COSME VELHO
Eu sempre dizia ao meu filho, uma ladainha,
se alguma coisa acontecesse, sempre nos restaria o Cosme Velho.
Isso porque foi lá que vivi minha infância,
bem como juventude, depois uma parte da idade adulta.
Meus avôs tinha duas filhas, a mais velha
desapareceu no mapa, conheceu um gringo, foi embora para os States, como se
dizia na época, já minha mãe meu avô Fulgêncio da Silva a obrigou a casar-se
com só 16 anos, precaução, dizia, para que não caísse na vida como a outra,
pois era muito bonita.
Ele como era da aeronáutica, trabalhava ali
no aeroporto Santos Dumont, a casou com um sargento, José Miguel, foram viver perto
do Maracanã, eu nasci um ano depois, com dois anos começaram os problemas, ele
para engordar o salário que ganhava, começou a vender drogas lá na escola da
aeronáutica, o pegaram no fraga, colocaram para fora, sem direito a nada, mas
ele seguiu fazendo isso, agora não tinha escapatória, estacionava seu carro de
uma maneira que podia escapar, ali vendia as drogas.
Um belo dia, alguém queria o lugar para
fazer o mesmo, lhe deu um belo tiro na cabeça, minha mãe não teve remédio do
que voltar para casa dos pais.
Começou ajudando minha avó Maria Pereira
nas costuras, meu avô Fulgêncio diga-se de passagem era um bom sem vergonha,
como minha avó era filha única de um alfaiate judeu, este a obrigou a casar-se
com separação de bens, então o apartamento que vivíamos no Cosme Velho era
dela, nada iria para ele, o filho da puta não ajudava em nada, ela dava um duro
desgraçado para seguir em frente, mesmo agora com a filha e neto para alimentar.
O sem vergonha chegava, colocava um pijama
daqueles de listras, se sentava num cadeirão na frente da televisão, ali comia,
só se levantava para mijar.
Minha mãe dizia que se pudesse teria uma
garrafa ao lado para fazer isso.
Não parava de pedir coisas, não se movia do
lugar, um belo dia, minha mãe perdeu a paciência, estavam com uma encomenda
importante, ele querendo café, ora água, mas não se mexia.
Ela se levantou, se plantou diante dele,
com o café bem quente, da próxima vez o senhor se levanta para buscar, fez que
tropeçou, derrubou o café em cima dele.
Ficou uma fera, mas ela tinha se aprendido
a defender como marido que chegava até a alma de drogas, pois como todos os que
vendiam, consumia também.
Ele queria expulsá-la de casa, minha avó
aproveitou para lhe dizer, que ali quem sobrava era ele que além de não ajudar,
só enchia o saco.
Eu fui estudar numa escola, basicamente do
outro lado da rua, ali passava uma boa parte do dia, vinha para casa, não era
como os outros garotos, me sentava ao pé das duas, ia limpando as costuras,
colocando botões, qualquer coisa para ajudar, tinha noção de que a vida era
dura.
Ele ficava volta e meia soltando que assim
eu ia acabar sendo um viado.
Melhor que um velho abusado, soltava minha
avó.
Um dia apareceu uma vizinha, era uma mulher
muito bonita, viúva sem filhos, queria encomendar um vestido de festa, trouxe o
tecido, mostrou uma fotografia, depois a conversa das duas era, aonde ela ia
usar esse vestido.
Quando veio provar, tinha que usar o quarto
da minha mãe, pois o velho não se movia da sala, ficou como uma luva, minha mãe
muito sem graça, lhe perguntou aonde ia usar esse vestido, era uma copia de um
modelo de alta costura francês.
Eu escutava a conversa toda, olha minha
amiga, com o salário mínimo de viúva, não chego ao final do mês, conheci uma
francesa, ela tem uma agencia de Scorte, me ensinou a me comportar numa mesa
fina de restaurante, sou obrigada a ler os jornais, principalmente a parte de
negócios, acompanho senhores a um restaurantes, a algum lugar importante, assim
ganho mais dinheiro que ir trabalhar num armazém, evidentemente muita gente
pensa que sou puta, mas o corpo é meu, faço o que quero com ele, se me oferecem
um bom dinheiro, porque não, é só lavar, está como novo, disse isso rindo
muito.
O vestido ficou perfeito nela.
Dois dias depois estava perto da janela que
dava para a rua, a vi saindo, com o mesmo, num salto alto desse de vertigem,
muito bem maquilada, com os cabelos presos num coque fino.
Chamei minha mãe, minha avó, veio olhar
também, ela antes de entrar no carro, abanou a mão.
Apareceu dois dias depois, para encomendar
outro, fez uma pergunta discreta a minha avó, se poderia trazer a madame
francesa, para encomendar vestidos.
Claro que sim, as clientes são sempre bem
vindas, minha mãe tinha ido olhar o preço de um vestido mais ou menos parecido
numa boutique de Ipanema, que era aonde se fazia a moda da época.
Eu fiquei literalmente deslumbrado com a
madame, a mulher parecia sair de uma capa de revista, trouxe a primeira revista
de moda francesa que vi em minha vida.
Quem mais a olhava era eu.
Minha mãe fez uma coisa, colocou a
televisão, bem como a poltrona do velho, numa saleta da área de serviço, o
velho ficou uma fera, que nem podia ficar no bem bom em casa, que lhe
respeitavam mais no quartel do que lá.
Não seja por isso, vá viver no quartel
soltou minha mãe.
Arrumaram a sala toda, colocaram um espelho
de corpo inteiro, assim as clientes podiam se ver melhor.
Madame elogiou o trabalho delas no vestido
da vizinha. Falava português com um
sotaque arrastado. Ficou olhando minha
mãe, dizendo que ela estava perdendo o tempo costurando, podia estar ganhando
dinheiro trabalhando com ela.
Minha mãe era tímida, ela pediu que lesse
uma noticia no jornal, o fez corretamente, afinal tinha estudado na escola
Sion, aonde tinha aprendido falar inglês e francês, soltou isso, infelizmente
não pude seguir meus estudos, fui obrigada a me casar.
Madame passou a falar com ela só em
francês, a fez sentar-se numa cadeira, me pediu uma escova, o material de
maquilagem de minha mãe, fui correndo, era curioso, sabia que minha mãe era
bonita, em seguida parecia outra pessoa, nada de uma maquilagem exagerada, sim
uma que realçava seus traços de uma mulher morena.
Minha avó se matava de rir, ficas linda
minha filha.
Se um dia quiseres, venha até minha casa,
deu um cartão, vivia no Leme.
Quando fomos levar dois vestidos para ela
provar, eu fui junto, para ajudar a carregar os dois, estava fascinado com o
calçadão, com gente correndo, andando, ou mesmo sentada na areia.
A casa era super bem decorada, sem muitos
exageros.
Os vestidos ficaram perfeitos, ela deu uma
série de revistas para minha mãe, disse o que deveria fazer, ir ao centro da
cidade, ver nas lojas dos árabes, as peças de seda, ou outro material que
casassem bem com esses trajes de noite.
Tem uma coisa, vou passar a mandar as
meninas que trabalham para mim, encomendarem roupas com vocês.
O velho Fulgêncio ficou uma fera, que agora
sua casa ia ser frequentada por putas, aonde já se viu isso, um dia no bar,
quando seus amigos da cerveja comentaram isso, teve um principio de enfarte, o
levaram para o hospital da aeronáutica, ali no Rio Comprido, a casa parecia
outra sem ele, se encaprichou de uma enfermeira, de lá foi viver com ela. Quando apareceu para buscar seu uniforme,
suas roupas, teve que assinar um documento de divórcio da minha avó.
Ficaram feliz, se livravam dele.
Nossa vizinha bonita, seguia encomendando
roupas, um dia veio pedir se as duas podiam fazer um vestido, nada de banco,
uma color bege, ia se casar com um cliente rico, lá de Goiás.
Quem escolheu o modelo fui eu, de uma das
revistas, mostrei para ela, sorriu, esse garoto tem bom gosto.
Me elogiava sempre, pois eu não estava com
os outros da minha idade, jogando bola na rua, estava lá ajudando.
As duas agora faturavam bastante, minha mãe
se atreveu a fazer um vestido para ela mesma, num dos tecidos que ia com ela
buscar no centro da cidade, os árabes sabiam o que ela queria, coisas que de
uma certa maneira já não eram moda, mas que davam belos vestidos.
Fomos levar outra encomenda da madame, riu
para minha mãe, dizendo, estas aprendendo, nos convidou para almoçar, fomos a
um restaurante fino, ficou surpresa, que ela soubesse se comportar na mesa, lá
em casa o único que nunca se sentava na mesa era o velho, comia no seu
cadeirão, que mal ele foi embora, desapareceu.
Evidentemente eu sofria bullying na escola,
mas nas aulas de educação física aprendi a me defender, tinha um amigo desde
pequeno, Rodolfo, os dois nos defendíamos dos outros.
Em sua casa, todos os nomes começavam por
“R”, Romano, Remo, Rodolfo.
Ele era o menor, tínhamos a mesma idade,
descobrimos o sexo juntos, ele quando viu o que eu tinha no meio da perna ficou
louco, nessa época ainda não era alto.
O deixava fazer tudo que queria, me dizia
baixinho um dia quero que entres em mim, mas claro isso só aconteceu, um dia
que sua mãe não estava em casa.
A partir daí, sempre que sua mãe saia, me
chamava, mas queria claro sempre o mesmo.
Minha mãe resolveu experimentar trabalhar
para madame, antes, ficou uma semana na casa dela, aprimorando, saber se sentar
numa mesa, conversar sobre qualquer assunto, ler o jornal do Brasil e o Globo
logo de manhã, para saber o que se andava fazendo em termos de negócios, tudo
isso falando em francês, ou inglês.
Eu claro, chegava da escola, me sentava
numa maquina de costura, ajudava minha avó, as costuras mais simples fazia eu, aprendi
com ela a cortar as roupas, tirar medidas da cliente, ela me deixava provar as
roupas, pois claro, tinha dois belos calos nos joelhos, de se ajoelhar para
fazer alguma coisa na roupa.
Eu fazia isso de letra, mas ao mesmo tempo
fui crescendo, de repente dei uma esticada, ela ria muito, dizia que eu parecia
meu avô, que era alto.
Numa das minhas férias, me levou ao centro
da cidade, a uma alfaiataria, tinha sido de seu pai, segundo, ela, fiquei todas
as férias, depois mais algum tempo, ela sabia que eu aprendia olhando, fiz
todos os serviços, desde varrer, até aprender a montar um terno.
Era o que ela queria, estava na moda agora
por causa de YSL, tinha visto numa das revistas, as mulheres se vestirem com
trajes com corte de alfaiates.
Essa parte ficou para mim, na vez seguinte
que fomos comprar tecido, eu escolhi tecidos que podiam servir, minha mãe que
seguia trabalhando em casa, as vezes se ausentava para atender algum cliente.
O primeiro traje que fiz, em risca de giz,
foi para madame, sabia suas medidas, quando ela apareceu, eu lhe mostrei o que
tinha feito, pedi que provasse.
Ficou encantada, lhe mostrei a foto da
revista. Me pediu que lhe fizesse um em
veludo, o que era um horror, pois se tinha que cortar tudo na mesma direção,
pois senão ficava diferente.
Depois para o final do ano, lhe fiz também
em veludo azul escuro, um smoking.
Nessa época tinha um anos, minha mãe
conheceu um italiano, que queria se casar com ela, mas claro teria que ir para
Milão, aonde ele vivia.
Se sentou comigo e minha avô, para
conversar. Se casariam antes no Brasil,
mas ela esperta consultou no consulado italiano, teria que se casar no civil,
ir ao consulado registrar os papeis.
Nada de ir como puta do senhor.
Ele veio nos conhecer, pediu desculpa de
roubar minha mãe.
Lá foi ela, mas antes abriu uma conta no
banco em meu nome, mandava dinheiro todos os meses, dizia ao marido que tinha
que colaborar com as minhas despesas, nunca mexia nesse dinheiro.
Agora só os dois, minha avó arrumou uma
garota para ajudar, que vivia suspirando, a coitada não era bonita, mas sonhava
em conhecer um príncipe encantado.
Rodolfo, como eu, estava na época de ir à
universidade, eu pensava fazer o Senai Cetiqt, fui fazer moda, além de aprender
a desenhar.
Rodolfo foi estudar direito, um belo dia um
irmão dele nos pegou no pulo, ele sentado em cima de mim, gemendo, foi uma
merda, se mudaram inclusive do bairro.
Não o vi mais durante muito tempo.
Tinha uma rotina complicada, tinha que ir
ao Senai Cetiqt de manhã, fazer aulas, me saia bem, porque na verdade já sabia
costurar, o meu era saber criar, desenhar, inventar alguma roupa.
Me sai bem durante todo o curso, os
professores me elogiavam. Aprendi a
administrar também saber cobrar direito o que fazíamos, agora tinha mais duas
ajudantes.
Madame, trazia todas as mulheres que
trabalhavam para ela, diziam que teriam roupas boas, nada caras, na primeira
encomenda sempre dávamos um desconto.
Ela se matava de rir comigo, pois com ela
só falava francês, começou a me trazer livros, de escritores franceses,
enquanto a atendia, me perguntava se tinha ou não gostado, falávamos do
assunto, ela era louca por Simone de Beauvoir, que eu aprendi a gostar.
Me perguntava se tinha alguém na minha
vida.
Nessa época tinha que arrastar minha avó,
ao médico não andava bem, falei a respeito com minha mãe, que agora mandava
revistas de moda italiana, que tinha algum outro estilo.
Ela também estava com sua vida complicada,
seu marido era muito mais velho do que ela, estava doente, acabo ficando viúva.
Quando minha avó morreu, debruçada em cima
de uma máquina, porque queria acabar um vestido, um pedido urgente para uma
cliente fina.
Telefonei para minha mãe, atendeu
sonolenta, lhe disse o que tinha passado, a levaram para uma funerária, para
dar tempo dela chegar ao Brasil.
Segundo me diria depois, tinha acabado de
vender o apartamento que vivia com o marido, tinha ido a um banco, para
transferir todo o dinheiro que tinha herdado, mais esse.
O enterro, foi pobre como se diria, Madame
não faltou, bem como ajudou a providenciar tudo, foi enterrada no Cemitério do
Caju, na parte dos judeus, no mesmo tumulo do seu pai.
Eu nunca tinha ido a uma sinagoga, foi um
conhecido dela, que rezou o Kadish, me ensinou para fazer junto.
Iria sentir muita falta dela, nunca tinha
me recriminado nada, nem quando do escândalo que fez a família do Rodolfo, nem
uma palavra, ou critica, dizia que a vida era minha que eu tinha que
administrar.
Agora teria que me virar sozinho, contratei
mais uma senhora, mas claro nunca era igual, eu tinha que levar o grosso do
negócio, não me sobravam tempo para ir à praia nada disso.
Eu já tinha quase 28 anos, quando ganhei
meu filho, ganhar é um modo de dizer.
Uma das mulheres de Madame, uma mulata
lindíssima, tinha um filho com um negro, um francês queria casar-se com ela, mas
claro não queria o filho, já tinha dois.
Minha mãe, agora era o braço direito de
Madame, disse que ficava com ele, se o desse em adoção, fomos conversar com um
juiz. Um homem interessante, era até jovem.
Lhe expliquei o que fazia, olhei inclusive
o terno que usava, perguntei se tinha mandado fazer ou comprado feito.
O convidei para ir ao meu studio como o
chamava, ele foi olhar, antes de decidir.
Acabei fazendo um belo terno para ele, que
virou um cliente, de cama e mesa.
Me deu o garoto em adoção, o pessoal ria,
mas eu cagava e andava, pois ele era negro, com os olhos azuis. Lhe dei meu sobrenome, José Luiz Pereira, a
muito tempo tinha deixado de usar o da Silva.
As pessoas me conheciam como Pereira,
estava acostumado de me chamarem de qualquer jeito.
Me apaixonei pelo garoto desde o primeiro
momento, ele me olhou, sorriu, me perguntou muito sério, se eu seria seu pai.
A partir desse momento, só o chamava de meu
filho, ele sorria, fala pai.
Sem que eu falasse nada, passou a fazer o
que eu fazia quando era criança, a cortar as linhas, aprendeu a colocar os
botões, mas ia a escola aonde eu tinha estudado.
Anos depois, minha mãe já dirigia todo o
negocio de Madame, está resolveu se aposentar, iria viver numa casa de pessoas
de idade, em Jacarepaguá, fez uma proposta para minha mãe, ficar com o
apartamento dela, bem como o negócio, iria pagando como fossem os lucros, até
ela morrer.
Me sentei com minha mãe, todo o dinheiro
que tinha mandando esses anos todos, estavam aplicados no banco, nunca tinha
tocado nele, ela também tinha o dinheiro do seu apartamento da Itália, bem como
o dinheiro que tinha herdado, ainda recebia uma pensão pelo marido, isso era
dinheiro no Brasil.
Ficamos com o apartamento, Madame fez um
preço muito abaixo do mercado, passou sua agenda para minha mãe, nessa época
ainda se vendia a linha de telefone.
Fizemos uma ligeira reforma no apartamento,
mudamos para lá, bem como minha pequena confecção, agora assinava as revistas
de moda Francesa, Italianas, assim ia levando em frente, sempre fazia uma
modificação nos vestidos, as senhoras que trabalhavam para minha mãe, nunca
duravam muito, muitas acabavam se casando.
Meu filho, levei para estudar numa escola na
praia em Copacabana.
Agora realizava um sonho, ia correr todos
os dias no calçadão, ele se matava de rir, eu me levantava no verão as cinco da
manhã, ia correr, depois parava em algum lugar para fazer exercícios, não
sobrava tempo para ir a um ginásio.
Os tempos agora eram outros, começavam as
mulheres se anunciar na internet, quem entendia disso era meu filho, me ensinou
a usar, mas eu ria dizendo que mal tinha tempo para fazer minhas coisas.
Até essa época, mantinha um relacionamento,
mais de finais de semana com meu Juiz preferido.
Ele até então se mantinha solteiro, por
pressão familiar, se casou com uma parente distante, tinha subido na hierarquia
fiscal.
Nos afastamos, eu fui honesto com ele, não
sabia dividir uma pessoa, agora os finais de semana ele tinha sua família, mas
ficamos amigos.
Meu filho pareceu entender, pois agora era
meu companheiro nos finais de semana, saiamos para correr juntos, lhe ensinei
os exercícios nos aparelhos que existiam ali na praia.
No domingo era o único dia que depois de
comer com minha mãe, no final do dia, íamos os dois dar um mergulho na praia.
Agora minha mãe, funcionava como uma
relações publicas da minha confecção, fazíamos roupas desenhadas para as
clientes, ela foi deixando o negócio da Madame.
Um dia recebeu uma chamada desde Paris, era
um senhor que queria alguém para lhe fazer companhia nos dias que estivesse de
férias no Rio de Janeiro, que o acompanhasse para conhecer a cidade, que
pudesse aparecer com ele, nos encontro com pessoas da universidade, foi claro,
me falam tanto dos brasileiros, que quero saber aonde piso.
Ela foi clara, com ele, madame tinha
morrido já a um ano, deixou todo o dinheiro que tínhamos pago pelo apartamento,
para meu filho ir à universidade. Os
três íamos sempre visita-la, nos apresentava como sendo sua família. Aliás seu enterro foi interessante, nunca
tinha verbalizado que era judia, a quantidade de mulheres no velório no
cemitério do Caju era imensa.
Foi quando descobrimos que não era
francesa, era uma mineira de família fina de Belo Horizonte.
Minha mãe explicou ao senhor, que podia
atende-lo, mas dentro de certas restrições, nada de aventuras sexuais.
Ele chegava num domingo, ela chamou o
taxista que sempre a levava a todos os lugares, foram os dois recolher o homem
no aeroporto, depois o levaram para o hotel que ia se hospedar, ela o tinha
reservado para ele. Era quase ao lado do Copacabana Palace, o hotel Excelsior, depois
iria busca-lo para almoçar no Maxim’s que era do outro lado da rua.
Nós íamos sempre aos domingos almoçar lá,
ela conhecia os garçom pelo nome, disputavam a mesa que ela ia sentar-se,
sempre dava boas gorjetas, dizia ao meu filho, se queres ser bem tratado, trate
bem.
Ele adorava a sua avó, dizia que tinha tido
sorte na vida.
Estava crescendo rápido demais, agora se
sentava ele mesmo para fazer uma camisa nova, ou sabia montar umas calças.
Eu ficava preocupado, pois sabia que
Copacabana era outros quinhentos, do que ter sido criado no Cosme Velho, tinha
o apartamento alugado, minha mãe dizia que nunca se sabia do dia de amanhã.
Dois dias depois, fui chamado a escola do
meu filho, fui nervoso, pensando que tinha acontecido alguma coisa ruim.
Ele estava sentado do lado de fora da sala
da diretora, tinha saído aos tapas com um garoto.
Quando cheguei o pai do mesmo já estava
sentado com a diretora, fez que não me conhecesse, era o Rodolfo.
Perguntei o que tinha acontecido, meu filho
disse que esse garoto perturbava todo mundo, me chama de viado, pois meu pai é,
já conversamos em casa sobre isso, eu sou jovem demais para saber o que sou,
mas esse menino é agressivo, lhe dei um belo cascudo.
O Rodolfo não levantava a cara do chão,
tinha feito um pedido a diretora para expulsarem meu filho, antes que chegasse.
Olhei bem para a cara dele, vejo que não
soubeste educar teu filho, lhe disse para retirar a queixa, a diretora nos
deixou os dois sozinhos a pedido dele.
Retire a queixa ou vou dizer ao teu filho
que comi muito o teu cu, que adoravas sentar-se em cima do meu piru.
Ficou branco, depois vermelho, engoliu em
seco, soltou, é minha mulher que vive falando nisso.
Bom problema teu, retire ou farei um
escândalo.
Ele retirou a queixa, justo quando chegou a
mulher, a coitada era muito feia, aí entendi, uma vez tinha ido a confecção,
tinha um corpo complicado, lhe disse que o vestido que ela queria conforme a
foto, não ia ficar bem nela, se me permite, posso fazer um que fique melhor.
Ficou uma fera, disse que eu a estava
chamando de gorda, queria aquele, lhe cobrei adiantado, conhecia esse tipo de
cliente.
O vestido ficava um horror nela, era igual
ao da fotografia, me ameaçou, seu marido era advogado, ia pedir o dinheiro de
volta.
Eu muito calmo lhe disse que ela tinha um
corpo complicado, ombros estreitos, quadris largos, muita cadeiras, esse tipo
de vestido era feito para pessoas muito magras, a senhora veja, as manequins
são muito magras.
Para que fui dizer isso, ficou uma fera,
foi embora enfiando o vestido de qualquer jeito na bolsa, meu marido vai te
procurar.
Ai quase me matei de rir, pois disse que
seu marido tinha recuperado o dinheiro dela.
Usava os cabelos loiros, muito queimado,
quero que o filho desse viado, seja expulso da escola, isso na frente dos
meninos e da diretora, olhei para o Rodolfo com pena, mas não tive dúvida,
antes de me chamar de viado a senhora deve saber que comi muito o cu do seu
marido.
Ela abriu a boca, não conseguia fechar,
virei para a diretora, disse que pedia a expulsão do filho dessa família, pois
se vê que a mãe nem o pai tem educação, quanto muito educar um filho.
Rodolfo saiu dali arrastando os dois, ela
gritando altíssimo, deste o cu para esse viado.
Sai andando pela avenida, com os braços em
cima do meu filho, que sem querer se matava de rir.
Lhe disse, esse meu amigo me dá pena, nunca
pode ser quem ele queria ser, pais dominadores, uma família complicada, o
obrigaram a estudar direito, pois queriam um advogado na família, agora essa
mulher que tem.
O senhor comia ele mesmo?
Sim filho, coisa de juventude, foi o meu
melhor amigo nessa época.
Quando passamos pelo Maxim’s encontramos
minha mãe, com o senhor francês.
Nos apresentou, meu filho e meu neto, o
homem ia se levantar, eu lhe disse me francês, que não era necessário, nos
convidou para um chopinho.
Eu soltei, bem que estou precisando, meu
filho começou a falar em português com sua avó, lhe disse que não fosse mal
educado com o senhor, fale em francês, afinal pago para estudares na Maison de
France para que?
O homem ria com a maneira dele contar as
coisas, ao invés de estar escandalizado, se matava de rir.
Me olhou na cara, dizendo, meu filho
precisava conhecer alguém como tu, pois vive num mundo que lhe digo que já não
existe, é professor de literatura na Sorbonne, mas é muito tímido.
Vou dizer que venha passar as férias aqui,
assim podemos sair todos juntos.
Por sorte meu filho entrava de férias dois
dias depois.
Nessa noite fomos jantar com os dois, minha
mãe levava um vestido feito por mim, ele estava encantado, lhe contei que no
Brasil, as pessoas gostavam de coisas copiadas da França, que a alta costura já
nem existia, eu sempre sugiro uma modificação, mas elas querem igual as fotos,
esquecendo que as manequins hoje em dia são extremamente magras.
Ela queria saber como eu tinha me tornado
costureiro, lhe contei que tinha aprendido de criança com minha avô e minha
mãe, as ajudava, meu filho me ajuda também.
Sua mulher era negra, me perguntou?
Minha mãe lhe contou a história do meu
filho, assim ganhei um maravilhoso neto, nunca mais tínhamos sabido de sua mãe.
Ele como era o chamando de Monsieur, eu
tive sorte, ganhei uma avó maravilhosa, bem como um pai para ninguém botar
defeito.
Dois dias depois fui a escola com meu
filho, buscar o resultado dos exames, ele tinha tirado notas altíssimas, ela me
pediu desculpa pelo que tinha acontecido, o outro garoto ao contrário tem as
notas mais baixas da escola inteira.
Teremos que aceitar a matricula do mesmo,
pois aqui não fazemos segregação, completou dizendo que adoraria ter um vestido
feito por mim, lhe dei o meu cartão, a senhora marque uma hora, será um prazer.
Vê meu filho, nada como ser educado, fizemos
já sua matricula para o ano seguinte.
Vinha conversando com ele, o que ele
gostaria de estudar, daqui mais dois anos teria que ir a universidade.
Quando chegamos no Maxim’s, minha mãe,
estava sentada com Monsieur André, ao lado dele tinha uma cópia mais jovem, era
um homem bonito, cheio de sardas, a boca era vermelha, os cabelos também, creio
que me apaixonei nesse instante.
Fomos apresentado, ele ficou segurando
minha mão, lhe apresentei meu filho, ele disse seu nome, Pierre.
Acabamos almoçando ali, avisei a senhora
que era meu braço direito, graças a deus como todo mundo pensava só no
carnaval, estávamos sem muito trabalho, nessa época eu dava férias as mulheres
que trabalhavam para mim.
Pierre se via deliciado com a conversa do
meu filho, este comentava, que eu tinha lhe perguntado o que queria estudar.
Tenho que pensar, adoraria fazer Designer,
mas no Brasil isso parece não ter muito futuro.
André estava encantado, como um garoto
podia ter essa cabeça, ele me sinalizou, graças as nossas conversas.
Depois arrumei uma desculpas, para irmos
para casa, tinha dois vestidos para acabar, para uma festa no Copacabana
Palace.
Pierre disse que queria esticar as pernas,
tinha passado muito tempo no avião.
Fomos andando pela praia, foi me
perguntando se era perigosa, eu disse que normalmente íamos a praia em frente
de casa, mostrei para ele, aqui se reúnem os gays, mas há que tomar cuidado,
pois a maioria lhe expliquei o que acontecia, alguns aproveitavam para roubar
os turistas.
Ele achou graça de falar isso diante do meu
filho.
Ora ele já é quase um homem, tem que saber
o que acontece, ele sabe que não suporto ver as pessoas metidas em drogas, nada
do gênero.
Quando chegamos o convidei para subir, mostrei
um terno que estava fazendo para um cliente especial, um coronel, que deixava
de usar farda, sua mulher era uma cliente minha.
Ele gostou, perguntou se eu podia fazer
alguma coisa para ele.
Mostrei tecidos de linho, tinha um tecido
azul cobalto, coloquei no ombro dele, para ele ver que com a cor de seus
cabelos ia ficar bem.
Jose Luiz, me ajudou a tirar as medidas
dele.
Parece que terei que ficar mais tempo por
aqui.
Depois se sentou olhando o mar, se virou
para mim, dizendo podia passar o resto da minha vida, olhando esse panorama.
José Luiz o foi levar ao hotel, voltou
rindo, ele não parava de fazer perguntas, falar do senhor.
Se nos vissem de noite, realmente
parecíamos uma família.
Ele tinha vindo para passar dez dias,
acabou ficando as férias inteira, o André estava literalmente apaixonado pela
minha mãe, era viúvo a muito tempo, ela foi a todas as reuniões que ele tinha,
ainda foi a São Paulo, ele tinha contatos na universidade de lá.
Pierre acabou ficando lá em casa, uma noite
foi para meu quarto, devagar, foi me conquistando, eu lhe disse muito sério que
tinha medo de me apaixonar, pois logo ele iria embora, eu tinha minha vida ali.
Acabou ficando ele, arrumou aulas na Maison
de France, num colégio Frances, aonde dava aulas de literatura, minha mãe ao
contrário foi para a França com André, falávamos sempre por telefone, ela
sentia principalmente falta do seu neto, mas vinha todas as férias, ficavam lá
em casa.
José Luiz, uma férias que fomos para lá,
resolveu estudar Designer na França, agora erámos, nós que sentíamos falta do
filho, para o foi impressionante, nem podia imaginar que tinha se acostumado ao
meu filho, os dois podiam falar horas de muitos assuntos.
Minha mãe estava nesse ponto contente,
tinha o neto para estar com ela.
Um dia fui ao centro da cidade comprar
material, dei de cara com o Rodolfo, pediu se podíamos tomar um café.
Eu pedi desculpa com o que tinha
acontecido, me disse que nem pensar, sem querer o tinha obrigado a romper
contudo, levava mais de um ano saindo com um rapaz, não me atrevia tomar uma
resolução, acabei pedindo o divórcio, fui viver com ele, sou feliz. A jararaca com quem me casei, ficou furiosa,
se negou a me dar o divórcio, até que conheceu alguém que gosta dela, meu filho
foi muito mal educado, com todos os preconceitos que ela tem, agora está
perdido, saiu do Rio de Janeiro, foi para o norte do pais, na casa dos avôs
maternos.
Perguntou por mim, disse que estava junto a
muito tempo com uma pessoa maravilhosa que tinha largado tudo na França para
viver lá comigo, meu filho agora vive lá com minha mãe, esta fazendo a
universidade lá.
Quando André esteve mal de saúde, fomos
para lá, acabei conhecendo gente, comecei a fazer moda em pequena escala,
atendendo pessoalmente as pessoas.
Quando meu filho se formou, logo conseguiu
trabalho, anos depois se casou com uma colega, uma menina fantástica, os dois
acabaram montando uma empresa.
Minha mãe estava feliz de estarmos todos
juntos, quando menos esperava André faleceu, foi uma porrada para ela.
Mas estávamos ali para apoia-la, logo em
seguida nasceu seu bisneto, era ela quem cuidava dele, enquanto os pais
trabalhavam.
Eu nunca me cansei do Pierre, com ele tinha
um relacionamento diferente, dizia que as vezes tinha ciúmes, pois via como
alguns homens ficava atrás de mim.
Eu achava interessante, pois não percebia
isso, tinha minha vida tão voltada para ele, que não pensava no assunto.
Agora a idade começava a pesar, já tinha três
netos, era o que me prendia lá, nos matávamos de rir, pois José Luiz, sempre
tinha medo que as coisas pudessem ir mal.
Eu lhe dizia que nesse caso, sempre estaria
Cosme Velho, ele entendia, os dois apartamentos seguiam alugados, não valia a
pena vender, para transferir o dinheiro para Paris, a diferença era muito, se
perdia.
Quando Pierre se aposentou, não quis seguir
trabalhando como seu pai tinha feito, voltamos para o Rio numas férias,
reformamos o apartamento do Leme, passamos a viver lá, ele sentando no seu
lugar favorito olhando o mar, dizia novamente, eu podia passar o resto da minha
vida aqui olhando esse panorama, claro se tu estas comigo, estou com Deus.
Tinha aprendido falar assim no seu
português com sotaque, com meu filho.
Nas férias das crianças, eles vieram nos
ver. Foi uma festa e tanto, eu conversei com meu filho, que daqui alguns anos,
seria difícil para nós pela idade, irmos até lá.
Mas ainda fomos a formatura dos meninos. Foi a última viagem de minha mãe, faleceu logo
que voltou para o Brasil, morreu dormindo.
A enterramos junto com sua mãe. Agora eu já sabia dizer o Kadish.
Os meninos do José Luiz, iam a uma
sinagoga, pois sua mulher era filha de judeus, eu achava interessante isso,
dizia que minha avó devia ficar feliz, pois finalmente alguém da família se casava
com outro judeu.
Depois ria sozinho, sempre me esquecia que
José Luiz era meu filho adotivo, mas nunca tinha pensado diferente desde que o
chamei a primeira vez de filho.
Me preocupo com Pierre, damos largos
passeios pelo calçadão, correr não, digo a ele que precisa mover os ossos.
Ri, concorda me acompanha, sempre dizendo
ao meu ouvido o elevador, contigo vou até ao inferno.
André sempre dizia que quando me viu,
pensou, é a pessoa perfeita para meu filho, se vão complementar, isso era uma
verdade.
Ele é mais intelectual, eu sou pé no chão,
agora que não trabalhamos mais, leio os livros que ele me indica, depois
ficamos conversando a respeito, isso temos em comum, gostar de ler.
Agora ficamos esperando as férias, para ver
os netos chegarem, um deles adora estar no Brasil, leva o nome do bisavô,
André.
Um dia encontrou maquinas de costura na
área de serviço, me pediu se podia ensinar a costurar, no ano seguinte, disse
que estava fazendo um curso de moda em Paris, era um mulato muito bonito, com
os olhos azuis do pai.
Acabou sendo manequim, fazendo cinema, era
o artista da família.
Um deles, saiu ao pai e a mãe, trabalha com
eles, o outro, esse é outra história, entrou para a política logo cedo, ainda
na universidade, diz que um dia será presidente da França.
Acabei vendendo o apartamento do Cosme
Velho, os inquilinos nunca cuidam bem das coisas.
Sabia que José Luiz, nunca voltaria ao
Brasil.
Conversamos muito, pois agora estávamos os
dois muito sozinhos, deixamos o apartamento do Leme, para as férias de família,
voltamos para Paris, assim quando tenha bisnetos, se vou chegar a vê-los,
estamos esperando, mas sigo adorando conversar com meu filho.
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