TUTU MARAMBA
Como ele dizia sempre, todos os velhos, a
partir de uma certa idade, se lembram do passado, mas não o que comeram
segundos atrás.
Ele finalmente estava nessa fase, se
lembrava de coisas de criança, mas não do dia que estava, nem o mês, tinha que
olhar a uma folhinha que estava ali atrás da porta.
A muito tempo vivia numa residência, perto
da floresta da Tijuca, pelo menos o ar era respirável, nada a ver com as outras
que tinha visto.
Ele mesmo tinha andado por todas, com seu
chofer, para escolher aonde viver seus últimos dias.
Não queria estar na mão de empregados,
enfermeiras, queria um lugar para finalmente descansar. Seu filho tinha vindo dos Estados Unidos,
para lhe ajudar nessa parte, não podia reclamar, ele mesmo o tinha incentivado
a isso, tinha um bom trabalho na universidade, para que estragar sua vida.
Ainda tentou argumentar com ele, que fosse
para lá, nem pensar, já tinha andado muito pelo mundo, queria era sossego.
Nesse dia tinha se levantado com uma Naná
na cabeça, a que cantava a senhora negra que o cuidava na fazenda, Tutu
Marambá, a fazia com uma voz suave, como num lamento.
As vezes saia com ele amarrado em suas
costas, ia falar qualquer coisa com sua mãe, que estaria com as outras mulheres
dali, cuidando ou da horta, colhendo frutas, ou então ajudando no terreiro, na
secagem do café, eram as mulheres não os homens que faziam esse serviço.
Seu pai, estaria com os homens, cuidando
dos animais, da grande plantação de café.
Era impressionante sua figura, sentado em
cima de um cavalo, com uma espingarda atravessada na suas pernas, se lembraria
sempre dele, depois vendo filmes de Cowboys.
Tinha ali em cima de uma cômoda, retratos
de cada um dessa época. Mas um especial
da mãe, de uma época posterior, já no Rio de Janeiro, ela vestida na última
moda, ao lado de seu segundo marido.
Até os dez anos de idade, ele aprendeu a
ler e escrever com sua mãe, em casa falava francês, alemão, a língua dos dois.
Foi interno nessa época, para a única
escola possível, um seminário, numa cidade perto, todos lá eram emigrantes,
tinha sido projetada para isso, para a grande quantidade de emigrantes que
recebia o Brasil.
Os dois tinham vindo, um pouco antes da
segunda guerra mundial, seu pai, exagerava dizendo que tinham tomado o último
navio que saia de Marseille.
Os dois vinham de família ricas, ele era
filho do último embaixador alemão, antes de Hitler, seu avô previa o que ia
acontecer, quando esse chegasse ao poder.
Quando o fizeram voltar a Alemanha, sabia que teria seus dias contados,
afinal, ele era descendente de judeus.
Incentivou seu filho, bem com a noiva
deste, uma beldade, que emigrassem para talvez o único lugar que os alemães não
chegariam, Brasil.
Minha mãe era de Saint-Malo, na Bretanha,
tinham se conhecido na universidade, ela era uma das poucas mulheres estudando
um curso de línguas, mortas, diria depois que estavam tão mortas que nunca mais
as usaria.
Se apaixonaram um pelo outro, pelas fotos
ele sabia que eram bonitos. Ele loiro de olhos azuis, ela morena, com olhos
verdes.
Meu avô foi até a Suiça, aonde tinha
dinheiro, bem como diamantes guardados, deu tudo para eles, comprou passagem
num navio, em primeira classe para os dois, nunca poderia dizer como a maioria
dos emigrantes, que tinham chegado com uma mão na frente, outra atrás.
Desceram em Santos, logo foram para São
Paulo, ela comandava tudo, pois falava português, apesar do sotaque que sempre
teve, no final dizia que lhe dava charme.
Lá se informaram bem, meu pai gostava de
cuidar de terra, ela viu que era por aonde começavam todos os emigrantes.
Escutaram falar do Paraná, lá foram eles,
uma companhia inglesa, desenvolvia cidades no norte da província. Primeiro se informaram bem, o que podia
cultivar, bem como a respeito de animais.
Quando finalmente comprou as primeiras
terras, metade ainda era floresta, contratou uns homens para colocar uma parte abaixo,
usaram a madeira que já estava no chão para construir a primeira parte da casa. O capataz que ele contratou, era um homem
experimentado nisso.
O centro da casa, seria a enorme cozinha,
com dois fogões interligados, a lenha, no centro uma grande chaminé, que se
aproveitava para defumar a carne.
Ela que nunca tinha trabalhado no campo,
aprendeu logo que havia que fazer uma horta com legumes, plantou arvores de
frutas tropicais, isso ela cuidava com as outras mulheres.
Amarrava um lenço na cabeça, vestia umas
calças velhas de meu pai, camisa de mangas compridas, fizesse calor ou frio,
assim, não queimava os braços.
A coisa ia bem, meu pai tinha sempre boas
vendas de café, milho, com o leite das vacas, ela fazia queijo, manteiga, que
depois vendiam na cidade.
Ele foi para Londrina, estudar no
seminário, os padres, era alemães, ficaram contentes de ter um aluno que falava
a língua deles, os outros eram muito chucros, uma mistura de raça danada.
Sua mãe exigiu que ele aprendesse línguas,
inglês, francês, alemão, latim, grego.
Então além das aulas normais, ele estava
sempre com um dos padres, com dois ou mais alunos estudando.
Eram esperto, ensinavam latim, já usando a
bíblia, como livro, as missas ainda eram em Latim, quando lhe perguntaram se
ele queria se coroinha nas missas, tirou o corpo fora, disse que não, mas
educadamente como tinha ensinado sua mãe.
Ela lhe disse que nunca falasse qual
religião seguiam. Seu pai, descendente
de judeus, não encaixava numa missa. Ela
tampouco era muito católica.
O jeito era ele fingir que já tinha feito
primeira comunhão, comungar, quando tinha missa, fingir que tinha pecados.
Nos finais de semana quando seus pais
vinham da fazenda, se hospedavam num pequeno hotel, ia ficar com eles, ia a
feira ajudar a vender os queijos, a manteiga, que todo mundo gostava, ela dizia
que fazia a moda francesa. Qual nada,
tinha aprendido através de um livro.
Com o tempo ela descobriu como tostar o
café, que sobrava, então, com as mulheres, tostava o mesmo na cozinha da
fazenda, bem como preparava ela mesma, pequenos pacotes de café torrado, ou
mesmo moído. Quando passava as férias na
fazenda, adorava fazer isso, principalmente pelo cheiro do café, recém tostado,
reclamaria depois o resto da vida, a falta desse cheiro, bem como de um café
passado por um coador de flanela.
Hoje em dia tudo eram maquinas, ali mesmo
aonde vivia, reclamava que eram um café aguado.
Quando ele tinha uns quinze anos, seu pai
morreu mordido por uma cobra, ninguém sabe como a mesma entrou em casa, se
enfiou na bota que ele usava, se levantou, quando enfiou o pé, a mesma o
mordeu. Morreu dias depois, depois de
um final doloroso, a perna parecia um leitão.
Sua mãe ainda tentou levar durante um ano,
a fazenda, viu que seria impossível, eram muitas terras para cuidar.
Tinham dinheiro no banco, o gerente,
negociou o valor para ela, de quanto valia a fazenda, com o que estava
plantado, a vendeu a um árabe recém chegado a cidade, com dinheiro vivo na mão.
Ela foi me buscar no seminário, levava em
suas duas maletas, dinheiro, bem como diamantes ainda da França.
Na cidade agora tinha um aeroporto, muito
rudimentar, a pista inclusive era de terra. Mas duas vezes por semana tinha um
voo da Panair, lá foram eles para o Rio de Janeiro.
Ele se deslumbrou quando o avião, fez
porque tinha que esperar ordem para descer, uma volta pelo Pão de Açúcar.
Nesse momento acabava a guerra na Europa,
ou seja a cidade estava cheia de emigrantes de todas as partes.
Ela alugou numa pensão um quarto grande
para eles, enquanto decidia o que fazer de sua vida.
Viu um anuncio numa jornal de uma escola
que precisava de professores de francês.
Se apresentou, com seu curriculum, seu diploma da Sorbonne, logo foi
admitida.
Foram morar num apartamento, em Botafogo,
depois se mudaram para Copacabana, para ele ter uma escola perto.
Foi fazendo amizades, ela sabia se
comportar como uma dama, nunca dizia que era viúva, assim se protegia da
investida dos malandros brasileiros.
Um dia conheceu, uma família, que vivia na
Praia de Copacabana, a convidaram para um Jantar, lá conheceu o que seria meu
padrasto.
Se lembrava exatamente da cara dele no dia
que o conheceu, tinha uma cara severa, era descendente de portugueses, que
tinham vindo para o Brasil, na época do império, ele tinha uma grande mansão, que
hoje já não existe mais, na praia de Ipanema, tudo ainda estava por fazer.
Ele se interessou por ela, era um solteirão
de ouro como se dizia, nunca tinha se casado, era o último descendente de sua
família.
O tinham mandado estudar em Lisboa, aonde
voltou advogado.
Tinha um circulo de clientes, entre os
portugueses que vinham com uma mão na frente, outra atrás, que ficavam
milionários, trabalhando de sol a sol.
Quando soube que ela era viúva, avançou o
sinal, mas ela lhe parou os pés, que com ela nada de aventuras, era uma mulher
séria.
Ela era tão refinada, que ele se apaixonou
por sua maneira de se comportar, como ele diria depois, vinha com a bagagem
completa, com um filho.
Ela nunca lhe disse que tinha dinheiro no
banco, bem como uma caixa forte no Banco do Brasil.
Já tinha visto, como ele gastava o
dinheiro, vivia nababescamente, como um grande senhor da alta sociedade
carioca, dizia que tinha um titulo da nobreza portuguesa, mas quem se importava
com isso, o império já tinha terminado a muito tempo.
Quando se casaram, ela foi honesta, não
gostava muito de viver em Ipanema, ele lhe comprou um apartamento, que
sabiamente ficou em nome dela, na Praia do Flamengo, com uma vista fantástica,
era um andar inteiro.
Ele logo quis me mandar para um colégio
interno, para acabar o curso antes da universidade.
Ela disse que nem pensar, pois já tinha
passado muito tempo longe dela, no seminário, agora não tinha por que fazer
isso.
Ele logo aprendeu que com ela o “buraco era
mais em baixo” como se diz no Brasil, nunca conseguia convence-la de nada.
Ela era amiga de todas as senhoras da alta
sociedade, sabia que seu marido tinha amantes por fora, mas fazia de conta que
não via.
Quando ele estava para ir à universidade,
resolveu sentar-se, conversou comigo, aqui dão sempre valor ao que vem de fora,
se eu fosse você, posso manter isso.
Com uma desculpa de acompanhar uma amiga,
fomos para Paris.
Para ela foi como voltar para casa, vendeu
dois diamantes que trazia, comprou um apartamento pequeno, perto do Jardim de Luxemburgo,
me instalou, ainda tive que fazer um pequeno curso antes de entrar na
Universidade.
Ela foi ficando, até que o marido reclamou,
que viagem mais longa era essa.
Agora teria desculpas de aparecer todos os
anos, me dizia, não vá para lá, assim tenho a desculpa de vir.
Vinha para a Saison francesa, íamos os dois
ao Teatro, Opera, dança, sem querer ela foi me colocando dentro do mundo
cultural.
Eu fiz vários cursos de línguas,
aprimorando o que já sabia, ao mesmo tempo comecei a escrever, conheci um
editor de um jornal, uma das minha primeiras aventuras no mundo gay, era um
homem mais velho, mas gostava de conversar com ele. Ao contrário dos meus colegas de
universidade, sempre tinha vivido no meio de gente maior, não tinha tempo para
conversar besteira.
Ela quando o conheceu, entendeu o que se
passava, não fez nenhum comentário.
O senhor que escrevia sobre a temporada,
tinha tido um ataque ao coração, me pediu para escrever artigos do que ia
vendo, comentários, sobre os cantores, atores.
A principio foi divertido, mas ele me
ensinou como fazer, nada de ficar falando superficialmente do assunto, que eu
lesse os textos, os enredos da Óperas, de tudo que via, que entrevistasse em
nome do jornal os coreógrafos que tinham feito o trabalho.
Com o tempo, entrevistava também o resto do
pessoal, se gostava de um cenário, falava com o cenógrafo, enfim tudo que
entrasse na formação do espetáculo.
Alguns diretores não gostavam, achavam que só tinha que falar com eles.
Comecei a conhecer gente de cinema,
escrevia quando via algum filme interessante, entrevistava os atores, que já
conhecia, esses me facilitavam o acesso aos outros.
Foi quando conheci o grande amor de minha
vida. Um dos atores mais famosos de sua
época, tinha um ego de um elefante, parecia um macho alfa, mas na cama, adorava
ser penetrado.
Nunca vivemos juntos.
Nessa época minha mãe ficou viúva, mas
tampouco já estava bem de saúde, fui ao Rio, para passar um tempo com ela, acabei
ficando muito tempo. Pois morreu, me
deixando o apartamento, algumas coisas que tinha herdado dele, na verdade pelo
tipo de vida que levava, ele já estava quase na ruina. O palacete já tinha sido vendido, só não pode
vender o apartamento que estava em nome dela.
Foi interessante, pois ele dava a ela uma
mesada, ela nem gastava um terço desse dinheiro, ao invés de comprar roupas ou
mandar fazer num lugar caro, fazia com senhoras que costuravam para fora,
mudava o modelo de alguma revista francesa, estava sempre na moda.
Esse dinheiro ia para o fundo que tinha no
banco.
Antes de morrer, transferiu tudo para mim.
Voltei a França, meu grande amor já estava
em outra, já tinha alcançado o zênite como se dizia, achava que todos tinham
que lhe render pleisia.
Se transferisse o dinheiro do Brasil para
lá, não valia a pena.
O que fiz, foi retornar, arrumar um emprego
no Jornal, para escrever sobre cultura, o apartamento dela era imenso, viver
ali sozinho, precisava de pelo menos três empregados.
Não valia a pena, soube nessa época, por um
companheiro de um apartamento, que ficava no Jardim botânico, que estava virado
para a Floresta.
Fui dar uma olhada, foi amor à primeira
vista. Trouxe alguns moveis dela, o
justo para ficar com uma decoração agradável.
O apartamento do Flamengo, se vendeu em dois dias, todos queriam viver
nesse edifício.
Como assinava com meu nome real, as pessoas
pensavam que era francês, Karl Saint-Malo, eu acabava rindo, pois me convidavam
para todos os eventos.
O bom que teatro, cinema, Opera, Dança, eu
nunca pagava nada, o jornal recebia os convites, me mandavam.
Quando se tratava de uma peça de teatro, eu
lia antes o texto, coisa as vezes impossível se o autor fosse brasileiro.
Ficavam furiosos, quando os chamava de
imitadores, a maioria as vezes tinham uma miscelânea na cabeça. Quando chegou a ditatura militar, os textos
ficaram interessantes, era uma meta linguagem, tinha que descobrir como falar
de um assunto, sem falar diretamente do mesmo.
Eu considero essa época a mais rica na
dramaturgia brasileira, escrevia sobre os textos, a maneira de serem montados,
os autores vinham falar comigo, como se eu fosse o único que os entendessem,
mas quando analisava a fundo o texto, ficavam furiosos.
Como sempre vi muita coisa boa, mas muita
merda também.
Uma coisa seja verdade, quando chegava a
época da Saison Francesa, eu não perdia, mantinha meu pequeno apartamento em
Paris por isso.
As pessoas consideravam que era um snob por
isso, nada mais longe da verdade, era uma pessoa sozinha, tinha dinheiro
guardado, podia me dar esse luxo, mas chegava lá, nunca ia de rico.
Foi nessa, época que conheci meu parceiro,
podia dizer companheiro, mas era como um colega de equipe, de voo pela vida.
Muita gente se admirava, primeiro da nossa
amizade, ele era professor na universidade, tinham me chamado para dar aulas
sobre critica, na escola de teatro, era um curso voltado a direção teatral.
O conheci lá, também dava aulas por lá,
estava recém divorciado, sua mulher tinha se ligado a alguém da embaixada
americana em Brasília. O deixou com
seu filho.
Saiamos para tomar um café, não uma
cerveja, os dois não bebíamos, quando muito um whisky, mas isso em casa
conversando.
Em pouco tempo estávamos vivendo juntos,
por sorte meu apartamento, tinha um quarto que serviu para seu filho, ele dizia
que adorava, que da sua cama podia ver a floresta.
Agora tinha um companheiro para me
acompanhar para todos os eventos, riamos muito, eu escutava sua versão do
espetáculo que tínhamos assistido. Nem
sempre as opiniões coincidiam, ele optava pela maneira mais fácil de ver as
coisas, não analisava como eu o texto, o que queria realmente dizer, as
entrelinhas, ele assistia como um espetáculo e pronto.
Com o tempo, passou a prestar atenção como
eu fazia. As vezes no meio do
espetáculo me dizia, que perda de tempo e dinheiro.
Em casa o que nunca faltava era livros, o
mais interessante é que seu filho, não gostava de nada disso, adorava a
matemática, coisas diferentes.
Quando foi para a universidade, muitos anos
depois, resolveu estudar matemática pura, física.
Os dois sentimos quando ele foi para os
Estados Unidos, para fazer uma pós-graduação, eu disse ao Frederico, sinto que
ele nunca mais vai voltar.
Foi verdade, eu argumentava, o que ele vai
fazer aqui no Brasil?
Dar aulas, aguentar gente medíocre, fingir
que não vê essas coisas, estar frustrado, só porque vivemos aqui.
Nosso relacionamento, sem querer ficou mais
completo, pois erámos só os dois, nossas conversas poderiam durar horas, cada
um defendendo um ponto de vista diferente.
Passei a fazer uma coisa sem que ele
soubesse, levei um tempo para contar, gravava as conversas, depois passava para
o papel.
Depois que ele morreu, montei um livro,
chamado “Ponto de vista”, fez um relativo sucesso.
Morreu da maneira mais idiota possível,
coisas do Brasil, seu carro estava no mecânico, para não gastar dinheiro ia de
ônibus a Universidade no Fundão. Um
belo dia voltando, passaram aonde havia um tiroteio, entre a policia e
bandidos, nunca saberemos qual o lado certo.
Uma bala o atingiu na cabeça, com morte
instantânea.
Seu filho veio como um louco para assistir
o enterro. Queria que eu voltasse com ele para lá.
Foi a primeira vez que argumentei que seria
um peso na vida dele.
Eu estava bem como estava, seguia dando
aulas, escrevia basicamente todos os dias para o jornal. Voltava a me sentir sozinho, na plateia, as
vezes me pegava virando para o lado, para fazer um comentário baixinho.
Uma vez aconteceu algo hilário, estava
assistindo um espetáculo, não conhecia o autor, nem ele a mim. Lá pelas tantas, de escutar muito palavreado,
sem consistência nenhuma, disse que merda de texto, nem o autor deve saber o
que quer dizer.
O rapaz ficou me olhando, não disse nada,
assisti até o final, o pessoal aplaudia em pé.
Voltei a comentar, pais de idiotas, estão
aplaudindo o que, um homem que não sabe usar as palavras.
O rapaz se virou estendeu a mão, disse, eu
sou o autor da peça. Me pediram para
usar o texto, mas eu mesmo estou perdido.
Ele quando soube quem eu era, me convidou
para tomar uma cerveja ali perto.
Agradeci, mas não bebia, acabei tomando um guaraná com ele.
Ele pensava que criticava, como muitos que
eu era estrangeiro. Por um acaso ele
também tinha nascido no Paraná.
Ficamos conversando, ele era diferente do
que eu imaginava do escritor da peça.
Disse que a tinha escrito como um desafio,
mas veja, eu estudei filosofia, sem querer me enredei nisso.
Lhe dei meu endereço, disse que viesse com
o texto, que podia ter salvação.
Não escrevi nada sobre o espetáculo.
Ele apareceu, fomos destrinchando cada
frase do texto, encontrado outra maneira de falar do assunto, sem ofender, aos
políticos, esquerda ou direita, religião.
Quando acabamos, tinha um amigo, o texto
ficou diferente.
Remontaram o espetáculo, dois atores se
sobressaiam no texto novo, aí finalmente poderia escrever, mas como tinha meu
dedo, convidei um colega para fazer o comentário no jornal.
O diretor do espetáculo, imaginava que por
ter ajudado o mesmo, que escreveria bem do espetáculo.
O forte do comentário do meu colega foi, o
texto esta bem montado, mas o idiota do diretor, não sabe usar nem os dois
atores que se destacam.
Ele pensava que tinha escrito o comentário,
perguntei se tinha visto quem tinha escrito, estava na minha coluna, mas com a
explicação, que tinha trabalhado o texto junto com o autor, não faria
comentários.
Esse rapaz, logo se perderia como eu dizia
na cara dele, pois fez um curso de escrita, para escrever telenovelas,
precisava de dinheiro. Com os anos se
tornou repetitivo.
Um dia veio até a minha casa, para se
despedir, iria voltar para o Paraná, dar aulas numa universidade.
Me olhou na cara, devia ter seguido teus
conselhos, seguir escrevendo como me ensinaste, mas precisava de dinheiro. Me segurou deu um beijo na boca, esperei que
avançasse o sinal, mas nunca moveste nem um dedo nessa direção.
Como dizer que seguia apaixonado pelo homem
com que tinha vivido tanto tempo.
Anos depois, estava me recuperando de um
pequeno enfarte, recebi um livro que tinha escrito, falava de mim.
Lhe respondi, que estava desmontando minha
casa, que me retirava, afinal, iria fazer 80 anos no ano seguinte.
A vida na residência era ridícula, mas eu
tinha meus meios, subornava um dos homens de lá, que me levava até a livraria
que tinha sido cliente todos esses anos, eles me telefonavam quando tinham
livros que sabiam que eu gostava.
Tinha vendido o apartamento de Paris, já
não havia condições de ir a Saison, a minha grande lastima, era não poder ver
mais trabalhos excelentes.
Me mantinha em contato com o que
considerava meu filho. Mas ele como eu
tinha dito nunca mais voltou, eu nunca o critiquei, pois sabia eu sua vida era
lá.
Eu podia considerar que tinha vivido várias
vidas, poderia ter feito merdas, mas o dinheiro que me sobrou, o doei a
orfanatos, até mesmo a residência que vivia.
Mesmo assim ainda estou de pé, escrevo
todos os dias, sem saber por que, talvez por um exercício de memória, talvez
por orgulho de ser quem sou.
Mas claro hoje escrevo mais sobre o
passado, prefiro isso, a ficar como os outros velhos, assistindo telenovelas,
idiotas.
Um dos meus últimos artigos, para o jornal,
foi sobre isso, prevendo o que iria acontecer com os futuros dramaturgos desta
terra, que nunca recebiam ajudas nenhuma para trabalharem, que se faziam
sucesso com alguma obra, a televisão os engolia, mastigava e depois cuspia,
pois tinham que se inovar constantemente.
Fui muito criticado por esse artigo, mas já
não importava, quando lia agora algum jornal, via que era verdade, faziam
sucesso durante algum tempo, poucos podiam subsistir a essa maquina de dar em
doidos.
Agora é contar os dias, para que uma manhã
não desperte, que eu esteja no famoso túnel, esperando a luz do outro lado.
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