BARATA

 

                                           

 

Estava acostumado a que lhe chamassem de várias maneiras, José Barata, ou Zé, Zeca, Zezinho, por aí vai, ou mesmo Josef Barata Azulay, sobrenome que usava desde que tinha sido adotado por seu pai Saul Azulay.

Agora no voo para o Brasil, sem querer foi se lembrando da sua infância, era um garoto esperto, descia com sua mãe, para a feira ali na rua Ronald de Carvalho, que ia da Praça do Lido, até a Barata Ribeiro, quando aprendeu a ler, perguntou para a mãe, se o tal Barata Ribeiro era seu pai, ela lhe deu um sorriso triste, dizendo que não.

Viviam no morro, na favela Chapéu Mangueira, que ficava por detrás do Leme, ali ela tinha uma horta, aonde plantava ervas medicinais, nunca saberia como ela sabia das coisas, os clientes diziam o que tinham, ela tirava de um monte de ervas, uma dizendo que era boa para o que tinha.

A única pessoa amiga, era a vizinha, uma senhora como sua mãe branca, as duas tinham cabelos castanho claro, a outra era uma mãe de santo, que ninguém sabia como tinha ido parar ali, pois de certa maneira tinha uma certa classe.

Sua mãe nunca comentava como tinha ido parar ali.

Ele na feira se virava, para ganhar uns trocados, todos da feira o conheciam, corria de uma lado para outro, ajudando as pessoas, em troca de alguma moeda, isso depois ele dava para a mãe, sabia que na volta com o dinheiro que tinha ganho, ela passaria num supermercado para comprar comida para eles.   Quando chovia, não tinha feira, era um problema gordo, nessa dia se apanhavam com a mandioca que ela plantava no fundo do barraco, sempre tinha um pé ou dois, fazia alguma coisas com elas, se tinha leite, fazia um purê, senão cozinhava, se apanhavam.

Mas ele tinha aprendido a ler e escrever com tia Beatriz, nos dias que ele ficava ali, com ela, que sua mãe ia para alguma feira mais longe.

Nesse dia notava que ela estava nervosa, olhando muito para os lados, como se alguma coisa a preocupasse, lhe perguntou, ela disse que ele fosse ganhar uns trocados.

Se ocupou, quando começaram a desmontar a feria, ele ganhava mais, pois ajudava todo mundo a guardar coisas, principalmente se a barraca era de alguma senhora, essas sempre lhe davam alguma coisa que tinha sobrado, tomate, cebola, o que fosse, ele ia colocando num saco, depois levava para a mãe.

Quando voltou aonde ela ficava, suas coisas estava ali, mas ela não, perguntou para as senhoras que ficavam ao lado, ninguém sabia informar, até que apareceu um policial, que tomava conta da feira.  Ele se concentrou, disse que não entendia o fato de ela ir embora, sem o chamar, sabia que iria ajudar a levar os molhos de ervas que estavam por ali, por hábito foi guardando tudo, como ela fazia.   O homem lhe perguntou se ele sabia como voltar para casa, colocou as mãos na cintura, o senhor está falando com um garoto esperto, como diziam os da feira.

Claro que sei voltar para casa, vivo no morro do Chapéu Mangueira, se o senhor quiser confirmar o levo junto.

Pegou as duas bolsas com o que tinha ganhado, bem como os amarados de ervas, foi andando muito senhor de si, para a favela, o policial, chamou mais dois, foram subindo.

Quando chegaram perto, viram uma baita confusão, ele deixou as coisas no chão, viu tia Beatriz chorando muito, correu para ela, para saber o que tinha acontecido.

Ela o abraçou, sinalizou para os policiais, sua mãe estava ali estendida na porta do barraco, com um tiro no peito.

Ela explicou ao policial, o filho da puta saiu da cadeia, foi atrás dela, sabia que estava na feira, esse sem vergonha nunca trabalhou na vida, veio aqui, queria dinheiro, ela não tinha.

Ele sabia que sim, pois o que tinha vendido, o dinheiro estava embaixo de um pano, com as ervas em cima.

Não sabia a quem ela estava se referindo ao falar, filho da puta.   Mas em seguida se deu conta, falavam de seu pai, estava preso mais ou menos desde que ele tinha nascido, a dez anos.

Como tia Beatriz dizia, bem como sua mãe, era um bom filho da puta, vendia drogas, outras merdas para os turistas descuidados.

Ele tinha nascido no barraco da Tia Beatriz, aonde todas as mulheres, corriam quando tinham problemas.   Inclusive quando queriam abortar, pois já tinham filhos demais.

Ela era uma santeira de muito cuidado, quando ele nasceu disse para sua mãe, aqui vem um protegido por Exu.

Ele quando estava sem fazer nada, ia colocando água nas quartinhas dos santos dali, ou algum filho de santo lhe deixava dinheiro, para que ele durante a semana acendesse velas todos os dias para o pai de cabeça da pessoa.

Tia Beatriz, dizia que ele sabia cuidar disso, claro lhe davam algum dinheiro por fora, ele ia guardando, mas entregava para a mãe, no dia que iam ao supermercado, as vezes ela dizia, essa lata de sardinha, comprei com teu dinheiro.  Mas claro para os doces, isso nunca sobrava nada.  Quando alguma senhora da vizinhança fazia algum bolo levava para ele.

Não era como os outros garotos, que o tempo todo passavam jogando bola, sonhando um dia ser jogador de futebol.

O policial perguntou se minha mãe tinha parentes, isso eu não sabia dizer, sempre tínhamos estados os dois sozinhos.

Tia Beatriz respondeu, enquanto os homens a colocavam num saco desses de levar gente morta, disse ao policial, se o senhor espera um minuto, mudo de roupa desço com o senhor, sua roupa branca, imaculada como ela sempre dizia, de filha de santo, estava suja de sangue de sua mãe.

Ele era como se estivesse em choque, agora como ia ser, pensava, as vezes via os garotos em Copacabana, pedindo dinheiro, dormindo na praia, sua mãe sempre dizia, que sorte tinham em ter o barraco e a horta, aonde viviam.

Viu que já tinha gente de olho no barrado.  Xô dizia tia Beatriz, deixem a defunta pelo menos esfriar.  Fechou com a chave a porta do barrado, viria descobrir depois, que era dela.

Foi escutando o que ela dizia para o policial, eu encontrei essa menina na rua, com uma barriga imensa, a família vive aqui no Leme, mas a colocou para fora de casa, quando ficou gravida, a trouxe para cima, a ensinei a plantar ervas que uso para banhos, ela aprendeu, vendia na feria para ganhar uns trocados, o barraco é meu, mas nunca lhe cobrei aluguel.

Quando chegaram lá embaixo, num edifício impressionante, ela tocou o número de um apartamento, lhe abriram a porta, subiu com o policial.  Ela o ia levando pela mão, mais bem arrastando, as lagrimas corriam pela sua cara, tinha visto sua mãe morta, bem como sem saber o que ia acontecer com ele.

Abriu uma porta uma mulher, que se parecia com sua mãe, mas tinha como que chupado limão, cara de azeda, escutou o que tia Beatriz disse, fechou a cara, fez o policial entrar, com ela me arrastando.

Num salão imenso, estavam sentados dois velhos, tinham a mesma cara azeda, a primeira pergunta o que faz essa aqui, tirem esse menino da sala, que vai sujar o tapete.

Quando o policial falou outra vez, fecharam a cara, não sabemos de quem o senhor esta falando, esse menina morreu para nós a muito tempo.   Se meteu com quem não devia.

Tia Beatriz falou de mim, que não tinha ninguém, levantaram os ombros os três, como dizendo, que o problema não era deles, não o queremos aqui, aliás não gostamos de crianças, tivemos essas duas para cuidar da gente.    Melhor levar para algum orfanato.

Quando descemos, tia Beatriz falou com o policial, eu estive aqui várias vezes, para ver se reconsideravam, eles são assim tem muito dinheiro, mas criaram as duas irmãs, para cuidar deles.   

O apartamento cheira a mofo, disse o policial.

Vivem quase na miséria, mas não gastam dinheiro, com medo que acabe, o velho nunca trabalhou na vida.

De lá ela mesma telefonou para uma assistente social, que conhecia, que atendia o pessoal da favela.

Esta falou com o policial, pode deixar com essa senhora, depois eu subo, se o tiver que levar para o orfanato, faço isso em seguida.

Mal chegaram lá em cima, já tinha uma família querendo ocupar o barraco, Tia Beatriz fez um escândalo imenso, dizendo que a proprietária era ela, se tinham dinheiro para pagar o aluguel.

Rapidamente desapareceram.

A desgraça alheia é sempre assim, sempre tem um filho da puta querendo se aproveitar.

O fez tomar um banho, ele entregou para ela, o dinheiro que estava na banca da sua mãe, ainda disse para ela, que ele podia abaixar no próximo dia de feira para ganhar uns trocados.

Ela fez uma coisa que sempre lhe fazia, passar a mão pelos seus cabelos loiros, passou a mão pela sua cara, vá colocar agua nas quartinhas.

Ele quando entrou num dos quartinhos, aonde era a casa de Exu, viu o negro que sempre estava lá.

Um dia tinha perguntado a tia Beatriz, porque esse negro, nunca saia dali, que sempre agradecia a agua que ele colocava na quartinha, ou quando acendia alguma vela.

Chegou a descrever o mesmo para ela.

Esta riu muito, falou com sua mãe, esse menino promete, consegue ver o Exu que o protege.

Eu fiz ela subir sozinha, pois esse filho da puta, ia te matar também, isso eu não podia permitir.

Mas não se preocupe meu filho, estar aqui, foi uma maneira de chegares, para uma família, verás, logo terás uma, irás para longe, mas serás alguém.

O escutava, como se ele tivesse escutando uma história.

De fato, quando a assistente social, Dona Dulcineia, chegou, vinha acompanhada de um homem muito alto, com os cabelos crespos, loiro, parecia a juba de um leão, o apresentou para Tia Beatriz, esse senhor, é parente do embaixador da França, veio aqui para adotar uma criança, está casado, mas não tem filhos, sua mulher vem subindo com o policial que a ajudou.

Quando viu, era uma mulher até parecida com sua mãe, loira com os olhos verdes, um pouco gorda, por isso tinha subido devagar.

O olhou, sorriu, mas quem sorriu mesmo foi o homem, estendeu a mão para ele, sou Saul Azulay, mas isso falando em francês, queres ser meu filho.

Ele viu ao lado do homem, o negro, esse fazia que sim com a cabeça.

Lhe respondeu, tia Beatriz, meu amigo o negro do quartinho diz para eu aceitar, o que a senhora acha.

Ela explicou para a assistente social, que era sua filha de santo, ele é o único que vê o exu da casa de santo, é o seu protetor.

Ele ainda ficou uns dias na casa de tia Beatriz, um dia ela disse, tenho que descer, esse filhos da puta dos teus avôs querem dinheiro para assinarem tua adoção, soube depois que ela tinha feito o maior escândalo na casa dos velhos.

Dias depois, meu pai Saul, subiu sozinho, pronto, me mostrou os papeis, você já é meu filho, mas antes vamos fazer uma coisa, vamos enterrar tua mãe que esta no necrotério, os velhos não vão fazer nada.   Um advogado tinha resolvido o problema, a enterraram no cemitério do Caju, foi quando descobriu que sua mãe era filha de judeus.

Se despediu de tia Beatriz lá, chorou muito abraçado a ela, pois tinha imaginado sua mãe, fechada naquela caixa simples de madeira, embaixo de tanta terra.

Quem colocou uma mão no seu ombro de um lado estava o Saul, de outro o negro.

Isso o consolou, sabia que podia se fiar do Saul, mas sua mulher não tinha ido, diria depois que odiava ir aos cemitérios, que tinha levado muito dos fetos que tinha tentado parir lá.

Fui ficar no hotel que eles estavam hospedados, num quarto ao lado do deles, havia uma porta de comunicação, nessa noite tive pesadelo, quem foi ficar comigo foi meu novo pai.

Sonhei com o homem que tinha matado minha mãe, ele não tinha cara, pois nunca tinha visto uma fotografia dele.

No dia seguinte Saul e Sarah, me levaram ao Rio Sul, um shopping ali perto, me cortaram os cabelos, compraram roupas novas para mim, tênis, encontraram numa loja, roupa de inverno, pois ele me disse, vamos para Paris, aonde vivemos, lá agora é inverno, deve estar para nevar.

Lhe perguntei o que era nevar.   Ia me explicando isso por gestos, estava me ensinando francês, mas ainda tinha dificuldades.

Me compraram um abrigo, calças compridas, eu adorei, pois a muito desejava uma, nessa noite queria dormir com elas, ele riu muito.

Depois de uns dias, já tinha meu passaporte, bem como os documentos, passava a me chamar Joseph Barata Azulay.

Subimos um dia, para me despedir de tia Beatriz, eles ficaram de mandar sempre fotos minhas para ela.

Fui colocar água na quartinha do meu amigo, me disse não se preocupe, vou contigo, sempre me verás por perto.

Tia Beatriz, me deu uma pequena escultura de madeira, disse que era o homem que ia me acompanhar o resto da minha vida.   Vi que Sarah não gostava muito, seria depois uma eterna briga.

Ela fazia a imagem desaparecer, mas a mesma sempre voltava para o lugar aonde a tinha colocado, minha mesa de cabeceira.

Uma vez, pegou um martelo, a destroçou completamente, jogou no lixo, quando voltou ao meu quarto, a imagem estava lá como se nada tivesse acontecido, desistiu.

Quando fomos para o aeroporto, eu ia sentado de mãos dadas com o Saul, ela olhava pela janela, dizendo que graças a deus iam embora, que não gostava dessa terra.

No avião a mesma coisa, me sentei no meio deles, mas era ele que segurava minha mão.

A família dele, nos esperava no aeroporto, fizeram a maior festa, gostei imenso do seu irmão mais novo, era ator de teatro e cinema.  Claude Azulay, seria mais tarde uma pessoa importante em minha vida.

Entenderia depois, que tinham de uma certa maneira me adotado, para que o casamento deles, resultasse, mas dois anos depois Sarah pediu o divórcio, ia para Israel, com um amigo de sua família.

Se despediu de mim de uma maneira curiosa, me desculpe, mas sempre quis um filho meu, isso é impossível.

Eu fiquei com o Saul, logo, Claude veio morar conosco.

Saul com o tempo entendi, pois aquela casa, não havia espaço para tantos livros, era professor na Sorbonne, me incutiu o amor pela literatura.

Claude, que gostava de fazer teatro, mais que o cinema, me ensinou a gostar dos textos, os lia para mim, com o tempo, aprendi a pronunciar bem o francês, por causa dele.   Ele adorava a palavra como dizia, pois no teatro, isso era importante, dizia que a mesma bem usada por menor que fosse, chegava ao cliente (a plateia), assim se vendia o peixe.

Fui depois de uma boa preparação, a uma boa escola, embora no começo sentisse dificuldade, me adaptei, logo era um bom aluno.    Com os anos, seria o melhor da minha classe.

Dois anos depois voltamos ao Brasil, de férias, também porque a irmã de minha mãe, nos pedia para ir, para resolver problemas de herança dos velhos.

Acabou como dizia tia Beatriz, sendo tudo ao contrário, os velhos não tinha feito nunca um testamento, então constava como suas herdeiras, minha mãe e sua irmã, está não podia fazer nada, pois eu era registrado como filho.

Desta vez, estava mais agradável, mas claro tinha interesses em jogo.

O advogado já tinha falado com Saul, o valor da herança, tudo que ela queria era vender o apartamento, dividir o dinheiro do banco, uma conta que ela nunca tinha sabido da existência, bem como velhas ações do governo, que nunca desvalorizavam.

Era um bom dinheiro, ele escutou tudo, analisou, era bom nisso, disse que tudo devia ir para uma conta no Banco do Brasil, em meu nome, assim eu teria dinheiro para meu futuro.

Ela contente da vida, pois com a venda do apartamento que valia muito, ia viver com uma amiga, depois soubemos que viviam juntas já a tempos.

Conosco foi o tio Claude, nessa época não tinha nenhum projeto em vista, através de conhecidos da Maison de France, um teatro ligado a França, fez contatos, mas achava a maioria das pessoas pedantes, buscou sim vendo o que estava em cartaz, ia cada dia com ele assistir algum espetáculo, traduzia para ele o que não entendia.

Meu pai tinha feito uma coisa, depois que aprendi a falar bem o francês, me arrumou um professor de português, não queria que eu perdesse ligação com a minha terra.

Tio Claude, conheceu um diretor de teatro, já tinha visto alguma coisa do mesmo em Paris, ficaram amigos.

Quando voltamos, ele queria montar uma coisa moderna, mas não encontrava nada que lhe apaixonasse.  Tinha pensado justamente nisso, algo do Brasil, mas no fundo nada o tinha encantado.  Dizia que tudo era como uma cópia de algo americano ou francês, mas sem substância.

Um dia o convenci de irmos a uma feira que se fazia perto do Canal de Saint-Martin, lá fomos os dois, para ele era como sair de sua zona de conforto, para mim um mundo novo.

Era uma mistura, árabes, africanos, eu olhei muito um senhor africano, com suas roupas tradicionais, ele me sorriu, me disse em Yoruba, estas em boa companhia.

Me aproximei dele, comecei ou melhor meu Exu começou a falar com ele, que eu necessitava de um professor de Yoruba.   Ele ficou encantado.

Meu tio estava assustado, sabia que eu falava português, mas que língua era essa tão estranha que eu falava.   O homem o acalmou, quem fala comigo é seu Exu, lhe explicou, quer que eu lhe ensine a falar Yoruba.

Lhe fez um sinal, procura novos textos verdade, olhe aquele homem, este estava com um barrete na cabeça raspada, ajudando uma senhora a vender legumes.

Esse rapaz escreve, muito bem por sinal, pode ser interessante, pois creio que tem alguma coisa de teatro.

O chamou, quando ele se aproximou, viu meu tio, disse que já tinha assistido trabalhos dele, bem como algum filme que ele tinha feito.

Fomos os quatro tomar um café, ficamos conversando.

Meu pai quando chegou em casa esse dia, levou um susto, lá estava Monsieur Agudaende, bem como Mansur, conversando animadamente com tio Claude.

Este lhe explicou quem era Agudaende, era da Nigeria, mas tinha escapado de lá, por perseguição dos mulçumanos, seu menino, precisa aprender o Yoruba, sei que o senhor pode conseguir isso na universidade, mas ele precisa dos fundamentos básico dos sons, lhe explicou que os antigos, acrescentavam sons as palavras, para ampliar seu significado.

Isso não está nos livros, nem tampouco no Yoruba atual.

Passou a partir desse dia, a vir em casa no final da tarde, me ensinar, sempre ficava para jantar.

Mansur ensinou ao meu tio, os textos que tinha escrito, um em particular lhe atraiu, era sobre como se sentia um jovem com certa formação, ao chegar a um pais, aonde era difícil entrar em certos círculos literários, por ser diferente.

Os dois começara a trabalhar esse texto, meu tio o montou, fora do circuito clássico francês, logo foi transformado num filme com os dois.

Quando percebemos, estava vivendo lá em casa com tio Claude, era interessante, um judeu convivendo com um mulçumano, que tinha sido obrigado a sair de seu pais, por ser gay.

Mas os dois juntos era impressionante, parecia que suas conversas nunca acabavam, Mansur começou a me ensinar a falar árabe.

Dois anos depois, fomos ao Brasil, fomos os cinco, Agudaende, quando conheceu tia Beatriz, claro quando eu ia, a primeira coisa que fazia era subir o morro.  Imagina fazer isso com aquele negro imenso, vestido com suas roupas tradicionais.

Ele andou comigo, eu como sempre colocando agua nas quartinhas.

Ela ria muito, dizia para ele, que seu Yoruba era mínimo, deixo sempre que os espíritos falem pela minha boca, mas quando falam comigo, demoro as vezes a entender.

A que tinha sido casa de minha mãe, estava vazia, ficamos os dois lá.

Meu pai, pensava que eu queria era ir à praia, mas eu preferia ficar lá em cima com os meus amigos espíritos.

Tio Claude e Mansur, foram assistir todos os espetáculos de teatro, os dois agora tinham uma pequena companhia que montava escritores modernos.

O amigo dele de Maison de France, já sabia que não lhe interessavam os consagrados, queria coisas novas.

Os consagrados, montavam espetáculos para ganhar dinheiro, isso não lhe interessava.

Eu passei basicamente a primeira semana lá em cima, tia Beatriz as vezes dizia que eu era diferente, podia nunca mais ter posto os pés lá, mas nem por isso, um dia apareceu porque ela tinha avisado, Dona Dulcineia, está se meteu numa conversa larga com Agudaende, nos levou a um orfanato, aonde mal cheguei, um menino correu para mim, era negro como um tição, mas tinha os olhos verdes.

Me abraçou, dizendo sonho sempre contigo, com ele, sinalizou o Exu, me disse que vinhas me buscar.

No dia seguinte voltei com meu pai Saul, ele ria muito, ficou encantado com Tico, ninguém sabia seu nome, o chamavam de Tico, porque era pequeno para seu tamanho.

Dona Dulcineia já estava mexendo seus contatos, ficamos mais tempo para conseguir os papeis do Tico.  Eu ia todos os dias lá, para lhe ensinar a falar o básico em francês.

Os dois juntos era um contraponto, eu por causa do tempo em Paris, era muito branco, ele muito negro, mas os dois juntos seriamos inseparáveis.

Foi segurando minha mão, como eu tinha feito com meu pai Saul, no avião, se sentou no meio dos dois, sorria feliz.

Uma aeromoça da Air France, fez algum comentário, Saul logo soltou, que erámos seus filhos, que sentia orgulho disso.

Quando chegamos em casa, arrumamos uma maneira de trocar as camas, para serem duas, ele iria dividir o quarto comigo.    Como tinham feito comigo, só falava com ele em francês, assim ele aprendia.

Saia com ele, pela redondeza, mostrando as coisas, explicando o que eram.

Agudaende, tinha ficado para trás, o amigo do meu tio, conseguiu para ele um visto de permanência, ele ficou vivendo no barraco que tinha sido da minha mãe, recuperando a horta de ervas que ela tinha.

Nas féria seguintes, fomos a Israel, levar as cinzas da minha avô, queria estar ao lado do meu avô, pai do Saul.  Eu adorei, anotei que queria aprender a falar hebreu.

Saul ria muito, dizia que eu era como um papel absorvente, ia aprendendo falar línguas como se fosse uma coisa natural, o melhor era que ensinava o Tico.

Riamos muito, quando alguém perguntava seu nome, ele soltava Tico Azulay, mas nos registro estava Antoine Azulay, mas sempre seria para todos Tico.

Meu pai ria muito, pois estávamos sempre conversando, eu lhe ensinando o que ele tinha mais dificuldade em aprender na escola, era como seu irmão maior.

Agora eu o levava de manhã a escola, vigiava no recreio se algum quisesse fazer bullying com ele, mas ele sabia se defender.

Quando fiz 16 anos estava pronto para ir a Universidade, iria estudar filologia na Sorbonne, tinha escolhido as línguas que queria aprender, hebreu, Yoruba, claro tinha classes de inglês, latim.

Meu pai se preocupava, pois eram coisas diversas, se informava, se surpreendia que os professores estivessem encantados comigo, pois levava tudo a sério.

Falava com o professor de Yoruba, como me tinha ensinado o Agudaende, as vezes o tinha que ensinar a fazer os sons com a língua, que ele não sabia.

Ao mesmo tempo, sem saber muito por que, comecei a escrever pequenas histórias, mostrava para ele.

Me disse que era como se eu escrevesse a história da mistura dos Orixás com os santos católicos.

Escrevia todos as semanas uma carta para meu grande mentor Agudaende, ele pesquisava por lá o que eu queria saber.   Marcamos da próxima viagem, irmos direto a Bahia, tinha feito contato com um professor da universidade, que seria muito importante para mim.

Era um especialista nessa matéria.

Tico ia bem na escola, quando meu pai lhe elogiava, soltava, tiro essas notas, porque ele me ensina, entendo melhor as vezes matemática, pois tem uma maneira de me fazer entender mais fácil.

Meu pai as vezes me questionava, que eu abrangia coisas demais para aprender, que absorvia muitas coisas, ainda arrumava tempo de ensinar o Tico.

Tens que sair, fazer amigos me dizia.

Eu lhe respondi rindo, como se o senhor fizesse isso, lhe respondi com uma crítica que ele tinha feito, a uma reunião de professores, em que todos ao invés de se aprofundarem em como ajudar os alunos, tinham se dedicado a fazerem fofocas.

Riu, gostava que ele se preocupasse pelo irmão, essa era a verdade.

A viagem a Bahia foi produtiva, conseguiu documentos, textos de outros escritores sobre o mesmo assunto, pode se aprofundar no assunto.  Mas depois revendo outros escritores, na Africa não acontecia isso, tampouco tinha acontecido nos Estados Unidos, somente na parte da américa central, que sim, em Cuba apesar de tudo, era pouca a mistura.

O livro saiu como sua pós-graduação, quando em seguida foram ao Brasil, para matar saudades do seu orientador Agudalude, bem como tia Beatriz, pela primeira vez sentiu que os dois estavam ficando velhos.

Faziam uma festa imensa quando ele estava lá, ele corria rápido para olhar as quartinhas dos santos todos.  Só ele para fazer isso, dizia ela, se lembrando de quando ele era um garoto.

Só voltaria para o enterro dela, anos depois o dele, satisfez seu desejo, de levar suas cinzas para a aldeia de aonde ele tinha saído na Nigeria.

Foi uma viagem especial, só foram ele, bem como seu irmão Tico.

As pessoas se impressionavam ver aquele homem branco, falando um Yoruba perfeito. A viagem até a aldeia foi dura, basicamente só existiam algumas barracos, pois o resto tinham sido destruído, mas lembrou-se das conversas dele, guiado pelo seu Exu, subiu a montanha, até encontra a entrada de uma gruta, ali estavam enterrados várias gerações de sacerdotes.

Foi como se encontrar com sua própria vida anterior.

Ficou vários dias ali, até que um garoto os veio avisar que alguns mulçumanos tinha descoberto que estavam ali, saíram arrastando o garoto, ele disse que não tinha família.

Na capital, conseguiu com o embaixador francês que o ajudasse a adotar o garoto.

Voltou com um filho, seu pai, disse que agora tinha um neto.

O menino era tremendamente agarrado com o Saul, esse tinha conversas imensas com ele sobre literatura.  Começou ele mesmo a pesquisar sobre literatura africana, com a ideia de que o garoto não perdesse suas raízes.

Na embaixada quando estavam fazendo seus documentos, perguntaram seu nome, ele não tinha ideia, disse que todos o chamavam de menino, nada mais.

Perguntou se gostava de Saul, ele riu, sim.  

Quando Saul os foi buscar no aeroporto, lhe apresentou, teu neto Saul.

Seu pai lhe cobrava que ele não tinha relacionamentos, simplesmente respondia que tinha um compromisso com a vida.

Agora na surdina, pela entrada de serviço recebia pessoas que precisavam de ajuda.

Quando foi da última vez, ao Rio, subiu a favela, com seu filho e Tico ao lado, a casa de santo estava em ruinas, mandou arrumar tudo, bem como o barraco que tinha vivido com sua mãe, algumas pessoas não queriam.

Ele disse que ele agora era o pai de santo dali.

Usava a casa de tia Beatriz, para atender as pessoas, na outra que melhorou, ampliou, vivia com Tico e seu filho.

O Saul, logo estava cuidando da horta abandonada. Ele tinha seu dinheiro todo, esses anos todos rendendo no Brasil, Tico seguia escrevendo, quando perguntavam aonde vivia, respondia simplesmente, no Chapéu Mangueira, as pessoas o olhavam surpreendidas.

Seu pai Saul se aposentou, comprou um pequeno apartamento no Leme, enquanto pode subia para visitar o filho, depois eram eles que desciam.

O pequeno Saul, acabou estudando medicina, cuidava grátis das crianças ali da favela, Tico quando tinha que dar alguma entrevista, o fazia na casa do seu pai, para não criar confusão.

 

 

 

 

 

 

 

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