JORNALISTA - REPORTER

 

                            

 

O meu nome é o mais comum do mundo, Jim Smith, meu pai verdadeiro, era militar, minha mãe doméstica.  Vivemos até meus dez anos, num quartel militar, os quatro, tenho uma irmã mais velha do que eu quase três anos.

Meu pai ia e vinha das batalhas, mas cada vez vinha pior, da última vez, chegou, passou a mão sobre minha cabeça, deu um beijo na testa da minha irmã, nessa noite subiu ao telhado do edifício do quartel, pegou um tiro na cabeça.

Nenhuma carta de despedida, nada, mas claro a neurose da guerra pode com ele.

Seus amigos não eram muito diferentes, quase todos que conseguiam voltar, era meio loucos.

O jeito foi minha mãe aceitar o convite de uma amiga de infância, no fundo sua prima, para irmos morar com ela.

Lá fomos nos para Long Island, ela vivia numa bela casa que tinha recebido de herança de seus pais, saia logo cedo para atravessar para Manhattan, aonde trabalhava de secretária, ia super arrumada, mas de tênis, quando chegava na porta do edifício que trabalhava, tirava uns sapatos altos, que combinasse com sua roupa, ia trabalhar.

Só voltava de noite, as vezes muito tarde, aí a escutava conversando com minha mãe, ela era amante de seu chefe.

Minha mãe começou a trabalhar fazendo limpeza, aonde pudesse, até que o vizinho, lhe pediu se podia fazer um dos turnos para cuidar de sua mãe.

Eu fiquei sabendo que ele era jornalista, saia todos os dias, cedo como minha tia, a estas alturas minha mãe, já tinha nos arrumados, para despachar para o colégio, a dois quarteirões dali.

Depois trazia para casa, todos os jornais que o senhor já tinha lido.

Ele fazia uma correção, em algum artigo que tinha escrito, dizia que sempre encontrava um erro, ficava furioso segundo minha mãe, dizia que tinha revisado o texto mil vezes.

Ele era generoso com ela, eu o observava, gostava do tipo que fazia, saia de casa no outono com uma gabardine, chapéu, usava um bastão, pois tinha sido ferido numa reportagem que fazia, um grupo cercado pela polícia, ele estava lá, levou um tiro no quadril, ficou com a perna ligeiramente mais curta.

Eu o achava bonito, minha irmã dizia que ele era um emproado, com o nariz para cima.

Mas não era verdade, se cruzávamos com ele, perguntava como íamos, a mim me dava sempre uma nota de cinco, para o lanche, ela ao contrário mostrava a lancheira dizendo que já tinha.

Quando sua mãe morreu, minha mãe foi trabalhar numa casa mais distante, já no centro, ele continuava fazendo a mesma coisa, mal sabia que eu guardava todas essas notas, quem sabe fosse preciso um dia.

Eu tinha 13 para 14 anos, quando um dia minha mãe voltava cansada para casa, escutou tiros numa casa, chamou imediatamente a polícia, nem terminou de falar, levou um tiro na cabeça, era uma briga de dois tipos da máfia.    A viram chamando a polícia, a mataram.

A polícia nunca conseguiu pegar os dois, tinham matado os residentes nessa casa, uma família inteira.

Ai a coisa ficou feia, apareceu uma assistente social, a prima de minha mãe foi honesta, eu passo o dia inteiro fora, saio de manhã, os meninos ainda nem se levantaram, volto de noite, eles estão dormindo, tenho que manter essa casa, não posso pagar uma pessoa para cuidar deles.

A tinha visto chorando de noite, como que falando com minha mãe, como ia fazer conosco, por favor minha amiga, me dê uma luz.

O problema era que seriamos separados, claro, minha irmã, ficaria pouco tempo, mas eu ficaria pelo menos 4 ou cinco anos, evidentemente nunca seriamos adotados, enquanto decidiam, a assistente social, nos mandou uma mulher, que parecia estar sempre de mal humor, quando íamos comer, jogava a comida no prato.

Nem podíamos reclamar, como dizia minha irmã, teríamos durante um tempo a pensão do nosso pai, que era como sempre uma merda.

Um dia, minha tia, eu sempre a chamei de tia, apareceu com uma solução, tinha encontrado no barco, o jornalista, ele agora trabalhava desde casa.

Escutou toda a história, soltou para minha tia, na época que podia ter filhos, andei pelo mundo fazendo reportagens, depois fiquei aqui cuidando da minha mãe, graças a deus tua prima me ajudou, pois ela era uma pessoa complicada, de noite eu dormia num chaise Longe no seu quarto, a cada cinco minutos me chamava por alguma idiotice, queria conversar de madrugada, trocava o dia pela noite, sua prima fez uma coisa, a ocupava o dia inteiro, assim de noite dormia.

Sabia como manejar a velha.

Vamos falar com os garotos, se eles quiserem posso tentar conseguir a guarda deles, a mesma senhora que sempre fez a comida de casa, continua vindo, ainda nem aprendeu que sou só eu para comer, sobra comida sempre, fica furiosa, pois levo para os que não tem, odeio comida congelada.

Realmente as vezes via pessoas na porta da frente de sua casa, ele entregando bolsas.

Quando se sentou conosco, minha irmã claro se colocou na defensiva, mas quando escutou falar que ia ter um quarto só para ela, mudou de opinião.

Aceitamos, ele conversou com a assistente social, que sabia do que ele fazia, ajudava algumas famílias a mandar os filhos à escola.

Para mim o luxo, foi poder entrar na biblioteca que tinha a casa, era imensa, ali ele trabalhava, entrei fui passando a mão pelos livros, ia dizendo, quero te ler, vou te conhecer, ele ria.

Gostas tanto assim de livros?

Sim, fazem meus dias largos ficarem mais relaxados.

Ao contrario de minha irmã que tinha mil amigas na escola, eu não tinha nenhum, era tímido, magro alto, segundo todo mundo tinha uma cara linda, as velhas diziam que um dia eu seria ator de cinema.    Ninguém se atrevia a fazer bullying comigo, pois soltava logo uma porrada.

Passava a hora do recreio na biblioteca, agora não seria necessário.

John Troubler, me deu livre acesso a biblioteca, já minha irmã, vivia no seu mundo, tinha o quarto que tinha sido da mãe dele, que mandou reformar, que incluía banheiro, nos dois compartíamos o outro.

Ele não teve problemas com nossa adoção, primeiro ficou com nossa guarda, no domingo a prima vinha comer conosco, ou saiamos para comer por ali.

Perguntava das notas, dos exames, minha irmã já tinha uma ideia fixa, queria ir estudar em NYC, na Parsons, queria ser pintora, passava o dia inteiro no seu quarto desenhando.

Fazia aulas de arte na escola.

Eu já sonhava, em fazer literatura, no ano seguinte na escola, teria aulas sobre isso, esperava ardentemente.

John fazia uma coisa, cada artigo que escrevia, me deixava ler, eu anotava ao lado as palavras que não tinha entendido, ele quando lhe disse isso, telefonou, no dia seguinte chegou pelo correio, pelo menos cinco dicionários, variavam, o que eu mais gostava era um que eram palavras que os emigrantes de uma certa maneira tinha introduzido na língua inglesa.

Era justamente a época do meu aniversário, ele perguntou depois se eu queria algum presente.

Eu fiquei rindo como um bobo, disse que já tinha recebido o melhor presente do mundo.

Os dicionários. 

Um dia lhe disse que se usasse outra palavra no lugar do que ele tinha escrito ficaria melhor, me perguntou por quê?

Lhe respondi que tinha perguntado a todo mundo no caminho da escola, se sabia o que queria dizer.   Um deles inclusive que tinha um jornal nas mãos, soltou, esses jornalistas querem ser eruditos, falam essas palavras difíceis, nos os simples mortais, se fomos esperto vamos procurar no dicionário, senão fica tudo por ela mesma, não entendemos nada.

Minha irmã, lhe contou na hora do jantar, que eu tinha ido parando, falando com todo mundo, por causa da tal palavra, esse garoto está louco.

Mas ele adorou, estávamos de férias, ele deu dinheiro para minha irmã ir fazer um curso de desenho e iniciação a pintura. Foi a primeira vez que a vi o abraçar, agradecer com um beijo.

Não se esqueça de agradecer a tua prima, foi ela quem procurou o curso para ti.

Mas como ficávamos os dois em casa, eu mergulhado em algum livro, um dia disse para me arrumar, íamos ao Jornal que ele trabalhava.

Para mim era a gloria, quando entramos ele foi me apresentando a todo mundo, Jim, meu filho, um dia estará aqui escrevendo, ensinando vocês a trabalharem.

Paramos na frente da sala do editor chefe, esse ria, quer dizer que esse garoto, é quem fez que tu parasse de usar palavras difíceis.

Sim lhe dei de presente uns quantos dicionários, agora sou eu que estou pagando por isso.

No anos que vem, já teria quinze anos, me disse que podia vir nas férias trabalhar no jornal, assim ganha uns trocados.   Olhei o John, como que perguntando se podia.

Ele riu, esse é o filho que sonhei ter.

Comecei o curso de literatura, me sentia como um peixe dentro da água, ao contrário da maioria dos alunos, quando li a lista dos livros que tinha que ler, procurei na biblioteca, li todos, analisei cada um, depois mostrava para o John, ele se matava de rir, os outros vão querer te pegar na esquina, me disse que não quisesse me mostrar como o que sabia mais, deixe isso para tirar boas notas nos exercícios.

Entendi a mensagem, no fundo a minha ideia era chegar soltar logo no primeiro dia que tinha lido tudo, que sabia mais que os outros, ele me abaixou a crista.

A professora era genial, nos dava trabalho de redação, de alguns ela reclamava dos problemas de ortografia.

Ela nunca dizia em voz alta a nota de ninguém, eu aprendi a me comportar, pois quando via minha nota, queria sair correndo para casa para mostrar para o John.

Ele se sentava lia a redação, começava a argumentar comigo, como devia me aprofundar no assunto.

Um dia me fez reescrever uma redação, me fazendo pensar sobre o que tinha escrito, pedi a professora que o lesse outra vez, mas isso sem chamar a atenção.

No dia seguinte, me chamou a sala dos professores, só estavam ela, a diretora, as duas lemos o que escreveste, nos conta como foi, porque a outra redação estava boa.

Disse que meu pai John, me tinha feito pensar em cada coisa que tinha escrito, lhes expliquei, ele le um parágrafo, me faz milhões de perguntas a respeito, se é só isso que consigo ver, que pode estar por detrás do que comentei.

Quando disse o nome dele, as duas riram, o jornalista e escritor, ela me disse que tinha os livros escritos por ele.

A mim não me deixa ler, diz que sou jovem demais para saber dessas coisas.

Mandaram um bilhete, o convidando para virem fazer uma palestra na sua aula.  John só concordou, se não dissesse que era meu pai adotivo.

Veio falou, eu fui anotando as palavras difíceis que tinha usado.  Depois perguntei aos meus colegas, era a primeira vez que na verdade conversava com a maioria.

A maioria nem tinha ideia do que ele estava falando, só uma das garotas, que seria posteriormente uma grande jornalista, sim sabia, eu porque lia os dicionários.

Levei para ele, se matou de rir, vou ter que aprender a escutar os jovens, pois serão meus leitores no futuro.

Nas férias fui trabalhar no jornal, no primeiro dia ele me acompanhou até a esquina do prédio, me ensinou como pegar a barca, bem como andar de metro se fosse necessário.

Me dava dinheiro para comer, seja humilde, aprenda tudo que puder.

O filho da puta do editor, me fazia ler os artigos que lhe mandavam, que anotasse as palavras que os jornalistas tinha escrito, que me pareciam pedantes.

Ele se matava de rir, quando passava o texto de volta ao mesmo, com a correção e o uso das palavras, eu funcionava como seu office boy, alguns ficavam uma fera.  Mas depois recapacitavam mudavam o texto.

Tinha um que era um tipo complicado, escrevia sobre teatro, arte em geral, um dia li porque o editor tinha me mandado, um artigo que tinha escrito, era tão pedante, mas no fundo não estava falando nada.

Um era sobre uma exposição de um pintor famoso.    Outro sobre um livro, me deu o mesmo para ler, a direção da galeria, que fosse lá ver a tal exposição, que escrevesse sobre os dois assuntos.

Cheguei em casa exultante, John me fez descer do pedestal, como dizia minha irmã, ela se matava de rir.  Este sempre será assim num primeiro momento, ficará como um pavão com todas as plumas abertas, mas depois entenderá.  Deus me livre se escreve sobre minha primeira exposição, vai me crucificar.

Ela iria estudar na Parsons, no ano seguinte, quem estava como um pavão era ela, sonhava com uma liberdade, que dizia que não tinha, horários para chegar em casa, nada de ir de festas com as amigas, beber, etc.

Fui olhar a exposição com o texto nas mãos, andei por toda ela, prestando atenção no que queria dizer o pintor, quando ia saindo, o dono da galeria, me pediu para esperar, logo apareceu o pintor, era um homem impressionante, com uns cabelos imensos, já com bastante fios brancos, sujos de tinta.  Ele andou comigo a exposição inteira, falando dos quadros, eu lhe dizia a visão que tinha, se afastava do mesmo, me levando com ele, me fazia sentar no chão, de repente dizia, tens razão, não pensei nisso, mas tenho esse sentimento guardado dentro de mim.  Fiquei durante o dia inteiro com ele, depois me levou ao seu studio, fui olhar o que estava fazendo.

O livro tinha lido de noite de cabo a rabo, mas depois no final de semana me sentei na biblioteca, fui destrinchando o mesmo.    Li pela internet, já tínhamos isso em casa, segundo o John era sua maneira de estar ligado ao mundo, uma entrevista que tinham feito com o escritor.

Não era a pessoa que o jornalista tinha descrito, ao contrário me parecia uma pessoa simples.

John foi quem soltou, não se esqueça que ele quer que as pessoas o entendam, que comprem o livro.

Quando entreguei o que tinha escrito sobre o pintor, o editor, fechou a porta, bem como a persiana, leu tudo de cabo a rabo, como eu tinha visto a exposição, minha conversa com o pintor, a ida a seu studio, o que ele estava fazendo agora.   Me fez voltar a galeria, acompanhado de um fotografo novo, lhe disse os ângulos que queria que ele fotografasse, depois fomos ao studio do pintor, mandei fazer uma foto dele, diante de um quadro inacabado.

Segundo me disse, um jornalista o tinha feito repensar algumas coisas que estavam dentro dele, as estava colocando para fora.

A reportagem saiu na revista de domingo do jornal, era assinada por JS.    Sem especificar quem era esse sujeito.

O jornalista que tinha escrito a crítica, ficou uma fera, quem era esse puto JS. Que o queria derrubar do seu cargo.

O editor conseguiu, uma entrevista com o escritor do livro.  Lá fui eu, John me comprou um terno com gravata, me ensinou como fazer o laço, me abraçando por detrás.   Eu como adorava seu cheiro de canela, ele usava um sabonete com esse cheiro, no momento não queria que ele se afastasse, levaria muito tempo para entender esse sentimento.

Lá fui eu, quando o sujeito abriu a porta, deu de cara com um rapaz, que mal tinha bigode, fui educado, lhe entreguei a carta do editor.

Me levou a sua biblioteca, quase ri, pois a lá de casa era melhor.

Perguntou se eu tinha lido o livro?

Sim, várias vezes, de cabo a rabo, procurei analisar cada capitulo, entender o que o senhor quer transmitir, ele se desarmou, ao princípio me parecia pedante.

Riu a bessa, batendo as mãos no joelho, quando lhe falei de um personagem que passa desapercebido, se o lia rápido, esse personagem é o senhor, verdade.

Caramba, todos os críticos, leram o livro, ninguém se deu conta disso.

Sim essa história aconteceu comigo, eu assisti tudo de camarote, por isso esse personagem é quem na verdade conta a história.

Pois eu acho que o senhor deveria escrever o mesmo livro de um outro ângulo, de como está história afetou o senhor, pois é impossível que não tenha acontecido isso.

Perguntou a minha idade, eu disse que tinha 17, claro me faltavam dois meses para fazer, mas eu queria aparecer maior, dentro em breve iria à universidade.

Veio o fotografo, fez uma foto dele, sentado no cadeirão que tinha perto de uma janela, aonde ele disse que pensava no que ia escrever.

Eu só faltava a hora que sai, dar aqueles saltos chocando o calcanhar.

Mas claro agora, tinha um problema, com escrever essa reportagem, sem parecer que estava bajulando o mesmo.

Desta vez, estava mais livre, John tinha me dado para usar, uma pequena gravadora, que ele usava a muitos anos.

Mas eu conseguia reviver em minha cabeça, cada frase que ele tinha falado, bem como era sua postura.

Escrevi, falando de sua maneira de se comportar, do livro, se alguém o tivesse lido, que o lesse outra vez, escutem a voz do personagem que conta a história, ele é um mero observador, mas fala de um acontecimento que ficou no seu interior.

De novo saiu na revista de domingo, eu já tinha recebido o cheque do artigo anterior, fiquei como um bobo, com ele nas mãos, o entreguei ao John, que foi comigo ao banco, para abrir uma conta, assim terás dinheiro para ir à universidade.

Eu mal via minha irmã, ela estava dividindo um apartamento pequeno, com uma amiga, nos finais de semana vinha ficar conosco, falava sem parar, John dizia que ela parasse para respirar.

O agradecia pela oportunidade.

Nossa prima, dizia que tinha que tomar cuidado, soltava uma ladainha, sobre drogas, o famosos sucesso dos cinco minutos de gloria.

Nada disso eu corrigia, 15 minutos.

Minha irmã, nem sabia dos dois artigos que eu tinha escrito, quando nossa prima comentou, ficou me olhando séria, merda, terei que ter cuidado, quando ele escreva sobre minha futura exposição.   Isso ainda duraria dois anos para acontecer, como ela, existiam muita gente na fila para expor nas galerias.

No ultimo dia, na semana seguinte voltava para a escola, para fazer o último ano, antes de ir à universidade.  Tinha sido uma experiencia fantástica.

Fui me despedir do fotografo que tinha me ajudado, ele soltou, se todos fossem como tu, que sabes o que queres, seria mais fácil.

O que tinha escrito as mesmas reportagens descobriu que eu era o JS, ficou uma fera, como podiam publicar uma reportagem de um garoto que nem tinha saído das fraldas.

Depositei o segundo cheque, o editor me disse que se quisesse alguma coisa chamaria o John.

Logo no primeiro dia de aulas, a professora, nos pediu que encontrássemos alguma coisa sobre aonde vivíamos, para escrever um textos, o mínimo seriam trinta folhas.

Eu fiquei buscando, um dia fui ao açougue que ia sempre, de um italiano, minha mãe tinha trabalhado para ele, ajudando a cuidar de sua mulher.

Me coloquei na fila, muitas senhoras de idade entravam diziam bom dia Bruno, como ia essas, coisas, ele tinha uma cara de triste.

Sabia que sua mulher tinha morrido, em estranhas circunstâncias para alguns.  Tinha uma doença hereditária, por isso nunca tinha tido filhos.

Quando sai, havia como sempre um grupo de mulheres, que já tinham feito as compras, falando que ele tinha assassinado sua mulher.

Fiquei curioso, fui procurar nos jornais lá de casa, mas John não recebia nenhum dali, fui a biblioteca.   Li a entrevista com o inspetor de polícia, que era o mesmo que tinha atendido o caso de minha mãe.   Não existia nenhuma prova contra o Bruno.

Fui falar com ele, ficou rindo, para ver que era sério, lhe mostrei os dois artigos do jornal, aí ele relaxou, falou das provas, a mulher tinha se injetado uma sobre dose de morfina.

Nesse dia o Bruno estava trabalhando embaixo no açougue, a enfermeira que ficava com ela, quando chegava, o chamava para ajudar a mover a mulher, dar banho nela, depois ele voltava a trabalhar.

Ela foi encontrada caída ao lado da cama, pois se levantou, a mesa com a seringa, bem como a morfina, já estavam ali, para a enfermeira, Bruno sempre deixava tudo pronto.

Ela tinha se injetado duas seringas, uma ainda tinha um resto.

As clientes que estava no açougue a essa hora, disseram que Bruno, estava no refrigerador, com a porta aberta, tinha ido buscar a carne que uma cliente queria a mais.

Só uma disse que tinha escutado um ruido, mas que como as outras mulheres falavam muito, sabia que em seguida ele subiria, seriam atendida pelo seu ajudante, gostava como ele fazia.

Nem o ajudante tinha escutado o barulho, só ela.

Depois foi falar com essa senhora, falou mal de todas, que estavam ali, agora vão para sair e falar mal do Bruno, mas era impossível, ele estava dentro do frigorifico, não podia escutar nada.

Essa mulheres falam muito sempre, não tem o que fazer na vida, a não ser falar mal de todo mundo.

Depois consegui falar com a enfermeira, era uma mulher alta, feia, magra, quase esquelética, ganhava um extra, fazendo esse tipo de serviço, fazia o turno da noite em urgências, me atendia anos depois com o John, era a delicadeza personificada.

Me contou que a mulher do Bruno fazia da vida dele um inferno, ela tinha substituído minha mãe nesse serviço pois chegou um momento que era necessário uma enfermeira qualificada, minha mãe não era.

Essa mulher queria todo o tempo que o Bruno estivesse ali, tinha essa obrigação, por mais que ele dissesse que tinha que atender os clientes.

Era irritante, a cada x tempo pedia uma injeção de morfina, não queria sentir dores, o que era impossível, me gritava dizendo que ela tinha nascido para ser uma rainha, não para sentir dores, tampouco estar casada com um açougueiro.

Quando fui falar com o Bruno, John foi junto, tinham sido companheiros na escola do bairro a muitos anos atrás.  

Bruno dizia que ele tinha ido pelo mundo, eu fiquei aqui trabalhando com meu pai, que me explorou até morrer.  Hoje se removeria na tumba, em ver que reformei o açougue, que trato bem as clientes.

Falou do seu casamento, que tinha sido arranjado pela família, nenhum mulher quer se casar com um homem que esta fedendo a carne o tempo todo.

Para me aproximar dela, exigia que em me esfregasse bem.

Depois de um mês de casamento, foi que descobrir que tinha essa doença, que jamais teríamos filhos, ela exigiu que eu dormisse em outro quarto, pois eu cheirava a animal morto.

Nosso casamente sempre foi um inferno, nem se dava conta que era uma solteirona por isso, ninguém queria se casar com ela.

Mas quando ficou doente cuidei dela, podia tê-la mandado a viver num hospital, desses que atendem a enfermos terminais, mas paguei primeiro tua mãe para me ajudar, depois essa enfermeira, que sempre dizia quando ia embora, como eu aguentava.

Realmente ela sempre queria mais morfina, mas o médico tinha sua prescrição, quando passava o efeito, xingava todo mundo, começava pela sua mãe, que nunca deveria ter filhos, pois lhe tinha transmitido essa doença.   A mãe morreu da mesma maneira, mas os filhos a enfiaram num desses hospitais, quando mundo ia a visitar uma vez por mês.

Nem ela ia visitar a mãe, no enterro, se esqueceu que tinha a possibilidade de ter a mesma, riu dizendo que finalmente estavam livres da mãe.

Nem uma ano depois começou a mostrar os primeiros sintomas, me pediu pelo amor de deus que não a enfiasse num hospital.

Depois cismou com tua mãe, dizendo que eu tinha uma aventura com ela, pois era bonita.    Mesmo depois com a enfermeira, dizia o mesmo, que eu me masturbava pensando nela, que devia fuder com ela no banheiro, pois escutava ruídos.

Vamos dizer que motivos para matá-la, eu tinha até demais, pois foi um casamento infeliz, nunca estive segundo ela a altura de seu status.   Isso nunca consegui entender, que status, se sua família estava arruinada.

Escrevi a história, perguntei a professora, dizendo que tinha passado de cinquenta folhas, se tinha problemas, me disse que tinha que enxugar o mesmo, mas quando entrega-se o mesmo, ela queria ver as duas versões.

Escrevi, reescrevi, corrigi mil vezes, o John da sua mesa, ria muito, pois eu coçava a cabeça, um gesto tão meu.

Ele leu, releu, corrigiu alguma coisa das palavras, mas não tentou influir no que tinha escrito.

Quando entreguei os dois textos, todo mundo olhou, fui o último a entregar o trabalho.

Ela me devolveu os dois, o mais enxuto, me deu nota 10, o outro mais comprido 100.

Já não ficava como um pavão, ela me perguntou se eu queria publicar no jornal local, disse que ia pensar, falaria com o Bruno, com o John.

Os dois tinha reatado amizade, Bruno sempre aparecia no final de semana para comer, pois agora era raro que minha irmã aparecesse, telefonava a nossa prima, inventando alguma desculpas.

Bruno ria muito com nossa prima. Ela tinha se tornado uma mulher interessante, com a idade, tinha sido muito bonita quando jovem, tinha visto muitas fotos dela.

Um dia Bruno se declarou, ela já não tinha o famoso romance, o dito cujo a tinha trocado por uma mais jovem, mas ela foi promovida, agora trabalhava com o dono da empresa.

Acabaram se casando, ela exigiu duas coisas, queria seguir vivendo em sua casa, bem como trabalhando.  Bruno era feliz.

Meu pai John, soltou, uma história com final feliz, mas não foi tanto assim, ela estava numa das torres, aonde trabalhava, no 11S.   Para ele foi uma porrada na cabeça.

Nessa época John sofreu um acidente num dia de chuva, escorregou, caiu por uma escadaria na rua, levaram um tempo para chamar a ambulância, fui correndo para o hospital, quem cuidou dele a princípio, foi a senhora que já conhecia.

Segundo ela, ninguém o atendeu a princípio, pensando que estava bêbado, coisas do bairro.

Foi quando descobriram que tinha um câncer ósseo.

Ficou muito tempo no hospital, eu ia todos os dias dormir lá com ele, estava nessa época no primeiro ano de jornalismo, bem como literatura.

Quando chegou a época das férias, me chamaram para fazer estagio no jornal, eu ia dizer que não, pois ele ia para casa, arrumamos um enfermeiro, que ficaria durante o dia, de noite ficaria eu.  Colocamos para sua comodidade, uma cama de hospital, na biblioteca.

O rapaz dizia que ele não dava trabalho nenhum, nunca reclamava de nada, tinha dessas mesas de comer, aonde ele colocava seu laptop, primeiro lia todos os jornais, depois, escrevia sobre algum assunto que lhe pedissem.

Ao mesmo tempo, estava escrevendo um livro, de como se sentir vencido pela doença, ele um homem que tinha andado meio mundo, coberto várias guerras.

Eu passava o dia no jornal, escrevia o que me mandavam escrever, o editor sabia que eu tinha um horário justo, pois tinha que correr para casa, para cuidar do John.   Ele ia sempre, invés de telefonar encomendado algum artigo, ia lá conversar com ele sobre o assunto.

Os deixava sempre sozinhos.  Tinha descoberto anos antes, que os dois tinham tido um romance quando jovens.

As vezes de noite me levantava, quando ele não encontrava posição na cama, lhe fazia uma massagem, aproveitava para sentir seu cheiro.

Um dia vi que tinha ficado excitado, lhe masturbei, lhe dei beijos na boca, assim realizava minha fantasia, ele primeiro ficou escandalizado, eu tinha 18 anos, era como seu filho, lhe disse que já era apaixonado por ele, antes mesmo dele ter nos acolhido, que o observava.

Não sentia vergonha do que fazia, lhe dava banhos ajudado pelo enfermeiro, era o único momento que ele reclamava, mas o câncer não remetia, já podia não ficar em pé.

Ele adorava o enfermeiro, me dizia que o fazia se sentir um homem outra vez, porque quando queria mijar, o levantava, o levava ao banheiro, o fazia ficar em pé, para mijar como um homem.

Tempos depois teria que ser com sonda, mas mesmo assim de noite, eu me deitava ao seu lado, ficava conversando com ele sobre o que tinham me pedido para escrever, lia para ele.

Se eu tivesse tido um filho, com certeza ia odiar a vida de jornalista.

Ainda fomos ver a exposição que lançava minha irmã, ela parecia a cada 15 dias, ficava um tempo, depois me dizia na cara, quando a levava caminhando ao ônibus, como eu podia aguentar, ver uma pessoa como o John definhar, se não seria melhor colocá-lo num hospital.

Ela imaginou que quando nossa prima morresse, herdaria a casa dela, a venderia para realizar seu sonho de ir para Paris, vencer como pintora.

Mas essa tinha dois irmãos, eles era os herdeiros naturais da casa, só apareceram no enterro, como em seguida venderam a mesma.

Mas por sorte sua exposição foi boa, vendeu basicamente tudo, eu não escrevi a respeito, pedi para um outro jornalista fazer.

Com o dinheiro da venda, ela nem pensou duas vezes, economizava o que John lhe dava para isso.  Lhe dei dinheiro também do que tinha no banco.  Agora ganhava a cada artigo que escrevia, ainda não era funcionário do jornal.

Voltei as aulas na universidade, tinha reescrito o livro sobre o Bruno, de uma maneira diferente, de um lado as fofoqueiras, que falavam que tinha matado a mulher, de outro lado o inspetor que não tinha encontrado nada errado, como sentia tudo isso, um capitulo sobre a enfermeira, que achava aquela mulher uma chata, por último o Bruno, que a princípio, estava tão acostumado a essa vida, que se sentiu perdido.

Mas claro transportei a história para NYC, para Little Italy, quando dei para o editor do jornal ler, claro, John leu antes, depois o Bruno num dos dias que veio visita-lo.

Aprovaram, o editor o mandou para um amigo, que tinha uma editora, logo saiu publicado.

Do meu curso, eu era o primeiro aluno a ter um livro publicado, já na quarta edição, elogiado pelos críticos, pela maneira como tinha montado a história.

John morreu dois dias depois que lhe entreguei o livro. Foi uma paulada na minha cabeça, estava tão acostumado a ele, que se fez um vazio na minha vida.

Briguei com minha irmã, pois disse que não podia vir, pois estava preparando uma exposição.

Quem ficou ao meu lado o tempo todo, foi o enfermeiro, o Bruno, além do editor.

Foi um enterro simples como ele queria.

Me deixou a casa de presente, dinheiro para mim e minha irmã, além de dinheiro para o enfermeiro, que chorou muito.   Acabaria confessando que tinha sido como um pai para ele, esse dinheiro era para ele realizar seu sonho de ser médico.

Eu segui vivendo na casa, não podia me imaginar em outro lugar.

Escrevi um livro, criei um personagem de um garoto que se apaixona, pelo homem que acaba de cria-lo.   Claro Bruno sabia que eu estava falando de mim.

Contava como o espiava saindo de casa no outono, com sua gabardine, que agora usava eu, seu chapéu, como ia trabalhar, eu fantasiava, que ele seria como um mago.

Depois quando nos acolheu, a vida que eu sonhava, me sentar naquela biblioteca, em que nada estava vedado, que eu podia ler o que quisesse.

O amor que sentia por ele, mas claro não toquei no assunto que eu o masturbava, lhe beijava, isso era minha vida intima.   O livro era uma forma de agradecer o que ele tinha feito por mim.

Mal acabei a universidade, Joel o editor, me mandou para Bruxelas, fazer uma matéria sobre a comunidade europeia.

Aproveitei fui por Paris, para ver minha irmã, dei de cara com uma desconhecida, levava uma vida desenfreada, tinha feito sucesso com duas exposições, agora, estava empacada.

Mas se negava a se mover de lá, segundo ela tinha conseguido montar uma família, como tinha sonhado, seu grupo de amigos artistas.

Só ela falava no nosso encontro, em nenhum momento tocou no assunto de John, no dia que fui embora, me disse que eu tinha saído ganhando, aquela casa imensa, só para mim.

Ele sempre gostou mais de ti, embora tenha me ajudado não posso negar, com o dinheiro que me deixou, pude comprar meu studio aqui. Mas nunca foi meu pai, para ti sei que sim.

Fui embora chocado com isso, era tudo tão material na vida dela, que não sabia o que pensar.

Em Bruxelas, era como um globo fechado, imaginem um jornalista americano, querendo escrever sobre eles, mas eu era bom observador, fiz contato com quase todas as pessoas que vinham de fora, deputados, depois fui com cada um deles ao seu pais de origem para ver como funcionava o que recebiam.

Voltei para casa, escrevi como sempre, duramente, sobre o assunto, analisando pós e contras do assunto.

Saiu num caderno especial do jornal.   Me acusariam de ser simpáticos com uns, duro com outros, mas claro era a visão de cada um.

Agora já era fixo no jornal, logo me tocou ir a Indonésia acompanhar um processo político.

Por sorte talvez, eu só cobri uma guerra, mas vi tanta merda, que disse que passava de escrever sobre a mesma coisa que todos viam.

Eu tinha conseguido que o Bob, o que era enfermeiro, ficasse morando lá em casa, ele usava o quarto que tinha sido de minha irmã, assim enquanto estava fora, alguém cuidava da mesma.

Ele estava diferente, era como se tivesse saído de um casulo, me disse que John tinha conseguido que ele realizasse seu sonho, se fazer médico.

A vida tem suas surpresas, eu várias vezes tinha ido almoçar com o Joel, como diretor do jornal, que sempre elogiava meu trabalho.

Joel estava a ponto de se aposentar, no último ano tinha lidado com um câncer duro, mas estava bem, passei a ser seu braço direito, pois tinha dias, quando tomava a radioterapia ou outro tratamento não podia sair de casa.

Eu ia até lá levando tudo, para rever com ele, me obrigava a tomar decisões, mesmo substitui-lo.  O homem com que ele vivia a muitos anos, não aguentava muito a situação, era um advogado, arrumou foi gente para cuidar dele, ia tentando levar sua vida.

Um dia cheguei, encontrei Joel chorando, o outro tinha ido embora, tinha encontrado outra pessoa mais jovem.

Ele me disse que a única pessoa que realmente tinha amado na vida tinha sido o John, mas ele queria ser livre para ir pelo mundo, mas sabia que depois seria preso, pela mãe, depois pelo problema de caminhar.

Graças a deus teve em ti o filho que sonhava, quando estávamos juntos falávamos sobre isso.

Por sorte Joel, superou tudo isso, voltando a trabalhar, mas mesmo assim segui como coeditor.

Quando falavam de mim, todo mundo dizia que não entendia, pois eu poderia morar num bom apartamento em Manhattan, mas vivia na casa que tinha sido do John.

Eu soltava, para viver aqui, teria que trazer a minha biblioteca, isso custaria uma fortuna, teria que ser um loft imenso, quando tinha que ficar alguma noite, dormia na casa do Joel.

Um dia ele comentou, que nos tinham visto jantando num restaurante, o comentário era que sorte ele tinha de ter um amante tão jovem.

Na hora fiquei parado, eu o respeitava muito, mas nunca tinha imaginado nada disso, nunca mais tinha gostado de ninguém.

Bob dizia a mesma coisa, que muita gente lhe dizia que tinha sorte, de ter uma casa, um amante tão bonito, mas não sentia nada a respeito disso.

Nessa época tive que correr como um louco para Paris, minha irmã estava internada, tinha tido um surto psicótico, os médicos diziam que era devido as drogas que tomava.

Me lembrei muito do John e da prima, falando sobre o assunto com ela.

Nem sequer me reconheceu, fui descobrir que não tinha um duro no banco, que levava uma vida de festas, falei com o Bob, a solução era um hospital para isso.

Foi duro ter que traze-la, vendi o seu studio, bem como mandei embalar todas suas coisas,

Guardei na garagem no fundo de casa que servia para isso.

Levou anos para voltar a pintar, mas nunca mais saiu do hospital, tinha medo do mundo, só voltou a me reconhecer mais de cinco anos depois.   Um dia se virou para mim, dizendo você é o raro do meu irmão que vive para escrever.

Fora disso, me chamava de senhor.

Um dia olhei no espelho, nunca prestava atenção, mas no dia anterior, um dos amigos do Joel, comentou, que com a idade, com meus cabelos brancos eu ficava cada vez mais bonito.

As vezes me encontrava com o Bruno na ruas, vinha para sair com o Bob, tinham ficado amigos.

Tudo o que eu queria era chegar em casa, tomar um banho, colocar meu pijama, ficar sentado na poltrona que tinha sido do John, pensando ou sonhando acordado como ele dizia.

Já tinha escrito uma série de livros, com relativo sucesso.

Um dia fui fazer o lançamento do último deles, em San Francisco, quando um rapaz se levantou, me perguntou sobre minha trajetória, se era verdade o que falavam de mim.

Parei, fiquei olhando para ele, soltei, nunca tive tempo para pensar no que falavam de mim.

Me conta por favor.

Ele começo contando que eu tinha sido amante do John, que esse era um pédofilo, que me tinha sobre suas asas, mais uma série de sandices.

Lhe perguntei de aonde tinha tirado essa ideia, mas mais ou menos já sabia. Era o jornalista que acabei roubado seu cargo.

Nada mais longe da verdade, perguntei se ele era jornalista, me disse que sim, espere que darei uma entrevista contando minha vida.

Ficaram ele, mais uns quantos, contei minha vida, como conheci o John, se tiver algo pervertido na história, seria eu, que o observava indo trabalhar, repetir a história que sempre falava.

Criava uma fantasia a respeito, quando ele me adotou, não só a mim, como a minha irmã, o que me deslumbrou foi sua biblioteca, que lá está, claro hoje maior, pois tive que a expandir pelo corredor da casa.

Tinha encontrado meu lugar ideal para viver.   Quando me levou a primeira vez ao Jornal, eu pensei, aqui quero viver e trabalhar, então sem querer ele mostrou o mundo que eu queria para mim.

Eu hoje em dia mal me lembro da cara do meu pai verdadeiro, só tenho uma foto dele, com minha mãe no dia do casamento, que era o que ela tinha, ele se suicidou sentado no telhado do edifício que vivíamos, no quartel, estou escrevendo um livro sobre esse assunto, como voltam nossos soldados, sem estrutura para o que vão ver.

Mas o John me via como o filho que ele queria ter tido, eu o via como o pai perfeito, pois com ele podia falar qualquer assunto, discutir sobre o que estava escrevendo, hoje tenho o Joel, o editor do jornal, que faz esse papel, embora estou ficando velho para isso.

O rapaz veio falar comigo depois, disse que tinha sido seu pai que tinha falado mal dele, reclama sempre que roubaste seu lugar.

Quando voltou a NYC, mandou para ele, as duas reportagens, como tinha escrito seu pai, como tinha feito ele.

O rapaz tinha escrito sobre a entrevista, mas que com essa reportagens, ele agora entendi o pai, um sujeito que nunca era culpado de nada, que vivia trocando de jornal, como quem troca de camisa, agora escreve num jornal desses de bairro.

Chamou o rapaz, para fazer um estagio no jornal.   O guiou de outra maneira, estava fazendo com ele, o que o John tinha feito.

Quando este se declarou a ele, pediu desculpas, mas o via como seu filho, não queria um romance com ele.

Logo voltou a convite de um jornal para San Francisco.

Quando Joel se afastou definitivamente do Jornal, ele assumiu seu lugar, ria com o Bob, dizendo que nem tinha tempo para se coçar, que seus momentos de gloria, era quando chegava em casa.

Bob agora fazia especialização na área que tinha sonhado.

As vezes se encontrava no barco indo para casa, iam conversando, o Bruno tinha sumido, lhe perguntou a respeito.

Ele riu, o Bruno concordou em se casar, para assim esconder que era gay, mas nunca conseguira assumir isso, tem medo de que falem dele.   Mas na verdade, saímos juntos nada mais, ele sabia que eu amava outra pessoa.

Estavam nos fundos do barco, olhando Manhattan ao fundo, toda iluminada, Bob segurou sua mão.  Nunca entendeste verdade, eu gostava do John, sabia que o amavas, nos dois sempre tivemos uma ligação, mas me tens como teu amigo.

Nessa noite experimentaram, ele riu muito, pareces uma criança na cama, teve que ser honesto nunca tinha feito sexo realmente com ninguém.

Bob ficou de boca aberta, bonito como eres.

Nunca percebi quando as pessoas se interessavam por mim, estava mais preocupado com outras coisas.

Passaram do dormir juntos, as vezes ele sentia uma paz profunda quando estava nos braços do Bob.

Houve um problema no jornal, resolveram vender o mesmo, ele pensou muito, tinha dinheiro suficiente de seus livros, nem tinha tocado ainda no dinheiro que o John tinha deixado para ele, mesmo o do apartamento da irmã em Paris, ele tinha aplicado, servia para pagar seu hospital.

Agora ia sempre vê-la com o Bob, sabia que ela nunca sairia de lá, pois volta e meia tinha recaídas.

Conversaram os dois, ele pediu a demissão do jornal, não queria ficar no meio de uma briga pelo poder, mas seguiria escrevendo para eles, ou qualquer outro meio de divulgação.

Logo lhe procuravam, lhe pediam um artigo, assim não fico enferrujado, dizia.

Foi quando um dia conversando numa visita a irmã, ela falou do que tinha sentido, ele não se lembrava disso, de ver seu pai morto, no telhado do edifício que viviam.

Da reação de sua mãe, da prima, a mudança de cidade, para ele, era como se tudo isso tivesse passado em brancas nuvens.

Nessa noite teve um pesadelo, despertou gritando, pois via o pai pendurado no telhado sem cabeça.

Foi procurar um psicólogo, esse disse que ele tinha guardado no fundo de sua mente tudo a respeito, mesmo sua irmã nunca tinha falado nisso, era como se uma caixa de pandora, tivesse se aberto.

Ele que nem se lembrava da cara do pai, sentado na velha poltrona, ia se lembrado de detalhes, quando ele chegava de algum lugar.

Mas tampouco podia perguntar a prima, pois esta estava morta.    O jeito foi falar com um amigo jornalista em Washington para saber como conseguir os documentos relativos ao seu pai, queria saber as missões que ele tinha participado, bem como detalhes de sua morte.

Este lhe conseguiu uma entrevista, com um coronel, conhecia teu pai, lhe avisou, estava nessa última missão dele.

O homem o atendeu constrangido, ele como bom observador que era, lhe contou o que se passava, como de repente sua irmã tinha se lembrado de detalhes, o mesmo acontecia com ele, se lembrava de seu pai caído na beira do telhado, sem cabeça.

Depois comentou, tinha se lembrado de estar do outro lado da rua, as pessoas pedindo que ele descesse, que alguém tinha subido por dentro, ele quando sentiu a presença do outro, enfiou a arma na boca, dando o tiro.

No seu dossier não consta nada disso, sequer aparece como tinha essa arma, pois quando as pessoas estavam no quartel, por ser uma parte que residiam família, não andavam armados.

Lhe deu as três últimas viagens dele, nada mais.

Saiu sem graça de lá, estava no estacionamento, quando o coronel, apareceu do nada, conduzindo o carro, pediu que ele subisse.

Dali foram a um lugar retirado, sem querer me fizeste lembrar, de coisas que fiz tudo para esconder no meu subconsciente, mas dentro do Pentágono, não posso falar.

Essa última missão, seu pai tinha treinado o pessoal, era meu ajudante, um dos rapazes, era muito imaturo, teu pai o protegia.

Vinhamos de Bagdá, para o interior, acompanhando um carregamento de comida para um batalhão, quando fomos atacados, no meio do tiroteio, tivemos que nos dispersar.

Ao lado da estrada, tinha uma pequena vila de poucas casas, buscamos refúgios lá, demos de cara com que estavam todos mortos, mulheres, crianças, velhos, homens não havia nenhum.

Numa da casas, se via que era uma coisa do momento, encontramos esse rapaz, de joelhos, amarado num tronco que fazia de sustentação da casa, tinham lhe cortado a cabeça, está estava nas suas mãos, amarradas de tal maneira que se sustentavam.

O retiramos dali, levando os três, ao final, quando voltamos aonde estava a caravana, tudo estava destruído, por sorte chegou um destacamento, mas todos os jovens que teu pai tinha treinado, estavam mortos, fomos recolhendo todos por ali, alguns tinha retirado os olhos, na verdade tinham feito barbaridades, com jovens que nem barba tinham.

Só voltamos os três, me lembro como se fosse hoje, teu pai não disse uma palavra a viagem inteira, ele se suicidou no mesmo dia que chegamos, sinceramente não sei de aonde tirou essa arma, só sei que era a que ele usava, ou não a entregou.

Eu e esse nosso companheiro subimos a escada, quando todo mundo olhava do outro lado da rua, sua mãe tentava que vocês não olhassem, mas quando chegamos lá em cima, abrimos a porta gritamos por seu nome, ele colocou a arma na boca atirando.

Tanto que no enterro seu caixão estava fechado.  Não sei o que lhe passava na cabeça, eu o conheci nessa viagem.   Engoli tudo para seguir em frente, mas perdi minha família.

O outro, chegou a tenente, mas saiu do exército, sei que vive no Novo Mexico, no meio do nada, num trailer nada mais.

Lhe deu o nome e o número do celular do outro, quando quase um mês depois conseguiu fazer contato com ele, disse como poderia ir.

Bob queria ir com ele, mas acabou indo sozinho.   Nas vésperas de ir, foi visitar sua irmã, ela tinha feito um desenho de como tinha visto o pai sem cabeça pendurado.

Contou para o psicólogo, tudo que tinha descoberto, ele ia tentar ver o que ela sabia, já que era a mais velhas.

Tomou um avião até Santa Fé, encontrou um homem o esperando, era como se o tempo tivesse parado, se lembrou de seu nome, o chama de tio quando era criança, sua família vivia ao lado deles.

Foi com ele até aonde morava no meio do deserto, perdi por culpa do exército, das minhas neuroses, minha família, um filho, continua vivendo em Washington, minha filha vive na China, dando aulas, em Hong Kong.

Disse que tinham estado em várias missões, lhes tocava treinar os rapazes que tinham saído sabe-se lá de aonde.   Muitos na verdade nem tinham idade para estar no exército, pois mentiam para serem admitidos, claro nesse ponto o mesmo fecha os olhos, necessita de buchas de canhão para suas coisas.

A cabeça de teu pai, começou a não estar bem, numa missão anterior, por algum motivo, ele estava com febre, quem levou os rapazes, foi um coronel, que era louco completamente, não sobrou nenhum, dois dias depois conseguimos chegar aonde eles estavam, num vale, tinham feito horrores com todos eles, teu pai, fazia o que tínhamos que fazer, com os outros, mas chorando, pedindo desculpas, como se ele fosse o culpado de tudo.

Passou dias sem falar, tivemos que ajudar a preparar os caixões, para os devolverem para suas famílias, isso os documentos soubesse de aonde tinha saído, a maioria era de orfanatos, outros não tinha nada no lugar.   O voo, chegava de madrugada, assim ninguém via a quantidade de caixas que trazíamos, uma amontoada em cima da outra, sem respeito nenhum.

Ele reclamou disso com um coronel, esse o mandou calar a boca, acatar as ordens.

Me lembro como se fosse hoje, ele soltou na cara do mesmo, que esperava que seu filho voltasse assim, aí ele aprenderia o que era bom.    O homem riu, com a boca torcida, que transformava sua cara numa mascara, que felizmente ou infelizmente só tinha produzido uma mulher.

O mesmo morreu anos depois num confronto no Afeganistão, eu sei por que estava, fiz questão que colocassem seu caixão embaixo de tudo, que os dos soldados ficassem por cima.

Era minha forma de vingança, mas depois tive que sair, não podia mais, já não tinha família, o jeito foi vir para cá de aonde sai, mas tampouco tinha mais nada da minha família.

O trailer era perfeito, tudo em seus devidos lugares, limpo, me disse que uma vez por semana ia até a cidade para comprar comida, com seu salário de merda, levava tudo para lavar, a areia penetra em tudo.

Todas as janelas, estavam tapadas por dentro e por fora, mas mesmo assim eu vi de noite como entravam.

Me surpreendi, como esse homem bebia até cair, mas mesmo assim tinha pesadelos de noite.

Escrevi um livro sobre isso, o exercito não gostou, mas caguei para o assunto.

Minha irmã, passou a se lembrar de coisas que nossa mãe dizia, depois que ele morreu, como alguém podia viver com uma pensão desta, ela conhecia muitas outras mulheres na mesma situação, ela sem preparo nenhum teve que aceitar os empregos que lhe apareciam, cuidar de pessoas que estavam loucas, ou com alguma doença incurável, como a mãe do John.

Depois a mulher do Bruno, essa ela teve que deixar, pois o médico exigia uma pessoa com experiencia para aplicar morfina.

Minha irmã disse que nossa mãe tinha um diário, que fazia na época que nosso pai estava fora, anotando nosso progresso como crianças, para ele ler quando voltasse, um dia furiosa queimou o mesmo.

Nunca tocava no assunto, preferia escutar sua prima contando suas aventuras, do que falar em qualquer coisa relativa a ele.

Quando a prima sugeria que devia sair, arrumar um marido, se negava tranquilamente, dizendo que já tinha bastado uma vez, que duas era besteira.

Bob lia tudo que eu escrevia, chegava do hospital, sentava-se ao meu lado, lia o que já tinha escrito, foi quando falou da sua vida.

Seu caso era relativamente similar, seu pai era da policia de NYC, morreu em ato de serviço, deixando sua mãe com 4 filhos para criar, foi um deus nos acuda, pois o dinheiro nunca dava para nada, o jeito foi ela ir distribuindo os maiores, em casa de parentes.

Eu fui parar na casa de um irmão dela, que não tinha filhos, sua mulher na verdade odiava crianças, me maltratava, se eu reclamava, contava para ele que eu não sabia me comportar, viviam me ameaçando de me mandar para um orfanato, até que fugi, voltei para casa, minha mãe tinha se casado novamente, com outro policial, um alcoólatra, foi como sair de um inferno para outro.

Mas aguentei firme, nunca pude realizar meu sonho que era estudar medicina, por isso fiz enfermaria, pois tinha que trabalhar.  Graça a deus John me deixou dinheiro para isso.

Levamos vivendo juntos muitos anos, ele nunca me conta o que acontece no hospital, pois diz que seria uma maldade, que eu já vivo com a do mundo inteiro.

Mas nos damos bem.  Sigo escrevendo para várias revistas, me chamam para falar dos meus livros, principalmente sobre meu pai, acabo escutando histórias piores que a minha.

O psicólogo acha que de uma certa maneira, isso tinha a ver com minha irmã, ela tinha construído um mundo todo seu, por isso na casa do John vivia a maior parte do tempo fechada em seu quarto, ele só a obrigava a limpar o mesmo.

Mas nunca entramos nele, quando se mudou para NYC, tinha muitas caixas fechadas, que estavam na garagem.

Tomei coragem um dia, fui abrindo as mesmas, eram muitos diários, falando do que tinha acontecido, nunca entendia por que nossa mãe não falava no assunto.

Tinha um que falava do John, porque na época se falava de um abusador de menores.

Foi para sua casa desconfiando, inclusive dizia que preferia que nos separassem, cada um para um orfanato, embora tivesse acabado aceitando, porque nossa prima a convenceu.

Falava como eu olhava, com adoração, no fundo era o pai que me faltava, mas ela não se enganava, John amava a tua inteligência dizia, tinhas a mesma paixão que ele.

Quando falou com ela no assunto, riu perguntando se tinha encontrado seus diários.  De uma certa maneira tinha inveja de ti, pois conseguias ter um pai que te amava.    A mim me incentivava a realizar meus sonhos, eu pensava que isso era uma maneira de ter a ti só para ele, por isso fui me afastando, no dia que nossa prima desapareceu no 11S, perdi a ligação com tudo.     Depois fiquei muito tempo sem os ver, até me surpreendeu que ele viesse em cadeira de rodas ao vernissage, ele odiava que as pessoas o vissem assim.

Pois ali estavam pessoas que ele conhecia, falou bem de mim para todo mundo.

Mas estava era orgulhoso de ti, assim fui para Paris realizar meu sonho.

Pior foi que consegui, uma garota que ninguém sabia de aonde tinha saído, conseguia triunfar na sua primeira exposição, não digo da segunda, depois me deu um branco total, nem sabia mais quem eu era, o resultado está aí.

Nesse dia o psicólogo que a atendia, disse que andava muito fechada em si mesma.

Nas visitas seguintes, por mais que falasse com ela, respondia com monossílabos, os famosos, sim, não, está bem.

Um dia não despertou.

Eu a tinha visto no dia anterior, fazia um dia maravilhoso, a levei para passear no jardim, ela ficou olhando para cima todo o tempo, falou uma coisa que me impressionou, para aonde será que vamos.

Na hora não me toquei, mas depois essa pequena frase ficou na minha cabeça “para aonde será que vamos”.

De uma certa maneira comecei a procurar uma resposta, Bob, ria, se o homem não encontrou nada até hoje, do que acontece depois da morte, não serás tu que acharás.

Sonhei com minha mãe um dia, linda, como eu me lembrava de criança, me dizendo que minha irmã, estava bem, um dia eu saberia como era o outro lado, mas teria que esperar.

Mal sabia que perderia o Bob antes, ele numa emergência teve que sair com uma ambulância, essa ficou presa no meio de um tiroteio da polícia.

Não puderam fazer nada por ele, quando chegou mais policiais, tinha morrido, levou um tiro.

Ele que nunca tinha querido entrar para a polícia, para não ter o mesmo fim do pai dele, acabou da mesma maneira, metido num tiroteio.

Isso que nem gostava de ver filmes ou séries de policiais, o deixavam nervoso.

Perdi com isso meu companheiro, a família o quis levar, mas não permiti, o enterrei com os meus, afinal ele era minha família, tínhamos nos casado a meses, numa intimidade total.

Os irmão queriam saber se ele tinha dinheiro, quando viram a minha casa, expliquei que a casa era minha, desinflaram, não tinham direito a nada.

Ainda escutei, anos sem saber desse filho da puta, resulta que era gay.

Os coloquei para fora de minha casa.

Agora ando por ela, como se fosse um fantasma, minhas pessoas queridas morrem cedo demais, as vezes me vejo falando com John como se ele estivesse ali, não tenho quem leia os meus artigos, fiz uma coisa, fui ao banco, ainda tinha um bom dinheiro lá, deixei a casa e tudo isso para um orfanato, quem sabe assim ajudava alguma criança.

Preparei minha morte cuidadosamente, como queria tudo, inclusive, fui escolher um caixão, como queria ser cremado, enfim.  Ao advogado lhe entreguei uma carta com tudo organizado.

O resto foi fácil, quando me encontrarem não terão trabalho nenhum.

 

 

 

 

 

 

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