CAMISA LISTRADA
Zé Oliveira, como era conhecido, se vestiu
rindo, sem querer tinha escolhido para a viagem de retorno ao Brasil, uma
camiseta listrada, dessas que se usam na Bretanha, em sua cabeça apareceu de
repente Carmen Miranda, cantado a mesma.
Desceu com sua bagagem, o resto, livros,
coisas que tinha juntando nesses quase dez anos fora do Brasil, já tinha
despachado, deu uma ultima olhada no apartamento pequeno, mas simpático como
diziam os poucos amigos que tinha, aonde tinha sido imensamente feliz,
realizando seu sonho. Voltava porque
Zeca Duarte tinha lhe chamado dizendo que tia Anastácia, na verdade se chamava
Ana, não estava bem, de qualquer maneira ele já tinha decidido voltar.
Perguntou se aguentava mais uma semana, ele
disse que sim, a cuidaria.
Por incrível que pareça Zeca Duarte era a
Yao de Tia Anastácia, era seu faz tudo, da mesma maneira que ela o tinha
defendido, quando sua família queria o expulsar do morro, por ter um romance
com um rapaz rico.
Zeca Duarte podia ter caído na má vida,
porque era um tipo bonito, mas infelizmente como ela dizia, inocente, ao mesmo
tempo todos queriam se aproveitar dele.
Mas com ele na casa de santo, ninguém se
atrevia.
Ele a venerava, bem como Zé Oliveira, para
todos os efeitos seu filho.
Zé tinha nascido ali, na casa de santo
dela. Um dia apareceu por lá uma garota
de uns 15 anos, com uma barriga imensa, loira de olhos azuis, linda,
perguntando se ela não a podia ajudar a abortar.
Tia Anastácia fez o maior escândalo, como
vais abortar, se estás prestes a parir.
Tenho que voltar para minha cidade, se vou
assim, minha família me mata.
No que tia Anastácia colocou a mão na sua
barriga, rompeu águas, não havia tempo de chamar um ambulância, ela olhou para
o lado, lá estava o Exu Bará, esse lhe disse em sua cabeça, não podia deixar
essa menina parir na rua, com certeza ia jogar o garoto no lixo.
Ele é meu filho predileto.
A menina dizia, esse homem que está aí, me
fez subir até aqui, dizendo que a senhora podia me ajudar.
Dito é feito, foi um parto indolor como
dizia tia Anastácia, quando em menos de 20 minutos ele nasceu, depois ela diria
sempre que por isso, com ele tinha que ser tudo imediatamente.
Nada para depois, ou daqui a pouco, tinha
que ser no momento.
Ela teve que rir, pois o garoto se parecia
a sua mãe, a não ser pelo nariz que lhe delatava, o pai devia ser algum mulato.
A mãe em seguida, caiu dormindo, ele sabia
que uma das vizinhas tinha parido a pouco tempo, seu bebe, infelizmente não
tinha sobrevivido, mandou chamar a mesma, que em seguida tirou seu enorme peito
cheio de leite para fora.
Tia Constantina, como ele a chamaria sempre
foi sua mãe de leite, pois no dia seguinte a menina tinha desaparecido.
Tia Anastácia diria depois que o Exu Bará,
queria o menino ali, o jeito foi chamar uma conhecida que era assistente
social, que conseguiu que ele fosse adotado por ela, se vai para um orfanato,
será uma merda, estão todos cheios, estou sempre com problemas, pois alguns são
adotados, para depois sofrerem abusos, esse garoto é lindo.
Tudo dele sempre seria pelas amizades, além
dos favores que as pessoas deviam a tia Anastácia.
Ninguém sabia dizer de aonde ela tinha
saído, um dia chegou na casa de santo, que era de um tal Domingo, foi ficando,
segundo ele, ela tinha vindo para substitui-lo, o mais interessante, que era
branca, loira, com os olhos castanhos, quase verdes.
O pessoal a respeitava, afinal ela tinha
Exu Bará na cabeça, os traficantes, queriam distância dela, embora quando algum
tinha algum problema corria para ela. Mas ela fazia o mesmo entrar para dentro do
terreiro, nu, mandava preparar um banho de descarrego, só então atendia o
mesmo.
Um foi dizer que ela tinha lhe fechado o
corpo, fez um escândalo de fazer gosto, que isso era mentira, isso de fechar o
corpo era conversa para boi dormir, Exu Bará, fez o sujeito passar uma semana
sentado no trono, com diarreia.
Nunca mais falou nada, passava longe do
terreiro.
Se alguém chegava lá embaixo da Favela de
Santa Marta, perguntava por Tia Anastácia, alguém ajudava a pessoa chegar lá em
cima, porque era muita subida, era a última casa, justo aonde começava o resto
da floresta que existia ali. Seu Iroco,
era uma árvore velha, centenária diriam alguns devia ter estado sempre aí, o
troco era imenso. Mas nada de encherem
de comida, como ela dizia, que acendesse uma vela, ensinava as pessoas a
fazerem, cavar um pouco de terra, colocar a vela no meio do buraco, nunca se
sabia, podia tocar fogo no resto.
Ela dizia que ele tinha crescido como um
relâmpago, de pequeno, seu companheiro de brincadeiras era o Exu Bará, pois o
via sempre, um dia devia ter uns três anos, ela o pegou falando com ele, em
Yoruba, se matava de rir, pois tinha aprendido Yoruba, antes que o português.
No fundo parecia filho dela, com os mesmo
cabelos loiros, crespos, muito branco, com muitas sardas.
Exu Bará tinha falado com ela, nunca irás
parir, tinha que fazer esse garoto chegar aqui, por outras vias.
Logo ele descia para ir ao jardim de
infância, na parte mais baixa dali, quem o levava era tia Tina, como ele
chamava a Constantina, ela se matava de rir, ela ia limpar casa dos outros, na
volta o levava para cima, assim tia Anastácia, tinha tempo de atender as
pessoas, que a procuravam, tranquila.
Ele foi esticando, quando chegou a época de
ir à escola, ela desceu, colocou sua melhor roupa, que estava num armário
velho, com naftalina, deixou fora se arejando durante a noite, para tirar o
cheiro. O vestiu com suas roupas que
sempre estavam curtas, foi em direção a uma escola ali ao lado, a Escola Alemã
Corcovado. Ela conhecia a diretora, bem
como algumas professoras, que tinham subido procurando ajuda para algum
problema.
A diretora ficou encantada, pois ele sabia
ler e escrever perfeitamente, tinha uma caligrafia perfeita, ninguém sabe de
aonde tinha Anastácia tinha tirado aqueles velhos cadernos de caligrafia, o
fazia escrever, copiando um livro que tinha, um especial que ela lia e relia,
Don Quixote de Cervantes.
Ele sabia décor certas páginas, quando a
senhora viu o caderno, lhe perguntou que parecia esse personagem.
Ele soltou, que o Bará tinha lhe explicado,
que era o louco mais certo do mundo.
Tia Anastácia não o deixou explicar quem
era o Bará.
Ela comprou o uniforme, ele começaria a ir,
assim que começasse o ano letivo, depois ia ser uma complicação, pois ele
crescia demais.
Uma coisa que gostava, uma vez por mês, tia
Anastácia, fazia uma gira com seus poucos filhos de santo. Ele adorava ficar ao lado do Ogan, marcando
ritmo, as vezes lhe chamava atenção, pois o mesmo estava de olho em alguma
rapariga, perdia o compasso.
Ele não incorporava, mas sabia todas as
danças, quando ela o permita, se colocava na roda cantando, dançando, adorava
isso.
Na parte baixa tinha uma escola de samba,
GRES Mocidade Unida de Santa Marta, que sempre esteve no grupo B, ora acima
como campeã, ou desclassificada, mas nunca desistia, ele com 15 anos, pedia
para sua mãe postiça se podia ir, Bará diria, não se preocupe vou junto.
Ele descia com os meninos de sua idade, com
quem jogava futebol, nenhum traficante ousava se aproximar dele.
Desceu como um louco, a batida da bateria
já mexia com seu coração. Todos riam
dele, aquele garoto mais branco que a neve, cheio de sardas, dançando no meio
dos meninos negros, mas ele era o melhor, como diziam era o Bam, Bam, Bam, parecia
que estava incorporado, suava como um louco, depois subia feliz, sabia sempre o
samba enredo na ponta da língua.
Na escola alemã, tinha não só aprendido o
alemão, como era excelente aluno em inglês e francês, além de tirar basicamente
sempre as melhores notas da escola.
Com 17 anos estava pronto para a
universidade, a diretora da escola, arrumou uma bolsa de estudos para ele,
primeiro lhe perguntou o que queria estudar.
Se surpreendeu que ele lhe respondesse
imediatamente, quero ser médico, para ajudar as pessoas.
Então vais fazer o vestibular, se passares,
consigo uma bolsa de estudos para ti.
Ele passou entre os primeiros, um dia ela
avisou tia Anastácia para descer, ela tirou sua velha roupa guardada, da outra
vida como ela dizia, fora de moda, mas a diretora disse que fosse vestida de
mãe de Santo.
Lá foi ela com sua melhor roupa branca,
presente de uma filha de santo, com um turbante amarrado em homenagem a Exu
Bara, desceu de braço com ele.
Lá embaixo a esperava o carro da diretora,
uma alemã, que tinha vindo jovem para o Brasil, foram para a Avenida Viera
Souto, num dos edifícios mais finos da época.
O porteiro, disse que ia estacionar o carro
para elas, ao mesmo tempo que fazia uma reverencia a tia Anastácia.
Quando subiram, ele ficou de boca aberta
com o apartamento, foram atendidos por um mordomo, um negro de dois metros de
altura, vestido com um bom traje de linho.
Os levou a biblioteca, lá estava um senhor,
que era difícil dizer a idade. Este se
levantou, andou em volta dele, começou a fazer perguntas em alemão, depois
passou para o francês, falou de literatura, pois viu que ele estava com os
olhos abertos devorando os livros ali.
Ele furou o cerco do homem, se aproximou da
estante mais perto do cadeirão aonde ele estava sentado, tinha visto um volume
de Don Quixote, em francês, pediu licença, o retirou, alisou o livro, começou a
ler em voz alta um trecho qualquer.
Não sabia que tinha uma edição em francês, o
li primeiro em português, que era o que minha mãe tinha em casa, depois na
escola, li em espanhol.
Gostas?
Sim, eu analisei mil vezes esse personagem,
todo mundo lê, diz que ele estava louco, mas não acredito, ele apenas nasceu
fora de época, hoje seria dado como uma pessoa inteligente, que via o mundo de
outra maneira.
O velho fez um sinal, para ele se sentar na
frente dele.
Começou a perguntar para ele, dos
escritores franceses, alemães, segundo a diretora, eras o aluno que mais
visitava a biblioteca.
Sim, porque não sobra lá em casa dinheiro
para comprar livros estrangeiros.
Por que queres estudar medicina?
Assim posso ajudar as pessoas, vejo lá na
favela, o pessoal só pode ir à urgência, as vezes até morre lá mesmo, sentado
num banco esperando ser atendidos.
A conversa era só entre os dois, o mordomo,
chegou acompanhado de uma senhora, que ele conhecia, vivia lá no morro, ela
vinha com uma bandeja imensa dessas de prata, ele se levantou a foi ajudar a
colocar em cima de uma mesa de centro.
Ela lhe agradeceu, lhe dando um belo
sorriso.
Se inclinou para Tia Anastácia.
Então o velho começou a falar com ela,
ficou surpreso que ela soubesse francês.
Estudei no meu tempo de jovem, mas esse
menino, me faz estudar com ele, tem dia como digo que ele levanta com o pé
alemão, procura falar o dia inteiro nessa língua, outro dia é o francês.
Ele se justificou, assim uso o que aprendo.
Devias sim estudar línguas.
Ele argumentou que com línguas não sabia se
podia ajudar as pessoas.
Só se fizesse as duas ao mesmo tempo, mas
claro eu preciso trabalhar para levar algum para casa, minha mãe, depende de
suas consultas, dos filhos de santo, então não posso falhar.
A senhora que estava ali, servindo o café
para as outras, soltou, ele sempre está na parte baixa, ajudando as senhoras
que voltam do trabalho, levar as compras para cima, assim ganha alguma moeda,
verdade filho.
O velho ia escutando tudo, sua cara como
diria a diretora da escola, era impenetrável.
Muito bem disse ao final, lhe pago para
fazer as duas universidades, bem como lhe darei uma mesada para se virar, mas
terás que vir me visitar sempre, prestar contas dos gastos com o Ernesto, te
aviso ele é duro na queda.
Ernesto era o mordomo, acabou virando seu
amigo também, pois um dia disse que ele tinha que vir aos ensaios da escola de
samba, ele diria depois que fazia anos que não se divertia, agora subia também
uma vez por mês, para falar com tia Anastácia, bem como levar um envelope
fechado, com a mesada do Zé.
Tina dizia que ele era apaixonado por tia
Anastácia, essa se matava de rir, sou mãe de santo, nunca me sobra tempo para
romances.
Lá foi ele, estudar, de manhã, se levantava
muito cedo, tinha que pegar uma ônibus até o aterro, outro, para o Fundão, ia a
escola de Medicina.
De noite ia a uma outra ali em Botafogo
mesmo, estudar filologia, como diziam os professores das duas universidades,
esse rapaz, absorve tudo.
No segundo ano de Medicina, ele arrumou nas
férias para trabalhar na urgência do hospital universitário, que atendia o
pessoal todo do subúrbio, além da Ilha do Governador, da favela da Maré.
Ele se sentia um peixe dentro da água, os
professores o fiscalizavam, a cada paciente ele atendia como se fosse uma
pessoa importante, se lhe chamavam de doutor, ele soltava que se chamava Zé
Oliveira.
Quando via as pessoas se abriam com ele.
Quando não estava fazendo nada, dava uma
volta pela sala de espera, ia escolhendo as pessoas que estavam ali, algumas
nem tinham vindo para consulta, mas acompanhavam alguém, mas ele via alguma
coisa que os outros não viam.
Não ia contar que ia com o Exu Bará ao
lado, ele sinalizando quem estava doente.
Só dizia, não sou médico, mas vejo quando
uma pessoa está com problemas.
No terceiro ano da faculdade, o pessoal
tinha uma certa inveja dele, pois as vezes um professor soltava o caso de um
paciente que ele tinha atendido.
A grande maioria que estava ali, ou vinham
de fora, filhinhos de papais, com um bom apartamento em Copacabana, ou Ipanema,
queriam nas férias cair na gandaia.
Ele só não perdoava era no sábado, deixar
de ir ao ensaio da escola de samba, além do carnaval, desfilar com sua escola.
As grandes o convidavam para ser passistas
da mesma, mas ele dizia que não, era dali mesmo, aceitou a muito custo sair um
dia na São Clemente, porque lhe encheram o saco.
Mas depois reclamou, tenho que estudar, estava
outra vez na urgência do hospital.
No ano seguinte, Ernesto arrumou para ele fazer
práticas, no Hospital Federal da Lagoa, com um movimento louco, chegava no
morro, caia duro na cama.
Quando aparecia um cliente estrangeiro,
corriam logo para ele.
No último ano, foi para o hospital
Municipal Miguel Couto, os médicos com que ele trabalhava adoraram, inclusive o
arrastavam para operações, que já era uma especialização.
Mas todas as semanas ia visitar Monsieur
Pierre Saint-Malo, chegava lhe tirava a pressão, analisava bem o mesmo, esse
dizia, meu filho, se os alemães não conseguiram me matar, ninguém vai
conseguir, me querem para semente.
Através do Ernesto descobriu que ele não
tinha filhos. Mas depois se sentava com
ele, este lhe entregava o último livro que tinha recebido da França, assim ele
lia nos seus momentos, ia anotando num bloco o que gostaria de comentar,
colocava essas folhas no meio do livro.
Um dos seus professores no hospital ria,
porque se ele não atendia ninguém, estava lendo.
Curioso, se aproximou, quando viu que ele
lia em francês, riu muito, dizia que ele sendo filho de francês, quando muito
lia o jornal Le Monde, pela internet, que seus filhos nem sabiam dizer Bon
jour, eram uns mal-educados, péssimos alunos.
Esse o tomou sobre suas asas, no ano
seguinte o arrastou para trabalhar na Clínica San Vicente, mas ele não deixou
de trabalhar na urgência do outro hospital.
Tinha aprendido com um cirurgião estético,
os pontos que depois desapareciam, as clientes ricas queriam logo que ele desse
esses pontos.
Um dia Monsieur Pierre Saint-Malo, o
chamou, tinha conseguido através de um velho amigo, que tinha estado ali de
férias, Ernesto tinha levado o mesmo aos dois hospitais, o tinha visto
trabalhar, uma bolsa de estudos, para ele ir estudar em Paris, no Hospital D’Dieu.
Um dos mais antigos e famosos de lá.
Tia Anastácia disse que ele tinha que ir,
depois na volta se apanharia.
Ele a princípio tinha dúvidas, nesse dia
sentou-se com ela embaixo do Iroco, com Exu Bará, o Zeca Duarte já vivia lá com
ela, ele tinha curado o mesmo que da surra que sua família tinha lhe dado,
dando pontos invisíveis na cara, dizia passando a mão por ela, não se preocupe,
ficaras como sempre, bonito.
Exu Bará, fez um sinal, do Iroco, saiu um
negro, magro, cheio de marcas pelo corpo, bem com escarificação pelo rosto.
Lhe disse que esse Exu o acompanharia, pois
ele, seu trabalho era ali.
Acabou aceitando, Ernesto se sentou com
ele, foi a um banco, abriu uma conta, seria depositado mensalmente um dinheiro,
para o aluguel, bem como para suas despesas. Já sei que nunca gastas além do
necessário, portanto, sei que é um dinheiro bem gasto.
Avisou a direção da clínica, bem como do
hospital, ia fazer especialização, em operações de urgências, de todos os
tipos.
Mas antes, se acabou no carnaval, saiu na
sua escola do coração, bem como na São Clemente, queria que saísse com a porta
bandeira, ele se desculpou, mas não me sobra tempo para ensaiar.
Na Quarta-Feira de Cinzas, com uma maleta,
pequena, uns abrigos que o Ernesto tinha conseguido para ele, depois de se
despedir de Tia Anastácia, da Tina, do Zeca Duarte, Ernesto tinha comprado para
ele um celular, assim o chamaria todas as semanas.
O bilhete lhe surpreendeu era de executiva,
ele tinha além do passaporte, um visado de estudantes por tempo ilimitado.
Para quem foi, para ficar quanto muito um
ano, acabou ficando quase dez anos, além de trabalhar no Hospital D’Dieu,
trabalhava com o mesmo médico amigo de M. Pierre num outro, atendendo a gente
pobre.
Sentia sempre ao lado seu protetor.
Agora ao caminho do aeroporto, sentia duas
coisas, a felicidade de voltar para casa, ao mesmo tempo, a tristeza de ter
perdido o homem a quem tinha amado esses anos todos, que de certa maneira tinha
sido seu protetor, bem como seu orientador.
Jean era muito mais velho do que ele, isso
não o incomodou nem um pouco, os dois de certa maneira viviam para a medicina,
o relacionamento começou por um acaso, apesar de tudo foi em frente.
A dois meses atrás, estavam os dois numa
sala de operações de emergência, quando Jean começou a passar mal, o retiraram,
não sobreviveu, morreu como tinha sonhado, falava sempre nisso, que era como os
artistas que sonham em morrer no palco, ele queria morrer numa sala de
operações.
Tinha tido um enfarte massivo.
Nunca tinham vivido juntos, Jean tinha uma
família complicada, dois filhos que ele nem tinha visto crescer, uma mulher da
alta sociedade, que não lhe dava o divórcio, pois perderia sua condição de
mulher rica.
Ele aceitou os poucos momentos que podiam
estar juntos, Jean as vezes dormia em sua casa, dizia que aquela simplicidade,
para ele era o paraíso. Estava sempre
de uma certa maneira o agradecendo que tivesse esses anos com ele, tinha
sonhado com os filhos fazendo medicina, nenhum deles fez, o menor, um rapaz
complicado, tinha morrido meses antes nas drogas.
Sua mulher fez tudo para tapar, o assunto.
Isso foi uma das coisas que pesou, para ele
ter esse enfarte, se deu conta, que tinha vivido todos esses anos para a
medicina, sua amante como dizia sua mulher.
Ela nunca descobriu o relacionamento dos
dois.
Foi quando se decidiu que era hora de ir
embora, antes, terminou todos os compromissos que tinha.
Agora podia dizer que era um médico
completo, pois podia fazer qualquer tipo de operação.
Tinha guardado cada cêntimo extra que tinha
ganhado, nada de esbanjar.
Faziam os dois alguma viagem quando podiam,
finais de semana na Bretanha, que Jean adorava, uma vez o levou a Saint-Malo, a
terra do amigo Pierre.
De uma certa maneira contou como se
conheciam. Pierre era de família
importante, mas misturada com judeus, quase conseguiu escapar dos nazistas, foi
usado em alguns experimentos nos campos de concentração, por isso nunca pode
ter filhos.
Mas escapou, quando a guerra acabou, voltou
para sua terra, mas era tarde, tinham perdido tudo. Emigrou para o Brasil aonde trabalhou como um
louco para levantar um império, sem muito sentido, já que ele nunca teria
herdeiros.
Mas os dois tinham sido amigos nessa época
que tinha retornado, depois quando foi para o Rio de Janeiro, se comunicavam
por cartas.
Ele tinha avisado a Pierre de sua morte, no
mesmo dia, falou com o Ernesto, telefonava uma vez por mês, esse estranhou
porque tinha chamado a uma semana. Lhe
explicou, quando passou a chamada, falou do que tinha acontecido, bem como que
voltava para casa.
Adorarei estar contigo, para conversar.
Ia sim preocupado com sua mãe, falavam
sempre, ele chamava o Zeca Duarte, esse lhe passava o celular.
Para ela, sempre estava tudo bem, nunca
reclamava de nada, mas tinha sua idade.
Apesar do tempo fora, agora poderia voltar
de primeira classe, mas foi de econômica, tinha planos para seu dinheiro, iria
conversar com o Pierre, ele saberia orienta-lo.
Mal se sentou no avião, se lembrou dos
últimos momentos com o Jean, tinha idade para ser seu pai, mas o amor passou
por cima de tudo isso.
Depois pensou muito nessa mãe postiça, que
lhe tinha aberto as portas para uma vida impressionante, sempre contava para
ela o que tinha feito, no hospital fazia de tudo, era inclusive respeitado, lhe
ofereceram ficar com o cargo do Jean, mas ele sabia que tinha muitos na fila
esperando esse lugar, seria o mesmo que criar problemas para si mesmo, depois
já tinha aprendido tudo que queria.
Voltava agora com 36 anos, com experiencia
para seguir em frente.
Acabou dormindo, só despertou, quando
começaram a servir o café da manhã, logo o avião estava aterrizando.
Viu um rapaz com um cartaz com seu nome, Zé
Oliveira, se aproximou, sorriu, era um mulato, alto como ele, se identificou, o
mesmo o olhou de cima a baixo, ele teve que mostrar seu bilhete de identidade.
O senhor me desculpa, da maneira que o Zeca
Duarte falava, pensei que o senhor era negro, ele fica falando sempre nesse
negro que o acompanha, que o senhor tinha um, por isso pensei que seria negro.
O carro não era novo, mas segundo o rapaz,
que se identificou como Carlos Andrade, servia para levar e trazer muita gente
da favela, não tenho dinheiro para comprar uma licença de taxi, então vou
levando, como todos os brasileiros, lutamos para sobreviver.
Escutar alguém falando, com esse sotaque
carioca, o fez rir.
Agora havia uma estrada diferente, que
levava até o alto da favela, ele achou interessante, pois assim se havia
problemas, podia se chegar com uma ambulância, esse final era controlado pela polícia
militar.
Carlos Andrade se identificou, dizendo que
levava o Doutor José Oliveira, filho de tia Anastácia, o olharam, bem como seus
documentos, ainda soltaram seja bem-vindo.
Carlos, o ajudou com sua bagagem pequena em
direção a casa de santo, ele foi respirando, era como voltar a sua infância,
claro nesses dez anos, muitas coisas tinham mudado.
Zeca Duarte, saiu correndo, estava bonito
como sempre, lhe deu um abraço apertado, disse baixinho, me deu uma bronca
incrível, por ter-te avisado.
Ao entrar na casa de santo, Exu Bará o
recebeu na porta, se sentia um garoto de calças curtas, conversando com o mesmo
em Yoruba.
Tia Anastácia, estava sentada no seu imenso
cadeirão, vestida de branco como sempre, ele se ajoelhou, ela ainda pediu
desculpas por não se levantar, mas tu sabes meu filho a idade é uma merda,
ninguém sabia sua idade real, pois ela nunca dizia.
Ele pegou suas coisas, começo a examina-la,
com ela reclamando, queria saber dele, nada de sua doença.
Virou-se para o Zeca Duarte, essa senhora
vai enterrar nos dois, será centenária.
Era uma verdade, Exu Bará, concordava com
ele, estava era desanimada, com a chegada dele, parecia ter recuperado a
energia.
Estava aborrecida, porque tinha um grupo
querendo o pedaço de terra aonde estava seu Iroco, inclusive botar por terra o
mesmo.
Ela tinha movido tudo que podia, mas não
tinha dinheiro para isso.
Ele quando soube, acionou imediatamente o
Ernesto, que só disse deixa comigo.
Amanhã Ms. Pierre te espera para almoçar.
Ele tomou um bom banho, para se livrar da
morrinha da viagem, colocou uma roupa branca, foi como ter anunciado com banda
e tudo, começaram a aparecer pessoas, procurando pelo médico.
Zeca soltou, esse Carlos, é um linguarudo.
Ele restou importância, atendeu a cada um.
Depois sentado ali ao pé de sua mãe, contou
de seus planos, claro quero voltar a trabalhar num hospital, mas montar uma
clínica lá embaixo, assim posso atender o pessoal de idade que não pode ir a um
hospital.
Contou para ela como era o Hospital chamado
D’Dieu, além do outro lugar aonde trabalhava, cheio de emigrantes negros,
argelinos, gente pobre.
Falou de Jean para ela, foi meu mentor em
tudo.
Eles depois comeram uma sopa preparada pelo
Zeca, ela dizendo que esse menino tinha cuidado dela com carinho.
Ele dormiu outra vez no mesmo quarto que
tinha vivido toda sua infância e juventude.
No dia seguinte riu, pois acordou com o
canto de um galo, da casa vizinha, em seguida, seguido pelo Zeca, foi até o
Iroco, podia ver todos ali dentro.
Falava em Yoruba com todos eles, tinha
conhecidos muitos homens e mulheres negros, que apesar de terem emigrado, não
tinha esquecido de seus Orixás, como ele.
Depois fez uma firmeza com Tia Anastácia,
que já se levantava do cadeirão.
Carlos Andrade, o veio buscar para ir a
Ipanema, disse que ia esperar, não é necessário, depois pegou um ônibus para ir
para casa.
Mas com essa cara de gringo, vão querer te
assaltar.
Quase lhe soltou, estou bem acompanhado.
Ernesto estava a mesma coisa, com alguns
fios de cabelo branco, nada mais, o levou a biblioteca, aonde Ms. Pierre lhe
esperava.
Tinha levado suas coisas de médico, o
examinou, só mesmo você para chegar aqui, me examinar, estou bem, estou bem.
Depois começaram a conversar, primeiro
sobre Jean, o conheci quando escapei do campo de concentração, ele era um
garoto, mas ajudava os Partisans. Me
arrumou um médico que me escondeu, até me levarem com eles.
Mas quando acabou a guerra, tudo que era da
minha família estava destruído.
Por isso emigrei para cá, mas nunca perdi
contato com ele.
Mostrou uma carta do Jean para ele, que ele
não só tinha mandado um discípulo perfeito, mas também o amor de sua vida.
Veja bem eu nunca pude amar, como ele
escrevia o relacionamento de vocês, devia ser impressionante. Uma das últimas cartas, falava do filho,
que sabia que tinha errado amar mais a medicina que sua própria família.
Pois é, isso acabou com ele.
Nesse momento, Ernesto os avisou que a
comida estava na mesa, mandei preparar uma comida bem brasileira, assim matas a
saudade.
Me contas os teus planos, ele contou,
economizei tudo que podia, como Euro vale muito aqui, assim poderei montar uma
clínica na parte baixa da favela, atender os que necessitam, principalmente os
velhos e crianças. Tenho claro que
arrumar um emprego.
Mas isso eu deixei as portas bem abertas
aonde trabalhei antes.
Amanhã mesmo irei falar com os da Clínica
San Vicente, dos hospitais por aonde andei.
Viu que Ernesto anotava algo.
Depois falou com ele do que tinha
acontecido com tia Anastácia, que queriam o terreno aonde estava o Iroco, a
árvore sagrada deles.
Ernesto me falou disso, já tomei
providencias, conheço pessoas importantes nesse governo de merda.
Venha me visitar sempre, é como um sopro de
ar na vida desse velho.
Ernesto lhe passou dois nomes, vou
telefonar marcando uma hora para ti, um na Clínica São Vicente, ela foi vendida
a uma sociedade, o senhor Pierre faz parte do conselho.
A outra ao seu velho professor.
Assim ele fez, numa visita seguinte, o Ms.
Pierre lhe disse que quando ele encontrasse um lugar para fazer sua clínica ao
pé do morro, ele ia ajudar.
Sim estive olhando com o Zeca Duarte, um
lugar, foi antes, uma armazém de secos e molhados, o dono morreu, os herdeiros
querem vender, mas claro como sempre lá, tem problemas com a documentação.
Ernesto, disse que iria com eles até lá,
chamaria o advogado do senhor Pierre, assim podia se resolver.
Ele tinha olhado por dentro, o edifício
inteiro pertencia a família, ele tinha pensado, em restaurar tudo, embaixo
fazer uma consulta, em cima abrir tudo, era um armazém, colocar camas para os
que necessitassem de repouso, ou mesmo um tratamento rápido.
Sua surpresa foi quando o Zeca disse que
tinha feito um curso de enfermeiro, tinha feito práticas, mas sabes, tia
Anastácia precisa de mim.
Nesse dia atendeu, a Tina que tinha as
pernas inchadas das varizes, perguntou os remédios que estava tomando, como
fazia o tratamento.
Meu menino, não posso levar muito a sério,
pois tenho que seguir trabalhando para ajudar o resto da família.
Quanto ganhas, ela disse uma miséria. Bom por esse valor, mais tanto, te contrato
para cuidar de tia Anastácia, pois vou precisar do Zeca ao meu lado como
enfermeiro.
Este ficou todo cheio, finalmente ia
trabalhar no que gostava.
Ela depois junto com tia Anastácia, queria
como era saber, como se vive no estrangeiro.
Ele contou o que podia.
Mais tarde subiu para ficar perto do Iroco,
Zeca foi junto, rindo disse para ele, estas como antigamente, atrás de mim como
uma sombra.
Ernesto lhe ligou dias depois, dizendo que
já tinha os documentos, o senhor Pierre iria ser seu socio no empreendimento.
Já tinha falado com os da clínica San
Vicente, iria trabalhar outra vez em urgência, inclusive podendo operar.
Ele queria agora um arquiteto, para fazer o
projeto, mas isso Ernesto disse que não era difícil. Apareceu dias depois com
um, andaram tudo ali, explicou como queria a parte de baixo, iriam tirar tudo, todas
as paredes falsas, deixariam só as de sustentação do prédio, inclusive
reforçando as mesmas. Embaixo seria
consultório, ambulatório, salas de exames, tinha dinheiro para conseguir um
scanner, isso tudo Ernesto como sempre ia anotando.
No do meio, fariam, como uma enfermaria,
estaria sobre o controle do Zeca, tinha arrumado para ele trabalhar como seu
enfermeiro na Clínica San Vicente, assim ele aprenderia.
No de cima, seria uma lavanderia, bem como
um apartamento simples para ele.
Um dia Ernesto apareceu com um cheque, isso
para comprar o Scanner, coisas de teu sócio.
Em pouco tempo, pois a empresa era boa,
tinha sua pequena clínica funcionando.
Apareceu enfermeiras para trabalharem com
ele, algumas eram aposentadas, quando escutaram falar, viviam ali na favela
mesmo, desceram para conversar.
Atendiam de tudo, de noite ele metade da
semana trabalhava na clínica.
Numa das emergências, apareceu um senhor,
com um problema sério, o médico que operava estava num congresso, ele leu tudo
a respeito do homem, esse disse que confiava nele.
O operou, num sistema moderno, com outros
dois médicos assistindo, não tinha medo de ensinar o que tinha aprendido,
muitos não gostava disso, ele ao contrário, achava necessário ensinar.
O homem se recuperou bem, mas o avisou, se
acabaram os cigarros, beber muito, tudo isso ficou para trás.
Esse ria, dizendo vais cortar o meu piru
também?
Se for necessário para acabar essa vida de
excesso, sim.
Bem que Pierre falou de ti, eres duro na
queda.
Sempre aparecia algum, que Pierre tinha
mandado, depois este tirava dinheiro dos amigos para a clínica da favela.
Um dia apareceu, o chefe do tráfico, tinha
uma bala no ombro, entrou com uns capangas.
Mandou todo mundo sair, ali dentro não, foi
até as calças do sujeito, aqui é um santuário, posso te ajudar, mas te aviso,
não quero brigas ou tiroteio aqui.
Um dos capangas disse que ele não pagava
para o traficante proteção como os outros.
Proteção de que, se sou protegido, enfiou o
dedo na cabeça do mesmo, ele quando viu o Exu Bará ali ao lado, fechou a boca.
Mas se aparecia alguém cheio de drogas,
chamava a polícia, mandava levar para outro lugar, esse nunca terá jeito, ocupa
o lugar de alguém que precisa.
A vida foi seguindo em frente, uns quantos
anos depois, Ms. Pierre o chamou, falou claro com ele, não tive filhos, quero
fazer isso sabendo que vais aceitar, quero deixar uma parte de minha fortuna,
para ajudar a tua clínica, mas tens que me fazer um favor, dar o cargo de
administrador ao Ernesto, que é o que ele gosta de fazer.
Imagina, se já vai uma vez por semana, me
ajuda com os livros de contabilidade, claro que sim, tudo como ele queira.
Meses depois morreu, ele estava ali com
Ernesto do outro lado, segurando a mão dele, virou-se para ele, perguntou quem
era esse homem negro imenso, que dizia que o ia cuidar na sua travessia.
É o Exu Bara, meu protetor, senhor Pierre.
Perfeito, então vou bem protegido.
Depois do enterro que tinha, muita gente,
foram a leitura do testamento, deixava para o Ernesto um belo apartamento em
Copacabana, o que ele vivia devia ser vendido, todo o dinheiro era para a
clínica, bem como uma parte que estava no banco.
Mal Ernesto se mudou, passou a estar o dia
inteiro na clínica, ajudava no que podia, administrava tudo, conseguia ninguém
sabe como, medicamentos mais baratos, usava todos os conhecidos que tinha feito
durante o tempo que tinha trabalhado com o senhor Pierre.
O mais interessante, tomou o Zeca sobre
suas asas, levou um tempo para entender que os dois se gostavam.
Ele tão negro e imenso, ao lado daquele
rapaz mais claro, era impressionante.
Não tinham comentado nada com ele, mas
notava os gestos.
O dia que convidou o Zeca para morar com
ele, este foi falar primeiro com tia Anastácia, finalmente um homem como dever
ser para te amar, soltou ela.
Com ele veio falar o Ernesto, em tanto
tempo trabalhando com o senhor Pierre, nunca tive muito tempo para ter uma
pessoa para mim.
Contou como o tinha conhecido, um dia esse
homem tão distinto meu viu desde lá do seu apartamento, dormindo na praia,
tinha saído do orfanato, era muito grande, segundo as irmãs comia muito, me
tomou baixo sua proteção, me levou para sua casa, me fez estudar administração,
assim pude seguir em frente.
Cuidava de tudo para ele, um grande homem,
como ele já não se fazem mais, eu adoro o garoto Zeca, o convidei para viver
comigo, se isso não lhe importar.
Fico contente com os dois.
Ainda pensou, nem tenho tempo para me
coçar, quanto mais para me importar com a vida particular dos dois.
Tempos depois atendeu ali mesmo na rua,
tinha tido uma briga lá em cima entre a policia e os traficantes, lhe trouxeram
um comandante, que tinha levado vários tiros, ele o meteu na sua pequena sala
de operações, montada com o dinheiro que o senhor Pierre tinha deixado,
auxiliado pelo Zeca, passou a operar o mesmo.
Retirou as balas, examinou bem tudo, o
levou para um quarto separado lá em cima, aonde ele cuidava dos que precisavam
de coisas especiais.
Como não tinha que trabalhar esse semana na
clínica, cuidou do homem, de uma certa maneira, era um homem bonito, devia ser
um pouco mais velho do que ele.
Perguntou se tinha família para um dos
policiais que ficaram lá embaixo fazendo guarda.
Não senhor, que eu saiba não tem ninguém,
vou me informar, depois confirmou.
Ele passou essas duas primeiras noites
dormindo ao lado, estava acostumado.
Uma noite que o mesmo tinha pesadelos,
ficou segurando sua mão, dizendo que estava tudo bem.
Isso pareceu tranquilizar o homem.
Quando despertou, ficou olhado para ele ali
dormindo num cadeirão ao lado de sua cama.
Se apaixonou por ele, depois descobriria
que ele era um sobrinho de Tina, que iam juntos a escola lá embaixo, que claro
ele tinha tido a sorte de ir estudar no colégio alemão, ele ao contrário entrou
para a polícia.
Riram muito um com o outro, se lembrando
desse tempo.
Alexandro, ou Sandro como lhe chamavam seus
homens, tinha trabalhado em muitas delegacias, tinha ido subindo devagar na
hierarquia, agora lhe tocava comandar a polícia ali do morro.
Eu procurei seguir teu exemplo, ias em
frente como barco desses que quebram gelo, lutando para subir em tua vida.
Tinha se visto uma vez que ele trabalhava
na favela da Maré, tinha levado um policial ferido ao hospital universitário,
tu o atendeste.
Depois de uns dias, o subiu para seu
apartamento, para acabar de se recuperar lá.
Foi quando começaram a conviver.
Anos depois, Zeca se preparou para assumir
o lugar de tia Anastácia, como pai de santo, ele lhe dava todo apoio, arrumou
logo um enfermeiro trabalhador, metia medo nos traficantes, aliás quem o trouxe
foi o Ernesto, disse que o mesmo tinha vivido com ele no orfanato.
Eram parecidos, imensos, só que Catanduva,
como se chamava o enfermeiro, apesar de ser grande, conseguia ser delicado na
hora de ajudar com os pontos, o ensinou a fazer os pontos invisíveis,
principalmente na cara dos pacientes.
Ele seguiu com seu comandante, até que este
foi transferido para a central em Brasília, a distância, estragou o
relacionamento deles, pois o mesmo sabia que ele mal tinha tempo para se coçar,
quanto mais ter um relacionamento. Isso
ele já reclamava antes.
Acabaram deixando numa boa, como se diz,
para ficarem amigos.
Seu braço direito agora era o Catanduva,
esse passou a morar no outro pequeno apartamento ao lado do seu.
As vezes ficavam conversando, este tinha
sonhado em ser médico, mas só tinha conseguido fazer enfermagem, as duras
penas. Mas com ele foi aprendendo tudo,
entendia o menor gesto dele numa sala de operações.
Ernesto dizia que Catanduva olhava para ele
como um deus, pois ensinava sem problemas nenhum, uns anos depois se querer
começara um relacionamento. Aquele negro
imenso, feio como o Demônio, era de uma delicadeza, gostava de um romance como
ele, nas preliminares, nada aqui te pego, aqui te mato.
Quando viram já estavam ficando velhos
juntos. Ele seguia fazendo uma coisa que o Ernesto se matava de rir, tudo era
sempre para a clínica, deixava tudo nas mãos deles, assim o dinheiro ia sempre
crescendo.
Ernesto agora vivia na casa de santo com
seu homem como ele dizia do Zeca.
Alugava o apartamento de Copacabana, que
lhe rendia um bom dinheiro.
Ele tinha ficado com a morte do senhor
Pierre, com toda a clínica, como sua.
Agora não só atendiam os da favela, como as
pessoas que viviam ali por perto.
Ele o que mais gostava era dos dias que
tinham menos movimento, poder usufruir do Catanduva, dormir com ele, era
sentir-se seguro.
Comentarios
Publicar un comentario