ASSAÍ
Tinha um nome muito diferente, quando dizia
as pessoas o olhavam, acabavam rindo, Hans Nakamura, evitava por todos os meios
ter que explicar, pois as vezes as pessoas o olhavam diferente depois.
Na verdade era uma coisa simples, embora
houvesse toda uma história por detrás, esse ele nunca contava a ninguém.
Sua mãe era secretária na embaixada
Japonesa em Berlin, durante a segunda guerra, tinha sido recrutada na
universidade, aonde estudava línguas orientais, tinha imensa facilidade em
aprender línguas.
O serviço de espionagem precisava de uma
pessoa na embaixada do Japão, que apesar de serem aliados, eles sempre
desconfiavam.
Ela começou a trabalhar lá, tinha uma forte
curiosidade pelo comportamento japonês, bem como pela cultura. Na verdade basicamente não tinha nada a
relatar, pois as convicções dos mesmos eram parecidas.
O Embaixador, logo se interessou por aquela
jovem, de cabelos loiros, olhos azuis, que se comportava como mais um deles,
seus gestos, sua maneira de vestir simples, seu comportamento, um dia a viu com
um livro em japonês, sobre o Bushido.
Lhe perguntou se entendia tudo que estava ali.
A resposta o deixou contente, o que não
entendo, peço que me expliquem, pois é uma coisa tão rica em detalhes, que procuro
me comportar dentro de tudo que é novo para mim.
Mas o que mais respeito é a tradição.
Ele curioso lhe perguntou de aonde vinha
ela, se era de Berlin?
Não, foi a resposta, sou de uma família que
depois da derrocada da monarquia, perdeu basicamente tudo, principalmente por
não respeitar justamente a tradição.
Contou sua história para ele, atualmente
não tinha ninguém da família, seu irmão mais velho tinha perdido a vida na
Africa, com a companhia de Rommel, seu irmão pequeno tinha morrido numa
operação sobre a França.
Começou a convida-la para sair, ela foi
clara, não estou atrás de aventuras, sabia que o embaixador era de uma família
samurai, os Nakamura, ligados basicamente ao Imperador do Japão por laços
ancestrais.
Yomi Nakamura, era um pouco diferente dos
outros da embaixada, pois era mais alto que a maioria, um corpo trabalhado,
pois começava o dia, fazendo exercícios, das artes marciais japonesas. Se dizia que sua família era ligada a um
tipo de monges, conhecidos como negros, pois eram capazes de entrar em qualquer
lugar, sem que ninguém os visse.
Entre os dois havia um entrosamento, que a
maioria do pessoal da embaixada respeitava.
Acabaram se casando, logo nasci eu, muito
branco, olhos azuis, mas os cabelos negros lisos como os dele, além dos olhos
serem ligeiramente puxados como dos japoneses.
A guerra se desenvolvia lentamente, o
embaixador era convidado pelos altos dignatários nazistas, a festas, operas, em
que ele comparecia com sua mulher.
Se dizia que esse casamento nunca seria
aceito no Japão, mas na verdade ele jamais tinha pensado em voltar, em sua
cabeça pensava que quando tudo isso acabasse, ficaria vivendo com sua pequena
família na Alemanha.
Quando os aliados entraram na Europa, ele
entendeu que não teria escapatória, tampouco poderia fazer nenhum movimento em
direção aos Ingleses, ou americanos, pois seria sua morte.
Era apaixonado por seu filho. Se preparou a consciência, por debaixo do
palácio aonde estava a embaixada, ele tinha descoberto um túnel, que saia muito
mais adiante, quase as margens do Rio Spree.
Essa saída era muito bem disfarçada.
Preparou sua mulher Elizabeth, para o pior,
foi conseguindo através de suas amizades, passaportes de vários países, Suiça,
Espanha, Portugal, para ela, bem como para o filho.
Quando começaram a bombardear Berlin, viu
que ele mesmo nunca teria nenhuma escapatória, pois claro, Estados Unidos no
momento estava em guerra com o Japão.
Mas preparou tudo, ensinou sua mulher como
fazer, estudaram os roteiros que ela poderia seguir, aonde deveria ir. Sabia por que tinha parentes que tinham
emigrado para o Brasil, que era a melhor solução. Primeiro a muitos anos tinha uma conta num
banco na Suiça, seria aonde ela devia ir em primeiro lugar. Depois deveria ir para Lisboa, de lá embarcar
em um navio para o Brasil.
Não sabia claro, quanto tempo levaria
nisso, sentia sim lastima de não poder ver o filho crescer, só lhe pediu que
incutisse o Bushido, bem como a tradição samurai. Que honrasse seu nome.
Ela entendia, embora tivesse medo de não
sobreviver.
Nesse túnel, estava a bagagem que poderia
ter, além de dinheiro, documentos, para chegar a Suiça, de lá depois seria
fácil.
Nos últimos anos, treinava com o marido
todos os dias, para saber se defender de qualquer agressão. Segundo ele, ela era muito boa nisso. O pequeno Hans, acompanhava, conseguia fazer
os movimentos básicos.
Quando os bombardeios se intensificaram,
ela desceu para o túnel, se despedindo dele, pois sabia que ele iria cumprir o
ritual samurai, Harakiri, ou Seppuku, não disse nada a ela.
Na verdade se vestiu como era habitual, com
um Kimono, tradicional, mas não chegou a fazer nada, pois no momento que se
preparava, um grande bombardeio sobre a cidade, atingiu o que restava da
embaixada, ele morreu sepultado pelos escombros.
Ela, bem como o filho sobreviveram, seu
único medo, era dos soviéticos, mas por sorte ficaram do lado americano, ela
escapou, com sua pouca bagagem, foi ficar no que restava da casa familiar, foi
abrigada pelo que restava dos empregados que tinham ficado até o final com seus
pais, que tinham morrido num bombardeio.
Quando as coisas se acalmaram, um deles, a
levou até a fronteira, os dois conseguiram passar para a Suiça.
De lá foi para Berna, aonde estava o
banco. Com seus documentos,
acreditados, conseguiu aceder ao dinheiro que ele tinha lhe deixado.
Sabia que não podia ficar muito tempo lá,
pois os americanos, com seu serviço secreto, iriam por ela, ainda estavam de
guerra com o Japão.
Conseguiu transferir o dinheiro para um
banco português, se aventurou, a França no momento ainda era uma bela confusão,
ela falava um francês sem sotaque nenhum, passou pela Espanha, de lá para
Portugal, foram meses de penúria, mas conseguiu chegar a Lisboa.
De lá com sua documentação portuguesa,
recuperou o dinheiro, conseguiu bilhetes num navio que partia para Santos, foi
treinando a bordo aprender o português, para ela nada era difícil, tinha sim
que limar o sotaque alemão, para falar um português correto.
Fez amizades com uma paulista, que voltava
para casa, essa tinha uma maneira carregada de pronunciar as palavras, logo
falava igual a esta, bem como seu filho Hans.
Para ele o barco, era um imenso brinquedo,
em que ele estava dentro.
Desembarcaram em Santos, em seguida subiram
para São Paulo, sua mãe tinha contatos que tinha sinalizado seu pai. Logo conseguiu emprego numa empresa de
importação, a guerra seguia na parte asiática, mas estava no seu final, as notícias
do Japão, não eram as melhores.
Quando tudo terminou, ela já trabalhava no
bairro da liberdade, era interessante, pois ela conseguia se relacionar tanto
com os Japoneses, bem como emigrantes chineses.
Isso para sua empresa era importante. Hans
era igual, estudava numa escola normal brasileira, mas depois tinha aulas de
japonês, bem como Mandarim.
Ele sempre chamaria atenção pelo seu
aspecto.
Entre essa nova leva de emigrantes, vindos
depois da guerra, todos procuravam na verdade um lugar para ficar. Sua mãe tinha contatos, não só pelo
interior do Estado de São Paulo, bem como as cidades que começavam a surgir no
norte do Paraná.
Sua empresa representava uma companhia, que
desenvolvia glebas, vendas de terras nessa região, ela era sempre a escolhida
para atender essas pessoas, pois as entendia, eram emigrantes como ela. Quando algum a confundia com uma brasileira,
ela mostrava sua identidade. Foi assim
que conheceu seu futuro marido.
Ele foi esperando falar com uma japonesa,
quando viu estava falando com uma loira, elegante, uma pessoa que sabia se
colocar, atendeu a ele, bem como seu pai.
O velho ficou impressionado com ela, pois se
comportava como uma mulher de cultura quando explicou que tinha sido esposa do
embaixador Nakamura em Berlin, ele entendeu, ela disse que ensinava ao filho o
que tinha aprendido do Bushido, da cultura japonesa.
O velho que posteriormente seria como seu
avô, ficou encantado, quando me conheceu, viu meu comportamento, um garoto, com
os cabelos cinzas, espetados, com os olhos puxados, mas azuis, se encantou,
além de toda a educação.
Meu padrasto era viúvo, a mulher tinha
morrido num dos muitos bombardeios sobre Tóquio, a convidou para almoçar,
explicou qual o problema deles, seu irmão, tinha sido treinado como piloto
Kamikaze, aos que ensinava a fazer o avião a subir, mas normalmente nunca
ensinavam a aterrissar.
O mesmo tinha sido bombardeado, mas tinha
sido salvo por marinheiros americanos, feito prisioneiro, torturado. Era fechado como uma concha, o grande
problema, era o mesmo, tinha sido muito difícil traze-lo, pois se negava a
conviver com as pessoas.
Quando os convidaram para o conhecer, ele
quando me viu, ficou encantado com meus olhos, fez um gesto instintivo, para se
aproximar, como era um garoto, o tratei normalmente, como se fosse mais um
igual a mim.
Isso o encantou, ele sem querer mais tarde
foi o primeiro homem que amei.
Toshiro, agora ia todos os dias buscar
minha mãe no escritório, para saber se ela tinha encontrado algum lugar para
eles, bem como para corteja-la.
Quando finalmente encontrou um lugar, aonde
começava a se desenvolver uma nova gleba, perto do Rio Tibagi, a poucos
quilometros de Londrina, o que mais tarde seria a cidade de Assaí, no momento a
colônia japonesa começava a aumentar, meu avô conseguiu comprar terras por lá,
a usando como intermediária. Antes de
embarcarem para lá, meu padrasto a pediu em casamento, assim deixei de usar o
nome de Nakamura, pois ele me adotou em seguida, passei a me chamar Hans
Nakamura Kamatsu, eles foram na frente, para ver as terras que tinham
comprado. Construíram uma imensa cabana,
em seguida voltou a São Paulo para nos buscar, comprou moveis, para levar,
levamos dias para chegar, as estradas eram infernais, terra batida.
Quando choviam muito barro, quando secavam
poeira.
Minha mãe nunca soube dizer, mas mal viu o
lugar se apaixonou, o velho tinha deixado uma parte ainda em floresta, porque
justamente seu filho tinha ficado encantado com as orquídeas que encontrou por
ali.
Mais tarde ele seria o rei dessa espécie,
pois passou a cultiva-las, bem como experimentava uma nova maneira de plantar o
algodão, a um ponto que eram disputados pelos compradores, então uma parte, das
terras, se plantava algodão, uma pequena parte café, e a mais próxima da parte
que tinha ficado de floresta, era a plantação de plantas de meu tio Yoshiro, uma
das poucas pessoas que ele deixava chegar perto dele, para o ajudar, ou mesmo
ter contato, era eu.
Minha mãe foi me ensinando, já que ali não
existiam escolas, a falar, escrever tanto em português, como em japonês. Só não se esforçou muito, para que eu
guardasse o alemão, embora por perto existisse colônias de alemães.
Mais tarde me fez ir estudar interno num
colégio, perto de Cambará, já na fronteira com São Paulo, posteriormente em
Ourinhos, chegava para as férias como um louco, corria para abraçar meu tio
Yoshiro, este ficava como um louco quando me via.
Segundo meu avô, o que ele não falava a
meses, parecia que lhe abriam as comportas, começava a me contar tudo que tinha
acontecido nesse tempo.
Minha mãe nunca tinha perdido o contato com
o dono da empresa que tinha trabalhado, era muito amiga de sua esposa. Quando chegou o momento que eu teria que
estudar mais a sério me preparar para ir a Universidade, me mandaram para São
Paulo, fui contra a vontade, pois adorava estar com meu tio.
Com ele podia falar de tudo, antes de ir,
agora só poderia vir durante as férias, ele me contou tudo que tinha acontecido
com ele, um dia entramos na floresta, para buscar novas espécies de orquídeas,
plantas raras, acampamos, de noite sentados em volta de uma fogueira, me contou
tudo que tinha acontecido com ele, inclusive a paixão que tinha por um
companheiro, que morreu jogando seu avião em cima de um barco da marinha
americana.
Ele se sentia um covarde, pois o abateram
antes de conseguir chegar a algum navio, pior foi ter sido salvo pelos
marinheiros, que não entendiam a desonra que era sobreviver, ainda mais ser
feito prisioneiro.
Me falou dos interrogatórios, até o momento
que chegou a ser resgatado pela família.
Nessa noite dormi abraçado com ele, pela
primeira vez, tinha uma aventura sexual com alguém.
A partir desse dia, ele ficava me
esperando, para um beijo furtivo, um abraço, ou mesmo uma escapada sexual.
Ficava esperando minhas férias, para poder
estarmos juntos, nos dois últimos anos de universidade, comecei a trabalhar na
empresa que minha mãe tinha trabalhado, eles basicamente compravam todo o
algodão que se produzia em Assaí, para exportarem para o Japão. Eu era o elo de ligação, com isso conseguia ir
a fazenda, visitar minha família, na época da colheita, bem como ver meu amado
Yoshiro.
Mas cada vez tinha menos tempo.
Chegou um momento, já tinha me formado, um
grande empresário japonês veio a São Paulo, me viu trabalhando, quando soube
que eu falava várias línguas, incluída o Mandarim, o Inglês, bem como o
Português, se interessou.
Foi comigo visitar a fazenda, dizia que era
o melhor algodão, ficou encantado com a maneira como viviam, se deslumbrou com
minha mãe, que levava toda a parte administrativa de tudo, num controle férreo.
Quando falou com ela, que gostaria que eu
fosse com ele para o Japão, ela ficou em dúvida, disse que ia conversar comigo,
através dele, procurou algum familiar de meu pai, em Tokio, tudo que sabia que os
que restavam, tinham morrido a muito tempo.
Conversamos, o duro era imaginar, que eu
estaria cada vez mais afastado do homem que amava. Adorava estar lá, para podermos conversar,
meu avô dizia que quando eu não estava, era difícil arrancar alguma palavra de
seu filho.
Ele fazia experimento, cruzamento como ele
chamava, melhorando a qualidade do algodão, bem como de suas orquídeas, fazia
experiencias genéticas, com todas as plantas que lhe caiam na mão. Melhorava a qualidade das frutas, passava o
dia fechado em seu laboratório.
Produziam agora num horto que tinha
plantado, uma mexerica que era grande, com um sabor fantástico.
O homem estava deslumbrado com seu
trabalho. Principalmente do algodão.
Dizia para minha mãe, que isso era para se
aprender, que os japoneses eram assim, visto o que tinham feito com a seda, que
tinha sido um dos grandes descobrimentos japoneses, pois a chegaram aprimorar.
Minha mãe, tomou
coragem, falou da proposta do homem ao meu respeito.
Fui conversar
com Yoshiro, sabia que ele tinha agora um romance com um rapaz nortista que
tinha aparecido por lá, para o ajudar, foi um dos únicos que tinha um elo com
ele.
Mas sempre nos
escrevíamos, ele me mandava verdadeiros relatórios sobre tudo que acontecia.
Foi uma viagem
longa de navio até o porto de Yokohama, mas fui aprendendo a entender o homem
com quem trabalharia uma grande parte da minha vida.
Só voltei cinco
anos depois, pela primeira vez, desta vez de avião, um trajeto largo, primeiro
Los Angeles, de lá Miami, afinal São Paulo, depois num voo da Panair, até
Londrina.
Minha mãe foi me
buscar, era uma das primeiras mulheres da região a dirigir um carro.
Foi falando sem
parar até Assaí. Eu estava louco para
ver Yoshiro, ele seguia sem sair nunca da fazenda. O mesmo homem o seguia acompanhando em seu
trabalho, em sua vida.
Minha mãe
comentava que o velho via tudo isso, mas nunca verbalizava nada.
Tinham deixado
de plantar café, por causa da concorrência, tinham si aumentado a plantação de algodão,
bem como o grande horto de árvores frutíferas do Yoshiro. Sua plantação de flores era super famosa, tinha
feito uma mutação em rosas, que eram imensas, a mais famosa era uma rosa negra.
Minha mãe a
tinha levado para vários concursos em São Paulo. Eram vendidas em Londrina a peso de ouro,
bem como suas orquídeas.
Ele me mandava
todas as semanas uma carta, eu fazia tudo para corresponder, lhe contava tudo
que tinha aprendido ao longo desses anos.
Ele depois passava a mesma para minha mãe, tinha procurado parentes do
meu pai, acabei achando num mosteiro perdido, perto do monte Fuji, um deles, o
homem tinha a cara totalmente queimada, de um bombardeio. Por isso se mantinha afastado.
Sempre que podia
ia visita-lo, ele me ensinava a técnica de concentração, com os anos me ensinou
a passar desapercebido quando me interessava.
Isso era difícil, pois eu continuava sendo muito branco, além dos meus
olhos azuis, tinha o problema da minha altura, pois era mais alto que a maioria
dos japoneses.
Mas suas
técnicas me ajudaram muito, em observar as pessoas com quem trabalhava.
Quando voltei,
tinham me ascendido dentro da empresa, era agora o braço direito do
proprietário. Quando a Yakuza quis
entrar no negócio, para lavar dinheiro, eu não concordava.
Na verdade não
necessitávamos de dinheiro.
Foi meu tio
monge quem nos ajudou. Um exercito de
monges negros, invadiram o quartel general da Yakuza, não sobraram muitos,
evidentemente que isso nos criou uma certa fama de empresa intocável.
Eu mesmo agora,
tirava temporadas, para estar lá, em treinamento constante, aprendi a me
defender, de qualquer maneira, bem como passar totalmente invisível aos olhos
alheios.
Vivia num velho
edifício em Ginza, era meu esconderijo perfeito. Saia do trabalho, vinha pelas avenidas
principais, aproveitava para caminhar, depois de horas analisando papeis,
atendendo contatos do mundo inteiro, finalmente o sistema telefônico tinha se
modernizado, se podia falar com basicamente qualquer parte do mundo.
Minha mãe quando
queria falar comigo, tínhamos desenvolvido um sistema muito próprio dos dois,
misturando o japonês, com o alemão.
Me avisou quando
seu marido morreu, que ela assumia todo os negócios da família.
Depois me
escreveu uma carta larguíssima a respeito, uma das raras cartas escritas por
ela.
Meu avô postiço
ainda era vivo, com mais de 95 anos.
Mas voltando a
história saia, esticando as pernas, fazia um percurso, cada dia diferente,
aproveitava para comprar comida, me desviava de proposito por becos, aonde era
fácil se atacado, mais ao mesmo tempo me defender.
O homem para
quem eu trabalhava, se matava de rir disso, mas sabia que não se podia bobear,
ele mesmo vivia cercado de homens que o cuidavam.
Na última vez
que tinha ido ao Brasil, notei o Yoshiro cansado, o seu homem preferido tinha
morrido de maneira estranha, como ele se negava a explicar como desenvolvia
seus processos de trabalho seja com o algodão, agora era o mais caro da região,
ajudava os outros a melhorarem os seus, mas o da família era o melhor, tudo ia
para exportação.
No ano anterior
a minha ida, ele idealizou junto com minha mãe, um trágico acidente, queimou
toda a plantação de algodão, replantou uma nova mutação, em que o famoso botão
com o algodão dentro era maior, bem como mais fibroso e brilhante.
Todos ficaram
loucos, quando dois anos depois começaram a produzir. As manufaturas, ficaram loucas quando viram o
material. Alguns comparavam esse
algodão, com a seda, mas ele nunca explicava como tinha feito.
Minha mãe
aproveitava sua maneira de ser fechada, para dizer, que ele sofria de problemas
traumáticos da guerra, para não ter que explicar, dizia que ela mesma não sabia
como ele poderia ter feito.
Quando vi o
material, despachei em São Paulo toda a colheita, quando chegou em Yokohama,
levamos a melhor manufatura do País, ficaram como loucos, isso caiu nas mãos de
desenhadores de moda, que começavam a despontar no mundo. Kenzo foi um dos primeiros a usar esse
material.
No momento que
estive a sos com minha mãe, ele falou muito sobre o Yoshiro, que agora se abria
na minha falta com ela. Vivia fechado
num casulo. Olha a festa que ele fez
para ti, era uma verdade, desde o momento que tinha chegado, ele apenas se
afastava de mim, a maior parte do tempo estava de mãos dadas comigo.
Tinha
desenvolvido um sistema de como administrar nosso dinheiro. Uma grande parte ia para a Suiça, como meu
pai tinha feito. Esse era nossa garantia
de sobrevivência.
Ela me avisaria
quando surgisse algum problema, a palavra clave era justamente Yoshiro.
Estava numa
reunião, previa com meu chefe, apresentando uma nova leva de materiais vindos
de vários lugares do mundo, quando minha secretária, me falou ao ouvido, uma
chamada de emergência, disse ao homem que era meu braço direito, que fosse em
frente com a apresentação.
Falei ao ouvido
dele sobre uma emergência.
Quando escutei a
palavra clave Yoshiro, nem voltei a sala, desci dois andares pelas escadas
internas, entrei numa pequena sala, alugada em meu nome, troquei de roupas, sai
completamente diferente. Segui descendo
pela escada de serviço, até chegar à garagem, ali bem camuflada, tinha um moto.
Com uma pequena
bagagem, me dirigi ao aeroporto, escondi muito bem a mesma no parking.
Fui ao banheiro
do aeroporto, mudei completamente minha maneira, para ficar igual a um dos
muitos passaportes que tinha, um hábito adquirido com ela, que tinha aprendido
o mesmo de meu pai.
Comprei um
bilhete de primeira classe para o próximo voo, alegando um problema de morte na
família. Los Angeles.
Embarquei em
seguida, mas claro sempre observando qualquer coisa diferente.
Estive atento o
voo inteiro, claro, como se dizia no mosteiro, dormindo com um olho aberto, ou
seja sentindo qualquer movimento estranho perto de mim.
Em Los Angeles,
passei pelo controle, fui a um banheiro, troquei novamente de roupagem, comprei
um bilhete rumo a São Paulo, agora já existiam voos desde lá, não era
necessário ir até Miami.
Dentro no Free
Shop, comprei roupas modernas, estilo de praia, estampadas, muito chamativas,
óculos escuros modernos Ray Ban, era impossível não me ver, tinha que destacar,
esse era o disfarce, chamar a atenção, de uma maneira que ninguém me
esqueceria.
O embarque foi
tranquilo, em São Paulo, um voo direto para Londrina.
A tinha chamado
por telefone no que esperava o voo, me disse que não podia sair da fazenda,
pois Yoshiro não estava bem.
Não tive
problemas, cheguei no aeroporto, fui para a área de estacionamento, roubei um
jeep, que estava cheio de barro, alguém que tinha vindo de alguma fazenda, fui
embora.
Yoshiro pareceu
reviver quando me viu, ficamos os três num abraço apertado.
O deixamos
descansando, alegando que eu estava morto de cansado, ela me acompanhou ao meu
quarto, falou que ele tinha sofrido um atendado, por negar-se a dizer como
fazia com o novo algodão. Eu tinha
notado que estava tudo queimado, vi dois homens passando um trator, arrancando
tudo, juntando em montanhas de ramas.
Uma parte já
queimamos, ele não quer que se siga plantando o mesmo depois da ameaças.
Nessa noite,
despertei, depois de descansar, com minha mãe comandando os homens, estavam
queimando tudo.
Dois dias depois
Yoshiro morreu com seus segredos, nunca tinha nada anotado, tudo estava dentro
de sua cabeça, choveram ofertas pelas terras.
Vendemos ao
melhor postor, menos a parte que era floresta, essa não fazia parte, ali foi
enterrado meu avô, meu padrasto, agora por último Yoshiro.
Eu tinha
aprendido a administrar com minha mãe, mas ela foi muito esperta, uma parte do
pagamento era em dinheiro vivo, a outra numa conta da família no Banco do
Brasil.
Com o jeep
roubado, fomos até Ourinhos, lá abrimos uma conta em meu nome, no mesmo banco, para
depois transferir para São Paulo.
Aproveitei, para roubar as placas de um outro jeep, mudar para o que
estávamos, mandar lavar o mesmo.
Fomos para São
Paulo, ao longo desses anos, quem fosse em casa se surpreenderia, não era uma
casa normal, nada de muitos moveis, objetos de novos ricos, ou de pessoas com
poder aquisitivo.
Tudo que existia
ali, era uma casa tipicamente japonesa, com muitos livros sim, todos tinham
esse hábito, ela depois que foram morrendo os outros, doou para a biblioteca da
cidade. O que existia na casa, era um nada de roupas normais, bem como tatames,
futon para dormir.
O único grande
luxo, era na sala, poltronas antigas.
Nada dali nos
faria falta.
Tudo que fizemos
foi tentar passar o mais desapercebido possível, usando meus meios, consegui
remeter todo o dinheiro existente em sua conta, bem como na minha para Berna,
na conta que sempre tínhamos tido lá.
Em seguida
embarcamos num voo para Paris, tínhamos feito uma coisa, que nos visse, dávamos
a sensação que íamos embarcar num voo para Lisboa, mas na hora fomos para outro
terminal.
Em Paris, de
trem fomos para Berna. Quando chegamos
estávamos exaustos.
Conversamos
muito a respeito do que deveríamos fazer.
Falei por
telefone com meu chefe, ele queria que eu voltasse, queria me deixar no seu
lugar como herdeiro, mas tinha seus filhos, isso seria sempre um problema,
ocupavam cargos menores na empresa, mas sempre me tinha causado problemas.
Um dos meus
sonhos era me retirar no monastério que vivia meu tio, mas para fazer isso
tinha que ser muito cauto, senão causaria problemas para eles.
Tinha feito uma
coisa, para conversar com ele, tinha ido até Paris, para falar por telefone.
Para todos os
efeitos estava lá. Quando soube que já
não haveria mais o famoso algodão, que nos tinha feito ficar ricos, desanimou,
pois nada do que se importava, era tão importante.
Quando soube que
Yoshiro, em seu último desejo, pediu que se arrancasse todas as plantas, que se
queimasse tudo, ficou desesperado, pois já imaginava mandando alguém lá para
negociar.
Ainda me
perguntou se eu não tinha nada guardado, de como ele tinha chegado a isso.
Na verdade,
tinha ido até seu esconderijo na floresta atrás de anotações, ou qualquer coisa
do gênero, embora soubesse que tudo estava dentro de sua cabeça.
Ele num golpe de
efeito antes de ficar doente, tinha destruído tudo. O velho barracão tinha
ardido totalmente. Não sobrava nada,
tampouco suas maravilhosas plantas premiadas, nada mais existia.
Sabia que por
mais que eu falasse, nunca iriam acreditar em mim, iriam até lá para conseguir
alguma coisa. A grande verdade, era que
uma grande parte de terras que estava do outro lado da plantação de algodão,
não tinha sido vendida, pois sempre tinha estado em meu nome.
Segurança da
minha mãe. Iriamos esperar um tempo
para retornar.
Nesse meio
tempo, fomos a Alemanha, ela reclamava dizendo que nada mais era como ela se
lembrava, sentia falta sim da vida que tinha tido no Paraná.
Um ano depois
voltamos, compramos uma casa em Londrina, num bairro bom, estilo moderno, mas
que por dentro, era totalmente japonesa, como estávamos acostumados.
Foi quando
retornei as terras que eram minhas, sabia aonde estavam escondidas as mudas que
Yoshiro tinha guardado como uma herança para mim, era de um algodão ultra
resistente, nada a ver com o que fazia antes.
Ele mesmo tinha me entregue um caderno como devia proceder, para o
plantar, estava muito bem escondido, na floresta.
Nessa parte, o
que estavam plantado, era uma imensa plantação de laranjas, retirei uma parte,
para plantar esse algodão, para experimentar.
Pela primeira
vez, fiz uma coisa, foi cardado ali mesmo, transformando em fios, fui ao sul,
comprei teares, eu mesmo, ajudado por duas mulheres, procedíamos a feitura de
tecido.
Era um tecido
cru, muito resistente, mais tarde, fui aos Estados Unidos, atrás da tinta que
usavam os americanos para proceder a tintura das fibras para fabricar Jeans.
Assim começamos
a trabalhar em pequena escala, a feitura de um jeans especial.
Mas nada demais,
pois como não tinha filhos, tampouco herdeiros, eu queria era paz, fui juntando
gente em minha volta, alguns descendentes de japoneses, que se sentiam
perdidos, com as misturas de raças, normal ali, em breve surgiu um pequeno
mosteiro, tudo girava em torno disso.
Fui o primeiro
prior, depois com a idade, fui passando aos mais fiéis. Minha mãe viveu muito tempo, até os 98 anos, adorava
essa nova forma de vida.
Tudo que se
ganhava era para o mosteiro, muita gente nos chamava de seita, nada mais longe
da verdade, mas acolhíamos todos os filhos extraviados.
Administrei o
mesmo, até quase o final da minha vida, ensinava os que me sucediam a fazer o
mesmo, as terras passaram a ser do próprio mosteiro, de ninguém mais.
Nunca poderiam
ser vendidas, a floresta seguia ali, intacta como sempre tinha sido, era aonde
o Yoshiro era feliz.
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