ou separar.
O negro o levou para o alto de uma montanha
atrás, até uma casa de santo, o mais interessante era que ficava ao lado da
casa do traficante da favela.
O homem da casa de santo, na hora não
entendeu, o fez sentar-se, um ajudante lhe disse quanto custava o jogo, ele nem
sabia que jogo era esse.
Mas o negro interferiu, fez com que as
pedras começassem a rodar sozinha, assumindo posições. O pai de santo de mulato, ficou branco.
Mandou o outro sair, ficou sozinho com ele,
perguntou se era ele que fazia isso.
Ele sinalizou o negro, mas este não o via, este
lhe colocou um dedo na testa, começou a falar com ele, o que tinha que fazer.
Só o escutava o outro dizendo sim senhor,
sim meu pai, tudo como o senhor quiser.
Disse que não o queria ali, pois sabia que
o traficante de drogas era amante do pai de santo, isso vai acabar mal, se
fosse tu, ia embora daqui.
Mas para aonde meu pai, para onde.
Depois de comerem, foi perguntando coisas
para ele, até que entrou um homem do qual ele não gostou nem um pouco. O negro deu um jeito dele ir embora, o pai
de santo pediu a chave de um carro, pois precisava ir a Madureira, para comprar
coisas para um despacho.
Nessa noite dormiu na casa de Exu, viu que
o negro estava cercado de outros.
Rezou como sempre fazia, quem tinha lhe ensinado
era a irmã Thereza.
No dia seguinte muito cedo o pai de santo,
trocou de roupa, tomaram café ao pé do morro, num bar, de longe ele viu a andando
na rua, com um em cada mão, se notava na sua cara que estava feliz.
O pai de santo, lhe disse, vou te levar
aonde ele disse que tens que ir, é o meu pai de santo, esta cego completamente,
mas consegue ver a alma das pessoas. Ele
vive no meio da floresta, num lugar difícil de chegar, quem o procura, é porque
esta realmente necessitado. Ele odeia
baboseiras.
Tomaram a avenida Brasil, ele ia lendo as
placas, o negro ia com as mãos nos seus ombros como dizendo calma. Horas depois, chegaram na subida da Rio/São
Paulo, ele tomou uma estrada a direita, começara depois de passar por uma vila,
a subir a montanha, por uma estrada velha, em que o asfalto tinha ido a merda a
muito tempo.
Levaram duas horas no meio da floresta, ali
não havia placa nenhuma, fora dar numa clareira, aonde uma casa antiga, precisando
de cuidados, com um barracão alongado, o pai de santo disse que ali era uma
casa de fazenda, o barracão era a antiga senzala.
Nas escadas, estava um homem
impressionante, se apaixonou por ele imediatamente, tinha os olhos em branco,
andava com um bastão, se via que era cego.
Quem é o senhor meu pai, disse ao negro que
o acompanhava. Ou seja o via. O pai de Santo explicou a situação, o abraçou
e beijou, meu filho sabes que podes vir sempre que queiras, mas abandone esse
homem, isso não vai acabar bem.
O levou para dentro. Começou a falar com ele, Crioulo, eu vivo
aqui sozinho, algumas vezes aparece algum filho de santo, trazendo as
encomendas que faço de comida, agora terei que pedir mais, mas isso não
importa.
Teu Exu, foi quem te trouxe, disse que
precisas de proteção, de um lugar para ficar.
Sim, lhe contou toda sua história. O homem o escutava em silencio.
Pediu para passar a mão pelo seu rosto, riu
quando passou pela penugem de seus lábios, em breve terás um belo bigode.
Pelo menos terei alguém para me ajudar na
casa dos Orixás.
Esse foi seu primeiro aprendizado, limpar,
cuidar das quartinhas, entender a cada um, limpar a parte de baixo do Iroco,
uma árvore que devia estar ali, desde a formação da floresta, mais acima havia
duas cachoeiras, uma era dos Orixás, aonde se levavam oferendas, na outra ele
ia tomar banho no verão levando Pai Ambrósio, vê-lo simplesmente nu, o deixava
louco, mas não ousava nada. Este quando
estava ali, remoçava, parecia uma criança.
De noite, sentados na varanda, ia lhe
contando o porquê de cada Orixá, bem como devia ser tratado. Uma vez por semana subia um filho de santo,
trazendo as compra, se surpreendeu encontrar Crioulo lá. Este lhe deu o número do Telefone da
Lindaura, pediu que fizesse contato com ela, que mandasse noticias ao endereço
do senhor, bem como falasse dos garotos, ele assim que pudesse faria contato
pessoalmente.
Seu corpo também foi desenvolvendo, já era
um homem, até o momento nem entendia porque estava ali.
Finalmente como fazia todos os anos, havia
uma grande festa em homenagem aos Orixás, o Ambrósio o mandou se preparar,
tomar um belo banho de cachoeira, limpar bem o mesmo.
Pela tarde começaram a chegar muita gente,
filhos de santo, pais de santos feitos por Ambrósio, bem como gente buscando
ajuda.
Ele foi recebendo as pessoas ao lado do
Ambrósio, tinha limpado toda a senzala, pintado tudo de branco. Ogans, estavam esquentando os atabaques, ao
som deles, ele se sentia nervoso.
Ambrósio só lhe tinha dito, que hoje era a
prova dos nove com relação a ele. Lhe
pediu desculpas mas não sabia do que falava.
Quando ele entrou, o levaram para um
pequeno trono, situado ao fundo do grande espaço, ficou em pé até os atabaques
pararem. A menos de um ano, me trouxeram
esse aprendiz, nenhum Orixá o rejeitou, quando cuidou de seus coisas. Faz isso
desde o dia seguinte que chegou aqui, só lhe tive que explicar o como, porque e
como fazer, nunca mais me perguntou nada, sei que faz com esmero. Veio acompanhado de um grande Exu, seu pai de
cabeça, uma coisa rara, já que normalmente, o Exu pertence a algum Orixá, é seu
mensageiro, mas ele não, é seu santo vamos dizer assim. Será futuramente o chefe de um terreiro
dedicado a isso.
Fez um sinal, os Ogans começaram a cantar,
ele que estava ali ao lado do Ambrósio, não conseguiu se controlar, quando viu
estava no meio do terreiro dando saltos incríveis, sem notar o mesmo cantava em
Yoruba. Quando acabou, era como se ele
estivesse numa ponta longe de sua cabeça.
O negro estava com ele, colado ao seu corpo.
Escolhi esse rapaz, porque ele era
diferente de todos, já de pequeno ajudava as irmãs de caridade no orfanato
aonde estava, sem reclamar nunca da sorte de sua vida. Num determinado momento, acolheu como seus,
duas crianças que foram abandonadas aos seus pés, um dia serão seus filhos de
santo. Cuidou das mesmas, compartiu tudo
que tinha, ou seja nada com elas, a comida, o calor humano. As deixou protegida por uma família, que
precisava de crianças para se unirem mais.
Agora lhe toca ensinar Yoruba, a ler nas
entrelinhas das dobras da vida, as coisas das pessoas que virão até aqui. Eu vivi nessa senzala, aqui fui castigado,
gerei meus filhos, que o senhor vendeu a algum bom postor, quando acabou a
escravidão, minha alma voltou ao meu lugar de origem para me preparar, na
verdade Crioulo é um descendente de um dos meus filhos. Por isso o escolhi.
Meu nome é Exu Bara, acrescentando o nome
de Crioulo. Ninguém sabe por que ele tem
esse nome.
Deu um salto imenso tocando o teto da
Senzala, ele caiu no chão sem fôlego. Em
seguida conforme o Ambrósio dava um sinal os Ogans tocava uma entrada, ele
incorporava o resto dos seus Orixás, junto com todos os outros filho de santo
que estavam ali.
Quando acabou toda a cerimônia, pai
Ambrósio lhe deu uma guia, que numa parte tinha um dente imenso, na outra uma
pedra negra esmaltada com vários caracteres em branco, que tinha sido escolhida
pelo seu Exu, o resto eram contas cristalinas.
Colocou atravessada no seu corpo, assim ele devia usar a principio para
atender qualquer pessoa, serviria de proteção a ele.
Poucos ficaram quando chegaram a noite, um
grupo de pais de santos, feitos por pai Ambrósio o levou a casa de Exu,
passaria duas semanas fechado ali.
Lhe despojaram de toda sua roupa a não ser
a guia que levava atravessada em seu corpo.
Caiu num sono reparador, ficou sem saber
quantos dia estava ali, os mesmos homens tinham ficado, o levavam a cachoeira,
para tomar banho, logo pela manhã, enquanto um grupo de Iaôs, limpava aonde ele
estava. Comia alguma fruta ali da
floresta, voltava a cair num sono profundo, aonde ia aprendendo tudo com o Exu
Bara, quando ao final de 14 dias, era um sábado, o levaram a Senzala, colocaram
uma esteira na frente de Pai Ambrósio, um dos homens lhe raspou a cabeça,
colocando cinzas misturada com barro por toda sua cabeça.
Depois ele começou a falar com cada um em
Yoruba, alguns erravam em entender o que ele dizia, ele consertava, tens que
falar melhor meu filho.
No dia seguinte, ele mesmo se levantou
cedo, subiu até a cachoeira, sabia que os outros iam aproveitar para fazer o
mesmo, mas queria estar só.
Então Exu Bara, lhe mostrou um esconderijo
atrás da cachoeira, para que saibas que realmente vivi aqui. O fez entrar numa pequena gruta, aqui me
escondia do feitor quando queria me maltratar. O levou até uma parte, disse
para desenterrar a caixa de metal que estava ali.
Ele o fez, foi difícil de abrir pois estava
muito enferrujada, mas conseguiu. Dentro
encontrou uma carta de alforria com o nome do Bara. Bem com uma quantidade de
objetos pequenos, esses vais usar para jogar para as pessoas que venham aqui. Com
um simples toque dele, todas ficaram no ar, agora vão dizer o nome que serás
conhecido. As mesmas começaram a rodar como loucas, até caírem no chão. Dizem deves tirar documentos com o nome de
André Crioulo.
Ele guardou tudo outra vez, ia levar para a
casa de Exu como Bara tinha mandado fazer.
Quando saiu, estavam todos os pais de
santos ali.
Ambrósio disse que o Bara tinha ensinado o
local para ele, esta noite em sonhos.
Depois cada um dos homens, lhe deu um troço
de tecido, africanos, como um presente, mas um em especial, ele disse que seria
aonde jogaria. Foi até a casa de Exu,
trouxe a caixa, bem como uma cargo de metal que tinha descoberto ao limpar a
senzala.
Colocou o pano no chão, o arco, estava sentado
no chão, tirou a guia, a colocou em cima de tudo, o dente ficava virado para a
pessoa que se sentaria ali.
Cada pai de santo veio se sentar na sua
frente, ele foi jogando, dizendo toda a linhagem da pessoa, a algumas dizia que
tinha que ir ao médico, ou que tivesse cuidado, com alguma coisa.
A um especial, o mesmo que o tinha levado
até ali, todos te avisaram, inclusive teus orixás, ou partes agora, ou te
recolhes aqui, mas se volta, morreras em seguida. Isso é uma opção que tens que tomar.
Nisso foram interrompidos, por um homem que
entrou armado, era o traficante, por quem o filho de santo era apaixonado.
Ele num gesto, tirou a arma do sujeito, o
levantando no ar, com um estalo, as roupas do dito cujo viraram farrapos,
depois o foi trazendo pelo ar, enquanto ele se debatia, o fez sentar-se na
frente dele.
Ele o olhava assustado, tudo que via era um
garoto, muito jovem, mas que com as mãos tinha feito tudo isso.
Vinhas aqui para matar na frente de todos,
para provar que eres homem, um rapaz que se dedica de corpo e alma a ti, os
dois cresceram juntos, cada um escolheu um caminho, mas agora chegou o momento
que tens que te decidir, podes mata-lo, mas acredita que tua consciência te
deixara em paz.
Viu que ele ia responder com
violência. No centro da senzala existia
um imenso troco, que servia de apoio a toda a estrutura, num movimento dele,
ele ficou preso ao mesmo.
Ele se levantou, sabia que o Bara falava
pela sua boca, verás agora tudo que acontecia aqui, sentiras na pele tudo que
se passava nesse tronco, mas preferes destruir as pessoas vendendo drogas, por
isso tua tortura será ver quantos morreram por tua culpa.
Minutos depois ele gritava, com os olhos
escancarados. Quando tudo acabou, caiu
sentado exausto no chão, o seu amigo pai de santo, ia correr como sempre fazia
para ajuda-lo, Bara o fez parar, ele tem que aprender sozinho.
A ideia dele era vir aqui matar-te na
frente de todos, para provar que era mais forte do que tu, mas na verdade é um
fraco, um tonto, que pensa que usar cordões de ouro, ter dinheiro no bolso, lhe
dá poder.
Ele ajudado por outros dois, o levaram
cachoeira acima, lhe deu um banho, entrou com ele na cova, avisou aos outros
que durante quatro dias estariam ali, que trouxessem comida, mas só frutas, o
idiota além de vender consome essas merdas.
Seu namorado quis entrar várias vezes, mas
o Bara não permitiu.
Ficava ali sentado aos pés do rapaz,
algumas vezes ele tinha convulsões por causa da falta de drogas, outras vezes
vomitava tudo que comia, os espíritos todos que estavam ali o ajudavam.
O faziam levantar-se, limpar o que tinha
sujado da maneira mais humilde.
No terceiro dia começou a conversar com o
Bara, tudo que tinha, falava do imenso amor que tinha pelo seu amigo. Nunca estou à altura dele, podia ter ficado
quieto ao seu lado, mas morro de ciúmes, o quero só para mim.
Tens tua última oportunidade, de refazer
tua vida, mas longe dele, ele precisa de tempo como tu, vou separar um tempo os
dois, voltas aqui dentro de um mês, se aguenta esse tempo, terás superado a
prova, terá uma nova vida os dois juntos.
O mesmo falou depois com o pai de santo,
cada um vai para um lugar diferente, não podem voltar aonde vivem, ele porque
corre perigo, de algum assecla tentar mata-lo pelo poder, tu porque estas com
ele, acham que eres o meio de chegar até ele.
Esteja recolhido, indicou um pai de santo,
que concordou em recebe-lo, em Niterói, o traficante, iria para mais acima na
montanha, aonde ficaria recolhido.
Todos estavam impressionado com o Bara,
olhava aquele garoto, ainda com cara de menino, mas forte, com poderes que
nenhum deles tinha.
Ambrósio era o único que sabia dele, pois
tinha sonhado com ele antes, sabia que vinha para ficar ali com ele.
Era o único também que o via como era. Uma pessoa doce, pronta para ajudar a todos
que precisassem dele. Seria um bom pai
de santo sem dúvida nenhuma.
O que não sabia era que Crioulo o amava, mas
não dava nenhum passo em frente, com medo de o ofender.
Foram precisos anos para chegarem a algo.
Nunca deixou de receber noticias dos
garotos, algumas vezes escapava ia até o Rio Comprido para vê-los, faziam uma
festa, nunca se esqueciam deles.
Um dia ao estar com eles, quando tocou a
mão de Lindaura, viu que as coisas não andavam bem, esperou o Coronel, sabia
que ele não acreditava nessas coisas, foi enfático, com ele.
A levaram ao médico, estava com um câncer
difícil de tratar. Quando todos a
desenganaram, a levaram para cima, lá ele cuidou dela, a deitou aos pés do
grande Iroco, deixou que Bara fizesse seu trabalho.
Quando ele começou a extrair uma massa
imensa negra, pela boca da Lindaura, ficaram impressionados, isso levou mais de
meia hora. Depois ele fez o mesmo pelo
sexo. Pois tudo estava muito estendido.
Eles ficaram vários dias ali, os meninos
subiam a cachoeira, mas o coronel, não saia do lado da sua mulher.
Ela viveu mais de dez anos, morreu depois
desse tempo do coração, os meninos já estavam na universidade, eram
inteligentes.
Agora subiam uma vez por mês, para vê-lo,
Bara preparava uma ervas para o Coronel tomar, esse ria, eu lá sou homem de chazinhos,
mas tomava.
Bendita hora que apareceste com esses
garotos, renovou nossas vidas, os adoro, as pessoas comentam, por um ser negro,
outro branco, mas cago para isso, sãos os melhores alunos em sua escola, agora
na universidade, tiram as melhores notas, isso que os dois parecem nunca
estudar. O que um não entende, o outro explica.
Lindaura queria visitar seus parentes em
Minas Gerais, ele desceu para ficar com eles, riam muito. Depois diria ao Ambrósio, já não sirvo para
viver na cidade, fico esgotado, preciso me refazer.
Eu tampouco aguento ficar muito tempo longe
de ti, vamos tomar um banho de cachoeira.
O coronel os ajudou, quando descobriram que
quando Ambrósio tinha comprado as terras, na verdade não pertenciam ao herdeiro
que tinha vendido, moveu uma verdadeira caçada ao sem-vergonha, mas quem deu a
dica aonde estava foi o Bara.
Tinha inclusive mudado de nome, foi
obrigado a voltar, pagar aos outros o fraude que tinha cometido.
Agora os papeis estavam perfeitos, Ambrósio
aproveitou para colocar como seu herdeiro o Crioulo, isso só com a ajuda do
coronel. Que respeitava aquele homem de
cabelos brancos, cego completamente, que se movia por ali, como se visse
tudo. Quando falava com as pessoas, era
como se olhasse por dentro delas.
Iria descobrir mais tarde, que era de uma
família importante do Rio de Janeiro, que um dia abandonou tudo para seguir
seus Orixás.
Um dia, Crioulo que dormia sempre abraçado
ao Ambrósio, despertou com ele frio, tinha morrido durante a noite, Coronel e
os meninos, se encarregaram de avisar tudo mundo, queria ser cremado, que suas
cinzas fossem depositadas juntos com as da Lindaura, na cova de Exu Bara. O coronel avisou a sua família, que ninguém
nunca tinha visto, os irmãos o queriam enterrar no mausoléu da família no
cemitério do Caju, pois eram Judeus. Só
então as pessoas descobriram que o Ambrósio era de uma família rica, bem como
Judeu.
O velório, bem como a cerimônia do mesmo,
foi feita por Crioulo, com todos os outros pais de Santos que ele tinha
ensinado tudo.
A multidão era grande, a fila de carro
parada na estrada era imensa, havia que subir quase dois quilômetros a pé.
Quando a família quis reclamar a
propriedade, deu com os burros n’água, ele tinha deixado um testamento, deixando
tudo para seu companheiro dos últimos anos, André Crioulo.
Meteram o rabo entre as pernas,
desapareceram no mapa.
O coronel, acabou vivendo lá com ele, os
meninos agora formados, fazia especialização, em urgências, cada um tinha um
dom diferente.
Subiam sempre que tinha o seu tempo livre,
para ver os dois, que no fundo consideravam seus pais. André Crioulo, por os ter salvados de uma
separação, o Coronel, pôr os ter criado.
Iam sempre a cova com os dois, para rezarem
aos pés das cinzas do Ambrósio e Lindaura.
O coronel reclamava que estava velho demais
para subir, se meter na agua fria, mas dizia que voltava revigorado.
Exu Bara ia preparando os dois para
substituírem futuramente o André Crioulo, esse contente que alguém levasse o
lugar em frente.
Nunca tinha amado outra pessoa que o Ambrósio,
dizia que tinha sido imensamente feliz, me apaixonei na hora que o vi, embora
levássemos anos, para começar alguma coisa entre a gente.
Todos sabiam da paixão que ele tinha por
Ambrósio, assim que ninguém tentava se aproximar.
Quando se sentia só, subia com Bara,
ficavam conversando, sentados numa pedra.
Um dia Bara, fez com ele um trabalho, o fez
regressar ao passado de várias encarnações, viu que os seus pais que o tinham
deixado no orfanato, tinham sido somente um meio para ele chegar aonde tinha
chegado.
Depois de geração em geração, até o filho
do Bará, de quem era descendente.
Agora entendia muita coisa que sentia ou
via de criança, inclusive nunca esquecia o momento, que ele varrendo a porta do
orfanato, parou o carro, a mulher desceu com os meninos, um em cada braço,
depositou aos seus pés, pedindo que cuidasse deles.
Era a ti que entregava, por isso assumiste
os dois desde criança, lhe explicava o Bara.
Um dia o Coronel em sigilo, desceu com os
dois, foi a nunciatura católica, exigiu poder retirar os ossos da irmã Theresa,
os colocou numa caixa de metal, os levando para a gruta. Tinha já feito um testamento, deixando tudo
que tinha aos seus dois filhos. Conhecia
bem sua família para saber que eram gananciosos. Queria ser cremado, para que suas cinzas
ficassem ao lado de sua amada Lindaura.
Assim o fizeram, morreu já com mais de 98
anos. Completamente lucido, segurando
as mãos dos filhos, dizendo que obedecessem o André Crioulo, bem como o Bara.
Muitos anos depois, a cada novo filho de
santo que Crioulo ensinava, se fazia uma grande festa, quando a primeira vez os
meninos incorporaram, já não eram jovens, mas agora estavam livres para
seguirem os preceitos todos.
As vezes vinham cansados do hospital que
trabalhavam, se metiam na casa de Bara para descansarem, recarregarem as pilhas
como diziam.
O que era branco nunca se casou, pois
tocava a ele ficar no lugar do Crioulo, mas o negro se casou com uma mulata
linda que vinha sempre nas festividades, ficou morando lá, cuidava do Crioulo,
logo tinham filhos, todos gêmeos por sinal, tiveram dois meninos, depois duas
meninas.
Bará dizia que eram Lindaura e Thereza que
voltavam, os meninos dizia que era o Coronel, bem com o Ambrósio. Era interessante, pois esse, quando via o
Crioulo, corria para ele, queria ficar no seu colo.
Um dia encontraram Crioulo sentado embaixo
do Iroco, com um de cada lado, as meninas aos seus pés, tinha morrido com um
sorriso na cara.
Suas cinzas claro foram para a cova. A tradição seguiu em frente, isso já faz
muitos anos.
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