ADAN FAISSAL
Nem sempre aprendemos tudo pelas boas, esse
era o caso de minha mãe, sempre se achava acima do bem e do mal, tinha me
raptado em termos curto e grosso, depois que perdeu para meu pai num juízo em
Paris, minha guarda.
Me tendo era uma maneira dela conseguir
dinheiro, só notificou que estava no Brasil, um número de conta num banco.
Fomos morar primeiro numa quitinete de uma
amiga sua, depois quando o dinheiro ficou curto, na casa de minha avô, na
Cruzada de São Sebastião, no Leblon, bem no canal, era o famoso apertamento,
pois minha avô que nessa época vivia sozinha, usava um dos quartos para
costurar para fora.
Mas me recebeu como um rei, nunca tinha me
visto, minha mãe tinha ido com um grupo de samba para a Europa, nunca mais
voltou, ou deu notícias, agora aparecia com um filho.
No principio as coisas foram bem, meu pai
mandava dinheiro, ele tampouco queria ficar comigo, tinha pouco tempo, era
professor de filologia africana, na Sorbonne.
Quem me procurou foi meu avô, Abdul Abey
Faissal, imaginava as broncas dele em cima de meu pai, a quem sempre chamava de
frouxo, por culpa do comportamento de minha mãe.
Um dia apareceu lá em casa, imaginem a
confusão, para um Mercedes na porta da Cruzada, descer um chofer uniformizado,
abaixou um homem, abriu a porta, saiu, outro com uma boa roupa, foram os dois
entrando, um era o segurança, o outro um adido da embaixada da Argélia em
Brasília.
Tinha descoberto o esconderijo da minha
mãe, esta estava com algum gringo por aí, era o que fazia se prostituia.
O homem falou o tempo todo comigo em
francês, me passou escondido um celular, qualquer coisa fale com seu avô, deu
dinheiro para minha avó, que o escondeu imediatamente.
Imagina o homem se curvar diante dela em
sinal de respeito, ela perguntou se o meu pai não ia aparecer, pois a situação
era crítica.
Nesse dia minha mãe quando apareceu, fez o
maior escândalo, que devia a ter chamado, que ela ia mostrar a esses árabes com
quantos paus se faz uma canoa.
Desconfiava que o homem tinha deixado
dinheiro, deu uma surra na minha avó, embora eu a tenha defendido, levei a
minha também.
Saiu para comprar cocaína com suas amigas,
atender algum gringo, tirar dinheiro dos mesmos.
Desapareceu dois dias, por sorte as
vizinhas acudiram a minha avó.
Eu carreguei o celular, liguei para o único
numero que estava ali, meu avô disse que me chamava em seguida. Foi o que fez, contei para ele o que tinha
acontecido, ela é uma pessoa má, não respeita nem a mãe dela.
Dois dias depois meu avô, me chamou, disse
que fosse até a esquina, que leva-se comigo minha avó.
A convenci de ir, lhe disse baixinho, minha
mãe estava dormindo, tinha chegado completamente alcoolizada em casa.
Fomos para a o lugar que ele disse, parou
um carro negro, como o anterior, ele abriu a porta, fiz minha avó entrar,
depois entrei eu, na frente estava sentado meu pai.
Fomos para um hotel na praia cinco
estrelas.
Eu tinha levado meu passaporte, que ela
sempre escondia, não podia ir a escola, porque era estrangeiro, segundo ela,
para que estudar, aprenda com os garotos daqui a se virar.
Era o que eu estava fazendo me virando.
No hotel, meu pai se apresentou, era um
homem alto, mais branco que seu pai, este se curvou ante minha avó, dizendo sou
Abdul Abey Faissal, as suas ordens, num português perfeito.
O senhor fala português, disse ela
surpresa?
Sim, trabalhei alguns anos na Embaixada da
Argélia em Brasília, tinha um professor.
Quase em seguida apareceu um advogado, ele
explicou a situação, meu pai estava ali, como um dois de paus, nem se mexia,
isso acontecia sempre que tinha o pai pela frente.
Duas semanas depois, tínhamos uma vista com
um juiz de menores.
Minha mãe teve que ir na marra, embora no
mesmo dia a conselho do advogado, voltamos para casa, gravei todas as conversas
dela com as amigas, ela não sabia que eu tinha um celular.
No final de semana, tornou a bater na sua
mãe, pois sabia que a mesma tinha recebido dinheiro de uma cliente, era para as
compras do supermercado.
Quando minha avó argumentou, soltou, mas eu
não como em casa, passa para cá o dinheiro, o pior e que se negou a lhe dar,
para que, acertou um murro na cara de sua mãe, que a jogou longe, eu pulei em
defesa da minha avó, imagina, um garoto raquítico, com 9 anos, ela quando
ficava assim tinha uma força impressionante.
Nisso um homem que passava, a segurou,
chamou a polícia, foi um deus nos acuda, avisei meu avô, que aproveitou a
situação.
Na segunda feira, estávamos diante de uma
juíza.
Ela deve ter pensado, uma mulher, vai ficar
do meu lado.
O problema, era que ela não tinha
regularizado minha situação no Brasil, teria sido fácil, bastava me registrar
como seu filho, no cartório, mas ela não estava para esse labor.
Nunca tinha entendido como meu pai, tinha
caído no conto do vigário.
Ela quando o conheceu, viu aquele homem
alto, bonito, simpático, com outros amigos, numa boate, se jogou em cima dele,
quando perguntou a alguém, esse disse que era filho de um milionário.
Quando ficou gravida, descobriu que meu pai
era um professor da Sorbonne, nada mais, que vivia no apartamento que a tinha
levado, cheio de livros. Ele disse que
era sua fortuna.
Teve que engolir sapos, para aguentar a
gestação, fazia regime o tempo todo, se casaram porque meu avô apareceu,
insistindo nisso, não queria um neto bastardo.
Meu pai tentou argumentar, nem sabia se o
filho era dele.
Ela aguentou cinco anos, mas claro, tomar
conta de casa não era a dela, pensou muito, se escapasse comigo para o Brasil,
ele daria dinheiro, assim podia ter uma boa vida.
Ele mandava o que um juiz francês tinha
falado.
Meu avô ficou uma fera, pelo que me contou
depois.
Agora estávamos ali para resolver, ela
tinha conseguido um advogado, um tipo mafioso com que andava fazendo sexo de
vez em quando, um mulato, com cara de bandido.
Quando olhou do outro lado, um dos melhores
advogados do Rio de Janeiro, esse homem altíssimo, pensou, estou fudido, essa
me meteu em camisa de onze varas.
Foi isso literalmente, pois a cada pergunta
da juíza, ela se fudia literalmente, quando perguntou em que trabalhava, ela
querendo ser sofisticada, disse que era scooter, dama de companhia para
senhores empresários.
A juíza lhe perguntou, trocando em miúdos a
senhora se prostituiu?
Ficou uma fera, disse que o marido, lhe
mandava pouco dinheiro, mal dava para comprar roupas.
O outro advogado, disse que ele mandava
esse dinheiro para o filho, não para ela, pois não tinham se divorciado, ela
tinha escapado antes.
A juíza perguntou por que tinha fugido?
Me disseram que ele era rico, mas nada, um
simples professor da universidade, o dinheiro que me dava era pouco, um
apartamento cheio de livros, essas merdas.
Ela falava como sempre, o que lhe vinha à
cabeça, seu advogado tentava controlar a situação, mas ela já achava que a
juíza a ia apoiar, afinal era mulher.
Há uma queixa contra a senhora, por
agressão a sua mãe.
Claro, ela não queria me dar dinheiro.
A juíza sorriu, mas podias trabalhar
verdade?
Não fui feita para trabalho duro, gosto de
viver a vida.
Pelo que a testemunha falou, a senhora
queria o dinheiro que sua mãe tinha para ir ao supermercado, afinal ela e o
garoto comem.
Eles que se apanhem, até falando era
grosseira.
Eu escutava tudo de boca aberta ao lado do
meu avô, esse me dizia para fechar a boca, não entenderia nunca como meu pai
que era fino, podia ter-se casado com ela, ou mesmo ido para a cama.
A coisa foi se complicando, chamaram minha
avó para depor, ela fez um gesto que chamou a atenção da juiz, como dizendo
olha lá o vais dizer.
É verdade que sua filha lhe deu uma surra
por dinheiro.
Ela olhava a filha de frente, sim. Desapareceu daqui, um dia, sem dizer nem até
logo, foi para as Oropa, como nos dizemos, os que não temos cultura, nunca me
telefonou, escreveu, nada, fiquei sabendo por uma amiga sua.
Quando apareceu, vinha com meu neto, eu não
ia negar teto a esse garoto, afinal é minha família. Mas ela não quer nada com a hora do Brasil,
trabalhar, nem pensar, nunca nada que eu possa lhe arrumar serve.
Eu passei a vida inteira costurando para
fora, para colocar ela e seu irmão para frente, ele se acabou nas drogas, além
de vender consumia, acabou morrendo numa curva da Lagoa.
Depois apareceu a senhorita, mas me rouba
todo o dinheiro que ganho, preciso alimentar meu neto, inclusive não é a
primeira surra, quando este senhor, apontou meu avô, mandou seu amigo deixar
dinheiro comigo, foi a primeira.
Ela se levantou de um pulo, esse dinheiro
era para mim, tenho certeza, essa velha, estava me roubando.
A juíza a mandou se sentar. A mesma agradeceu minha avó, que mudou de
lugar.
O advogado, apresentou uma gravação, aonde
a escutava falar com uma amiga as gargalhadas, que nessa noite iam esfolar uns
turistas italianos, os enchemos de cocaína, depois damos no pé.
Tudo em típica gira de malandro.
A cara da juíza, parecia de pedra, não se
imutava.
A senhora é acusada de ter roubado o
garoto, sem autorização das autoridades francesas.
A esses idiotas, nem perceberam na hora que
embarcamos, mãe e filho, foi fácil demais.
Esse menino está na escola?
Para que, como todos os garotos, ali da
cruzada, acabara vendendo drogas.
A juíza mandou me chamar, ela fez o mesmo
gesto me ameaçado, eu segui o exemplo da minha avó, a encarei.
Foste tu que fizeste essa gravação?
Sim senhora, ela passa o dia tramando com
as amigas o que vão fazer com os gringos dos hotéis.
Como foi essa briga dela, com sua avó?
Ela tinha recebido um dinheiro de uma
cliente, que tinha arrumado alguns vestidos, ela viu, depois queria esse
dinheiro, a geladeira como diz minha avó, estava de boca aberta, ou seja não
tinha nada dentro, mas como ela sempre come com as amigas, com seus clientes
como os chama, nos dois que nos virássemos.
Minha avó, se negou, lhe deu um soco forte
na cara, eu saí para defende-la, me desceu o cassete, pegou uma correia,
começou a me pegar.
Claro que depois saiu para comprar drogas,
ajudei minha avó, chamei meu avô que estava num hotel, o resto a senhora sabe.
Porque não vais a escola.
Ela não permite, disse que não vai gastar
dinheiro, me comprando roupa, nem cadernos, para que.
O dinheiro que seu pai mandava, não era
para isso.
Sim, mas ela ficava com tudo, dizia que
tinha que se vestir para atender seus clientes, nunca vi nada desse dinheiro.
Como conseguiste o celular?
Foi o amigo do meu avô que me deu, para
poder falar com ele.
Aí chamou meu pai, este tinha um tradutor,
pois não falava português.
Nunca vim até aqui, pois pensava que meu
filho estaria bem, com a família dela, por isso mandava dinheiro, pensei que
chegava ao meu filho.
O senhor tem como manter o garoto?
Sim claro, embora trabalhe o dia inteiro,
conseguirei alguém que tome conta dele.
Meu avô, fez um sinal com a mão, a juíza
lhe deu a palavra, ficou surpresa dele falar corretamente o português.
Meu filho lhe falta tempo, mas eu acabo de
me aposentar, fui durante anos, embaixador da Argélia no Brasil, andei por
todos os países que meu pais, tem relacionamento.
Acabo de me aposentar como disse, da
embaixada de Paris, por isso, resolvi ficar por lá.
Tenho casa, ganho uma boa aposentadoria,
além de que, a senhora pensou que meu filho era rico, mas rico sou eu, pois
durante anos, tive empresas em muitos lugares.
Posso assumir a guarda do meu neto,
inclusive se sua avó quiser vir junto, já que ela está acostumada a cuidar
dele, sem problemas nenhum.
Perfeito, então a guarda do garoto fica com
o senhor.
Nisso minha mãe se levantou, filho da puta,
porque não me dá dinheiro para cuidar direito dele.
Já sabemos o que a senhora pensa, disse a
juíza, favor se sentar.
Essa velha filha da puta, sempre em cima
dessa maquina de costura, nunca viveu fora da Cruzada, agora vai para o bem bom
de Paris, eu como fico.
A senhora vai cumprir pena de prisão, por
ter raptado seu filho sem autorização das autoridades competentes, bem como
assinar os papeis de seu divórcio, que me apresentaram.
Nada disso, ele tem que me dar dinheiro
para isso.
Não, depois de todas as merdas que a
senhora fez, me desculpem o palavrão, mas tenho vários guardados, melhor a
senhora se sentar.
Ficou furiosa, me sento quando quero.
O advogado a puxava, ela se virou para ele,
dizendo, era uma merda, nem sempre consegues que esse pau fique duro, imagina
me defender.
A juíza fez um sinal para dois guardas, lhe
dando ordem de prisão por desacato.
Disse ao advogado, que ele tinha cinco
minutos, para ela assinar o divórcio, pois senão a pena seria maior.
Ele foi atrás dela, se escutou o maior
barulho, mas voltou com o documento assinado.
O senhor registre isso no consulado
francês, podem levar o garoto, já assinei os documentos, para o senhor Abdul
Abey Faissal, ter a guarda dele.
Queria abraçar meu pai, estava duro, sem se
mexer na cadeira, quem me abraçou foi meu avô.
Dois dias depois com a papelada em ordem
fomos embora, minha avó disse que ficava, tinha nascido, sido criada ali, não
queria mudar de vida, adorava costurar.
Lá fui eu, no meio dos dois, de um lado meu
pai, que me olhava de soslaio, do outro meu avô, que sorria.
Fui viver na casa dele, um belo apartamento
em Saint Germain du Prés, logo me arrumou professores para recuperar para o ano
letivo seguinte.
Um dia lhe perguntei quem era o negro que
via sempre ao lado dele, me arrumou um professor de Yoruba, contra a vontade de
meu pai.
Esse vinha sempre jantar, nos domingos
almoçar, um dia escutei uma discussão dos dois, foi quanto entendi por que não
se aproximava muito, meu avô lhe disse que tinha feito o teste de ADN, era
realmente filho dele.
Ai cautelosamente começou a se aproximar,
mas não era capaz de um gesto de carinho, um dia veio acompanhado de um homem,
o mais bonito que eu já tinha conhecido, loiro, alto, olhos azuis.
Era professor na Sorbonne também, nos
sentamos depois de comer, na biblioteca, ele foi direto ao assunto, vocês tem
que pensar num futuro, eu não estarei sempre aqui, sei do relacionamento dos
dois, preciso saber se posso contar com vocês, se eu falto.
Na hora não entendi, principalmente quando
o homem bonito, sorriu para mim, eu só faltei derreter.
Claro que sim, já gosto dele.
Tempos depois entendi, ele vivia com meu
pai, minha mãe tinha sido um por acaso na sua vida, ele caiu no golpe dela, mas
já tinha um romance com o Jean-Paul.
Quando meu avô ficou doente, os dois vieram
morar no apartamento, com ele eu podia falar de tudo, um dia me explicou o que
tinha com meu pai.
Lhe abracei, ou seja tinha outro pai além
do meu.
Podia conversar horas com ele, dizia que as
vezes tirar alguma coisa de meu pai, era como ter que usar um saca rolhas, era
muito fechado em si mesmo.
Só depois da morte de meu avô, ele se abriu
mais, fui a leitura do testamento depois da cerimônia, teriam que levar as
cinzas dele, para o lugar de aonde ele tinha saído. Queria que eu conhecesse suas origens. Me deixou entre suas coisas, uns cadernos
negros, que o via sempre escrevendo.
No meu quarto tinha uma mesa, uma das
gavetas tinha chaves, eu guardei aí, fechei com a chave a escondi.
Nas férias fomos levar as cinzas dele, ele
tinha nascido em Tamanrasset, em pleno deserto da Argélia, queria que suas
cinzas fosse para lá, disse inclusive o lugar.
Tinha nascido ali de uma família pobre, que
emigrou para a França, para dar uma vida melhor ao seu único filho, seus pais
trabalharam como loucos, para ele estudar, foi o que fez, ficou rico, deu uma
boa vida para os velhos, se casou, também só teve um filho, mais tarde a pedido
do governo da Argélia por seus relacionamentos, foi trabalhar nas embaixadas do
mundo inteiro, arrastando seu filho e sua mulher.
Daí meu pai ser tão fechado, pois não era
lhe permitido ter relacionamentos com outros garotos, os serviços secretos
sempre desconfiavam.
Fiquei deslumbrado com o deserto, de ver
tanta praia no Rio de Janeiro, ver esse lugar, mas adorava o Oasis, andar de
camelo, fomos recebidos bem lá, ele tinha sempre ajudado sua gente.
Quando voltamos para Paris, meu pai estava
diferente, começou a conversar comigo, primeiro porque via o Jean Paul fazendo,
foi se aproximando devagar.
Nessas alturas, eu já tinha me recuperado
na escola, sabia que durante esses anos, meu avô mandava dinheiro através do
homem que nos tinha ajudado, para minha avó.
Nunca mais voltamos para lá.
De uma certa maneira, me correspondia com
minha avó, eu escrevia, ela me mandava uns bilhetes, dizia que nunca tinha
novidades para contar, minha mãe tinha sido condenada a três anos, mas tinha um
mal comportamento, ninguém sabia como, mas conseguia drogas, volta e meia
brigava com uma, indo parar na solitária.
Com isso foi aumentando o tempo lá dentro,
depois era um silêncio total a respeito.
O homem um dia, avisou que não mandássemos
mais dinheiro, que minha avó tinha morrido, que ele tinha providenciado o
enterro como meu avô tinha pedido.
A partir desse momento, era como se o
Brasil fosse se apagando para mim.
Chegou a época de ir à universidade, tinha
um leque de opções, pelas minhas boas notas, me sentei primeiro com Jean Paul,
para discutir sobre o que eu gostaria de fazer.
Por sorte minha, meu avô a muito tinha
liquidado seus negócios, assim não me forçariam a estudar administração, para
cuidar dos negócios familiares.
Jean Paul, disse que ele quando viu que seu
filho jamais iria cuidar dos negócios da família, foi vendendo tudo, colocando
esse dinheiro para render, principalmente fora do pais.
Eu gostava de línguas, a essas alturas,
tirando o português e Francês, falava mais cinco, seguia tendo aulas com o
professor de Yoruba, um negro, que meu avô tinha arrumado.
Quando lhe perguntei do negro que aparecia
ao seu lado, meu avô me explicou que quando era criança no Oasis, tinha ajudado
um homem negro que apareceu do nada, morto de sede e fome, cuidou do mesmo, até
que se recuperou, um dia ele fez um sinal, apareceu esse que vês, ele sempre
cuidou de mim, principalmente nas horas difíceis, ficará para cuidar de ti.
Era verdade, eu sempre o via ao meu lado,
conversava com ele mentalmente.
Me sentei no meu quarto, conversando com
ele, sobre o que devia fazer da minha vida.
Gostava de muitas coisas, medicina,
psicologia, artes, línguas.
Me disse que meu futuro, era cuidar das
pessoas, que devia ir em frente com medicina, que estudasse psicologia, para
entender as pessoas.
Foi o que fiz, meu pai e Jean Paul, se
surpreenderam, de uma certa maneira era privilegiado, pois a universidade, era
perto de casa, já no segundo ano, nas férias fui trabalhar em urgência do
Hospital D’Dieu, com um dos meu professores.
Sem querer o negro estava sempre comigo,
dizia na minha cabeça, aonde estava o problema.
Fui me destacando, no semestre seguinte,
como já fazia uma universidade, comecei a estudar o que não tinha em medicina,
psicologia.
Fui juntando uma coisa na outra.
Jean Paul, dizia que eu devia aproveitar a
vida também, veja teu pai, nunca aproveitou a juventude dele, sempre fechado em
si mesmo, quando me apaixonei por ele, quase tive que agarra-lo a força, eu me
matava de rir, pois meu pai era mais alto e forte que ele.
Quando meu pai o olhava, era como se ele
fosse a pessoa mais importante do mundo, as vezes sentia inveja disso.
Entendia o que ele dizia, mas lhe
respondia, que meus companheiros só queriam farra, encher a cara, drogas, isso
eu já tinha visto o que fazia, queria distância.
Por duas vezes, já antes de escolher o
final de carreira, fui passar as férias no Oasis, atendia todo mundo que pedia
ajuda, tinham médicos lá, mas a maioria eram velhos, os jovens iam embora, não
voltavam.
Nos meus momentos livres, ia até aonde
estava as cinzas enterradas do meu avô, para conversar com ele.
Um dia senti ao meu lado, a presença de
outra pessoa, quando levantei a cabeça, era um berbere, um jovem da minha
idade, que viviam com sua família nômade.
Se surpreendeu quando lhe falei em árabe,
pensou que eu era um estrangeiro, que estava com delírio, pois falava sozinho.
Fui com ele até aonde estava sua gente,
examinei a todos, principalmente as crianças.
Ele me disse que queria ter aprendido mais,
mas só sabia ler e escrever em árabe, nada mais.
No final da minha estância, meu pai veio
com Jean Paul, falei com ele do rapaz, conversou com ele, sobre isso, dele
querer estudar, de ir com eles, seria um mundo completamente diferente.
Foi quando Jean Paul, descobriu que ele
estava com essa tribo, pois a sua tinham morrido todos, então foi fácil
convencer os outros a o deixarem partir.
Virou minha sombra, ainda ficamos dias em
Argel, para conseguir documentos para ele, anos depois Jean Paul o adotou.
Para ele, como dizia, se abriu um mundo
completamente novo, tinha uma professora de francês, logo estava estudando,
numa escola especializada em pessoas de mais idade e estrangeiras.
Foi recuperando os seus sonhos, com ele ia
ao cinema, saímos para conversar, me fazia ir a mesquita com ele, foi quando
aprendi tudo sobre a religião do meu avô, meu pai não ia jamais, Jean Paul,
tampouco interferiu.
Ele logo fez um curso, queria ser
professor, embora tarde, consegui se formar.
Eu finalmente tinha um amigo, um dia Jean
Paul me perguntou se tínhamos feito sexo, pela maneira como ele me olhava.
Eu nem pensava nisso, pois as vezes erámos
capazes de ficar horas falando de algum assunto de mãos dadas, como era normal
entre a gente de sua tribo.
Quando tempos depois ele me deu um primeiro
beijo, alucinei, levamos um tempo para fazer sexo, eu estava preocupado com
meus exames de final de carreira.
Eu o adorava, notava que meu pai se
preocupava, o que eu queria fazer agora, se fosse trabalhar num hospital do
governo, era uma coisa, ou alguma clínica particular.
Jean Paul, apoiou minha decisão de ir
trabalhar num hospital, que atendia principalmente emigrantes árabes, pois eu
me desenvolvia bem ali.
Hassan, foi dar aulas por ali, os dois nos
mudamos para um apartamento, perto, assim estávamos no meio deles.
Meu pai, demorou a aceitar, sair daquele
imenso apartamento, para um mais simples, ele dizia que até demais.
Tudo era oriental no mesmo, como nas casas
dos vizinhos, eu atendia todas as crianças dali, arrumei um dos quartos para
isso.
Eram filhos de pessoas, que não podiam ir
ao hospital, por não ter documentação em regra, depois os velhos também, alguns
tinham trabalhado a vida inteira ali, os filhos que tinha conseguido ir
adiante, tinha se mudado, se sentiam sozinhos.
Conversava com eles, enquanto tomava um
chá, os examinava.
Claro os que andavam nas drogas me olhava
com suspeita, ao Hassan igual.
Até que um apareceu, tinha levado um tiro
da polícia, eu disse que o atendia, se seus homens não entrassem, tampouco ele
devia ter armas dentro da minha casa.
Acabou aceitando, pois não podia ir a um
hospital, o operei ali mesmo, tirei a bala, dei uma receita, disse a um dos
seus homens, como devia tomar, o levaram embora.
Nunca mais fomos incomodados por nenhum
deles.
As vezes era capaz de fazer um parto no meu
apartamento, garotas jovens que não tinham futuro nenhum. Algumas as famílias faziam cargo das
crianças, outras iriam para orfanatos.
Hassan dizia que devíamos ter filhos,
acolher todos eles, para futuramente levar conosco para o Oasis.
Seu sonho justamente era esse, voltar para
lá, dar aulas para as crianças, que apareciam com as tribos nômades.
Nas férias seguíamos indo, Jean Paul, ia
sempre junto, já tinha se aposentado da universidade, falava bem o árabe,
melhor que meu pai, esse não gostava de ir.
As vezes via Jean Paul, triste, uma dia
caminhando pelo deserto, me contou o que se passava, meu pai tinha uma aventura
com um jovem da universidade.
Quer recuperar o que não teve de juventude,
eu até entendo, mas me preocupa, pois ele já não tem idade.
Tivemos que voltar as pressas, tinha tido
um enfarte, por sorte o jovem chamou a ambulância, mas desapareceu.
Ele ficava dizendo que só tinha passado
mal, nada mais, mas o médico dizia que tinha o coração frágil, isso o fez
pensar, voltou a estar agarrado do Jean Paul, eu pensei no assunto, não sei se
seria capaz disso, perdoar.
Falava muito nisso com Jean Paul, nunca
tinha perdoado a minha mãe, pelo o que ela fazia com a sua, de me ter roubado, tampouco
cuidar de mim.
Tinha certas coisas que me eram difícil de
aceitar.
No ano seguinte, chegou uma prova difícil,
Hassan disse que tinha tomado uma decisão, o via a dias quieto, queria ir viver
lá no Oasis, lá estou em paz, aqui, é como estar no meio de enxame de abelhas, muito
ruido, me perturba, de uma certa maneira o entendia, quando voltávamos, eu
precisava me concentrar mais, pois tudo em minha volta era como um caos.
Mas não sabia o que fazer, conversava mais
com o homem negro, esse me disse, que eu podia adiar, mas que um dia teria que
tomar uma decisão.
Nas férias seguintes ele ficou, tinha
arrumado para dar aulas na escola dali.
Arrumava tempo, cada vez que apareciam caravanas Berberes, de ensinar
aos pequenos.
Eu voltei, nosso apartamento me parecia uma
coisa monstruosa, passava mais tempo no hospital, para me ocupar ao máximo.
Foi quando meu pai, teve outro enfarte, ficou
em cadeiras de rodas, eu me virava para ir ajudar o Jean Paul.
Meu pai, ao contrário era daqueles enfermos
pesados, que reclamava de tudo, um dia soltou, porque ele tinha isso, Jean Paul
não.
Lhe expliquei que isso não tinha nada a
ver.
De uma certa maneira, ele chamou o
advogado, pressionado por Jean Paul, tinha que deixar suas coisas organizadas.
Por incrível que fosse, eu nunca tinha
tocado no dinheiro que meu avô tinha me deixado, principalmente porque muita
coisa estava em Luxemburgo.
Para as férias seguintes, antes de ir,
falei com Hassan, este falou com o médico do hospital, mandei medicamentos
antes, eu mesmo levei desde Argel, tudo que podia, esse dinheiro era para ser
usado.
O homem que me acompanhava, sempre me
disse, isso fazia meu avô feliz.
Me reencontrar com Hassan foi uma coisa
fantástica, me avisou, que nas férias estaria fora, ia acompanhar uma caravana,
para seguir ensinando os meninos.
Me senti completamente perdido, mas atendia
todo mundo que aparecia por lá.
A população, era mais de pessoas de idade,
algumas retornadas depois de anos trabalhando em França, ou mesmo em Argel.
Os jovens quando iam embora, não
voltavam. Alguns queriam sempre
derrubar o governo.
Mas esses coitados, eram levados por
agitadores que os enganavam.
Quando Hassan chegou, fiquei louco de
alegria, me contou como tinha sido a viagem, me lembrei de ti, disse que tinha
tido que socorrer algumas pessoas, que o que tinha aprendido comigo, tinha
ajudado.
Quando pensei em voltar, Jean Paul me
chamou urgente, fomos os dois, meu pai tinha morrido dormindo.
Ele apesar de ter organizado tudo, ficou
surpreso com seu último desejo, queria que suas cinzas fossem ficar junto com
seu pai no deserto.
Jean Paul disse que nos últimos tempos,
falava sobre isso, as férias em crianças, lá, bem como sua adolescência, contou
a ele, que tinha se apaixonado pela primeira vez lá.
Dizia que via o Hassan assim, como o homem
que ele tinha amado na sua adolescência, que seu pai em seguida o colocou
interno num colégio.
Só tinha voltado para levar as cinzas do
velho, a partir desse momento passou a se lembrar do mesmo, inclusive esse
rapaz era parecido com ele.
Voltamos, pensei muito nisso, não queria
perder o que tinha com Hassan, Jean Paul veio também, foi ficando, conseguimos
uma casa grande, a reformamos, nos adaptamos a maneira local e viver, nunca fui
tão feliz na minha vida.
Eu saia para largos passeios com Jean Paul,
íamos conversar com os dois, como ele dizia, para saber se do outro lado tinham
alguma novidade.
Hassan sempre estava com algum aluno novo,
garotos que apareciam com alguma caravana.
Alguns foram ficando, não tinha pais, o
mais interessante, um dia, apareceu uma caravana, traziam um garoto negro como
a noite, com uns olhos brilhantes, me viu, saiu correndo, falava em Yoruba,
apontava para o homem ao meu lado.
Ele me disse que ias cuidar de mim.
Consegui de uma certa maneira adota-lo,
quando perguntei seu nome, não sabia, lhe coloquei o nome de meu avô Abdul,
assim ele tinha o neto que queria.
Hassan, o ensinou a ler e escrever, disse
que o garoto era uma esponja, aprendia rápido tudo, nos acompanhava ao deserto,
ia sempre no meio de mãos dadas comigo e com Jean Paul.
Este dizia que era seu avô, o ensinava a
falar direito francês, pois comigo quando estávamos a sos, falava nessa língua.
Um dia Hassan, foi mordido, por uma
serpente nas areias do deserto, estava com uma caravana, uma se escapou da
cesta aonde estava, a tinha capturado para vender, ele foi defender um garoto, levou
a mordia.
Teve uma morte dolorosa, mas fiquei ao seu
lado, o enterramos juntos com os outros, nada de cinzas, enterramos de verdade.
Fiquei desorientado, resolvi passar um
tempo em Paris, pois tinha agora outro médico por lá, um rapaz dali que tinha
voltado.
Em Argel, arrumamos documentos para o
Abdul, ia sentado no avião me consolando, dizia que tinha perdido outro pai.
Jean Paul, logo conseguiu um professor,
para o preparar para o semestre seguinte, como tinham feito comigo. Ia leva-lo todos os dias a escola, depois ia
buscar. Faziam um contraste incrível,
pois Jean Paul era muito branco, dizia para todo mundo que era seu neto.
Me surpreendi quando um dia, o homem negro
começou a falar comigo, pois algumas pessoas diziam que o devíamos levar a
mesquita.
Ele disse que nem pensar, esse garoto
perdeu a família, justamente por causa disso.
Ele é animista, vou arrumar alguém para lhe
ensinar nossa religião. Não sei como
isso aconteceu, um dia encontramos numa praça, um homem vestido todo de branco,
se aproximou falando Yoruba, o Abdul ficou feliz, pois comigo falava.
As vezes uma mistura, pois perdia as
palavras, as substituía por árabe.
Se matava de ria, quando eu o colocava na
cama, procurei ler sobre os mitos animistas, contava para ele as histórias, o
negro que eu nunca sabia o nome, me corrigia.
Ele que o escutava ria disso.
Jean Paul se sentava do outro lado da cama,
para lhe arrumar os lençóis.
Depois os dois íamos sentar na biblioteca,
eu tinha voltado a trabalhar no hospital D’Dieu.
As vezes me sentia completamente perdido,
despertava de madrugada, procurando Hassan na cama, mas estava sozinho.
Um dia conheci no hospital, um outro
médico, que estava fazendo uma especialização, era Argelino, tinha estudado em
Argel, estava ali para melhorar seus conhecimentos.
Se surpreendeu que eu falasse árabe, comigo
falava de tudo.
Segundo Jean Paul, me olhava de maneira
diferente, acabamos nos encontrando na cama, ele era diferente do Hassan,
gostava de um bom romance antes.
O melhor foi que Abdul, se abraçava a ele.
Era filho de um Argelino, com uma francesa,
Paul Hamand, as pessoas não entendia, falava um francês carregado.
Acabou indo ficar lá em casa, nas férias
quando disse que talvez fossemos para o deserto, ficou me olhando, perguntou se
era sério.
Ele já não tinha família nenhuma em Argel, foi
conosco, assim aprendo mais contigo.
Se divertia com meu filho Abdul, agora ia
conosco conversar com nossos mortos.
Sonhei com Hassan um dia, que sorria, fiz
um largo caminho, tinha que te acompanhar nesse pedaço de tua vida, agora tens
outro companheiro.
Mais dois anos, Abdul, teria que ir à
universidade, tinha dúvidas, como sempre o conselheiro familiar em Jean Paul,
saia com ele pelas tardes, para o levar a algum café, ficavam os dois ali
sentados conversando.
De uma certa maneira estava preparado para
muitas coisas, podia estudar línguas, medicina, ou administração, era excelente
em matemáticas.
As pessoas quando dizia que era meu filho,
primeiro me olhava estranhando, depois entendiam.
Muitos diziam que sonhavam que seus filhos
fossem iguais.
Ele acabou entrando em medicina, assim
dizia ele, um dia iria poder cuidar da sua gente.
No segundo ano da universidade, foi com uma
ONG, a Costa do Marfim, depois a cada ano, ia para um pais diferente da Africa,
o homem que andava comigo, dizia que ele o tinha perguntado de aonde tinha
saído, mas não posso dizer, ele tem que descobrir sozinho.
Assim, foi, uma vez foram para uma região
complicada, em guerra, Burkina Fasso, lá encontrou suas raízes, agora ia sempre
que podia, economizava do dinheiro que eu lhe dava para poder ir.
Sabia que um dia o perderia, numa das
últimas vezes, me pediu socorro, lá fui eu com Paul, ele tinha encontrado um
garoto ferido numa estrada, consegui no consulado, autorização, para levar
conosco.
Em Paris, Jean Paul, começou a mexer os
papeis, o adotei.
Jean Paul, dizia que voltava ao papel de
bisavô, pois fazia a mesma coisa que tinha feito com Abdul.
Eu me preocupava pois ele já tinha muita
idade, mas dizia que isso o fazia se sentir revigorado.
Quando Abdul, apareceu na vez seguinte, com
uma jovem, tinham se casado antes de voltarem, ela era médica como ele, se
casaram de novo em Paris.
Logo tinham filhos, mas seguiu indo sempre
que podia, a algum lugar da Africa com alguma ONG de médicos.
Esses diziam que quando o viam, se sentiam
mais seguros, confiavam mais, agora iam os dois.
As crianças ficavam comigo, me matava de
rir, Paul, era o próprio paizão.
Os anos passaram, agora as vezes me lembro
do meu tempo no Brasil, eu me desesperava, pois não via nada de futuro pela
frente, por isso talvez tenha pedido auxilio ao meu avô.
Sempre vou a mesquita com Jean Paul, meu
filho pequeno, o ensinei a rezar, adoro fazer os preparativos com ele antes de
entrar, pois o faz em total concentração.
Paul se mata de rir, pois diz que os dois
exageramos, ele faz muito rápido, eu necessito de tempo para pensar antes de
entrar nos meus queridos que estão no deserto.
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