D' ANNUNZIO
Os
sinos tocavam anunciando a morte de alguém?
As pessoas que estavam na Praça de São Pedro, paravam para olhar se era
o Papa. Já se falava nas rádios, que o
Cardeal Nuncio D’Annunzio, tinha falecido, após larga doença. Era um cardeal que todo mundo tinha
simpatia, conselheiro do papa, para os assuntos da família e congregação. Era tido como um homem parco de palavras, mas
de uma inteligência sutil fora dos limites.
Muitos cardeais falavam dele em largas entrevistas, tinha sido cotado
para Papa, quando o último tinha sido eleito, mas declinou a oferta.
Seria
honrado com uma missa fúnebre, seria oficializada pelo próprio papa. Somente depois de todas essas honrarias, é
que seria lido seu testamento.
Umas
das monjas que cuidavam dele, deixou escapar que nos seus últimos momentos,
estivera acompanhado pelo Cardeal Smith, um americano, seu confessor. Eram amigos de longa data. Além de seu sobrinho, administrador das
propriedades da família do Cardeal.
Alguns
cardeais, esfregavam a mão imaginando, que a igreja agora teria a posse dessas
propriedades, para aumentar seu patrimônio.
Numa
entrevista exclusiva, o Papa, dizia que tinha trabalhado até seu último
momento, pois mesmo na cama, era consultado por ele, estava sempre disposto a
não concordar comigo, mas me mostrando a direção a tomar, para o bem da igreja.
Depois
da missa, atendendo ao pedido que o próprio tinha feito ao Papa, uma outra
missa feita na capela da Mansão D’Annunzio, por seu amigo o Cardeal Smith,
enterrado no cemitério da família, da maneira mais simples possível, nu,
enrolado num sudário, num caixão de pinho.
Muitos acharam um escândalo, porque assim se enterravam os judeus. O Cardeal Smith, cortou a discussão dizendo,
que realmente enterravam assim os judeus, mas que Jesus Cristo, não se podiam
esquecer, era judeu.
Nas
duas missas, tanto no Vaticano, como na missa na Capela da Mansão, estava
presente seu sobrinho, acompanhado dos dois filhos. Era viúvo, a muitos anos.
Este
estava inconsolável. As más línguas
diziam que perdia a mamata, pois vivia na mansão, administrava tudo sem prestar
contas. Isso vai acabar, pois quando o
Vaticano assuma o local, vai colocar para fora toda família.
Ledo
engano.
No
dia da leitura do testamento, estavam o Carmelengo, Cardeal Smith, o sobrinho
Salvo, a superiora que cuidava de um orfanato, que sempre estivera a cargo do
Cardeal.
Quando
todos tomaram assento, o advogado foi direto ao assunto. Há três meses atrás, quando o Cardeal, viu
que não havia solução para o seu problema, tomou várias decisões.
Primeiro,
não faria nenhum tratamento oncológico, só receberia cuidados, a partir que
tivesse dores. Isso tinha sido
cumprido como seus desejos.
Segundo,
reconhecia como seu filho natural, a quem deixava seu título de Conde, todas as
propriedades da família, bem como o direito de usar seu sobrenome, Salvo que
todos conheciam como seu sobrinho.
Salvo é meu filho, como atesta vários testes de ADN, sempre o tive como
tal. Mas em respeito à Igreja, nunca o
reconheci.
As
terras que ocupam o Orfanato dirigido pela Superiora Maria dos Santos
Espíritos, passam a ser propriedade do Orfanato. No Banco do Vaticano, existe uma conta, de
depósitos em nome do Orfanato, passam a ser administrados a partir de agora,
pela Superiora.
Não
deixo nada para a Santa Madre Igreja, pois esta já tem em seu haver, muitos
patrimônios. Espero que algum dia
qualquer Santo Padre, anuncie o fim do Celibato, para não acontecer o que se
passou comigo.
Ao
meu filho deixo acesso a uma caixa forte, na Banca Nacionale de Itália. A chave
está em propriedade do Advogado, tudo que está dentro deixa caixa, pertence ao
meu querido, amado filho.
Aos
meus netos, deixo a minha benção, por eles levei até o final meu silencio, mas agora
eles podem ser realmente um D’Annunzio.
Tudo
estourou como uma bomba, nos corredores da Santa Sé, não se falava em outra
coisa. O Papa tinha sido comunicado pelo
Carmelengo.
Sorriu,
ah meu pobre amigo, companheiro de tantas batalhas, que descanse em paz.
O
Carmelengo horrorizado, perguntou se devia tomar alguma medida a respeito.
Nada,
eu conhecia esse segredo de meu amigo, a muitos anos, mas sua mente
privilegiada me fascinava. Era capaz de discutir qualquer assunto, com
inteligência, quando eu estava errado, não tinha dúvidas em me criticar. Não como o senhor Carmelengo, que não passa
de um hipócrita. Todos sabem de tuas
aventuras, mas se finge de escandalizado, com meu amigo. A partir de hoje estas fora dessas
obrigações, nomearei outro carmelengo, quem sabe meu amigo Smith. Mais honesto que tu.
O
Carmelengo, saiu arrasado, pois imaginava que sua vida particular, estava
abaixo de sete chaves. Perder o cargo
era um desonra muito grande. Tentou ser
humilde, mas sua inveja, cobiça falaram mais alto.
Foi
ele quem divulgou para os jornais, o que ele considerava um escândalo.
O
Papa, logico o exonerou imediatamente.
Nomeou o Cardeal Smith, como seu porta voz. Esse em sua primeira entrevista, disse
claramente, “quem não tiver pecados, segredos, que atire a primeira pedra”.
Não
disse mais nenhuma palavra, quando todos procuraram por Enzo, este só respondeu
“sem comentários”.
Seu
pai tinha sido o melhor de sua vida, não ia agora jogar lama em cima de seu
próprio nome.
Levou
dias retirado na Mansão, só recebendo os administradores que trabalhavam para
ele. Todos o amavam, pois era justo com todos.
Avisou
o que tinha acontecido, que agora tocava trabalhar, fazer as reformas que já
tinham discutido antes, justo com o Cardeal.
Ele
estipulou do dinheiro que tinha recebido, um valor que devia ser distribuído
pelos empregados, que tantos anos tinham respeitado a vida do Cardeal.
Uma
vez ao ano, Nuncio, tirava férias, justamente na colheita das uvas, participava
como se fosse mais um deles, numa destas é que tinha conhecido a mãe de
Enzo. Era irmã da Superiora do
Orfanato. Nesta época, as crianças
vinham todas participar, no final, Nuncio os pagava pelos seus serviços. Uma outra época importante, era o Natal,
livre de suas obrigações, reunia todas as crianças na Mansão, fazendo uma
grande festa, as crianças recebiam seus presentes que estavam sempre embaixo da
árvore de Natal. Fazia questão de ler
as cartas, com os pedidos de cada um, mandava sua secretária comprar tudo. No começo essa ficava escandalizada, mas ele
teve uma conversa com ela sobre a humildade.
Afinal o dinheiro era dele, nada melhor que uma criança abandonada
feliz.
Nos
seus últimos dias, era ela que abria a porta, durante a noite, para que Enzo
ficasse junto ao seu Pai, ao lado do Cardeal Smith.
Este
sabia de tudo a muitos anos, mal tinha chegado a Roma, um dia perguntou ao
Cardeal, aonde poderia levar para comer sua família, quando viesse de visita.
Lhe
deu uma indicação de um tratoria, muito boa, discreta, com salas para reunião
de famílias.
Numa
dessas, saindo com suas irmãs, sobrinhos, viu por uma porta aberta por uma
criança, Nuncio rodeado de seu sobrinho, os filhos dele. Desconfiou logo, mas ao ver o amigo tão
alegre, parecia outra pessoa.
Tempos
depois, quando este o escolheu como seu confessor, lhe contou toda sua
história. Sabia que o Cardeal Smith, era
uma mente aberta.
No
momento que descobriu que seu problema não tinha cura, tomando a decisão de não
tomar quimioterapia, ou radio, conversaram longamente. Justo quando ele chamou seu advogado para
fazer seu testamento.
Smith,
o aclarou nas suas dúvidas, dizendo que o mais honesto era deixar que seu filho
recebesse tudo, sobrenome, títulos, terras.
A Santa Madre igreja, já tem o suficiente, as vezes mal administrado,
mas tem. Cuide dos seus.
Quando
comentou isso com o Papa, este pousou a mão em cima da sua, dizendo, Nuncio
sempre dizia que eras uma pessoa justa, estou contente de ter-te ao meu lado,
seja como ele. Quando não concordar
comigo, discuta, argumente, não me deixe ser manobrado por esses Cardeais
hipócritas.
O
Papa, conhecia Enzo, pediu a Smith que marcasse com ele uma audiência, mas num
horário que pudessem conversar sem ser interrompidos.
Quando
estiveram juntos, agradeceu que ele tivesse se mantido em silencio, em honra ao
pai. Ele me falava sempre de ti. Nunca me escondeu nada. Quando o queriam para papa, me confessou, que
não podia aceitar por dois motivos. Um que já estava mal, o outro que era um
pecador nato.
Na
hora não entendi, mas me fez questão de explicar.
Depois
te lembra, de umas férias, que ele estava ali com seus campesinos, participando
da colheita. Eu apareci de repente,
pois precisavam de seus conselhos. Ele
sem vestir os paramentos de Cardeal, me recebeu no momento que estava comendo
com todos seus empregados. Ali naquela
mesa farta de comida, me iluminou com minha dúvida. Depois teus filhos se aproximaram dele, de
mim, trazendo a sobremesa. Ele beijou os
dois com tanto amor, que soube nesse instante que aquele grande homem, tinha
uma vida mais feliz do que a minha.
Depois,
quando voltou ao Vaticano, nos sentamos, falamos muito de ti, de teus filhos,
de tudo. Por isso, quero dizer que
respeito sua memória, a ti por honrar teu pai.
Podes
contar sempre comigo, qualquer coisa, fale com o Cardeal Smith, ele me
transmitira.
Aliás,
quero ir as próxima colheita, como ele ia, sem essa fantasia (sinalizou sua
roupa) sou de uma família rural, sinto falta disso.
Será
um prazer Santo Padre.
Deixe
de lado isso de Santo Padre, porque não sou nenhum santo, cometo erros como
qualquer ser humano.
Ao contrário
que dizia o protocolo, o acompanhou até a porta, lhe deu um longo abraço, um
aperto de mãos forte.
Só
depois de muito tempo, foi que Enzo, tomou coragem para ir ao Banco, para saber
o que tinha na caixa de segurança.
Num
primeiro momento tinha imaginado joias, dinheiro, coisas do gênero, mas com o
tempo deixou de imaginar coisas. O que
encontrou na verdade foi uma surpresa, fotos suas desde criança, uma série de
diários, cadernetas de capa dura negra, mas na primeira folha o nome de seu
pai. Outros documentos da família, só
levou com ele as cadernetas, pois queria ler.
Se ele tinha deixado para ele, era para isso.
Se
dedicaria a ler, nas largas noites de inverno, depois que colocasse os garotos
na cama. Lia um pouco para eles, algum
conto, falava da mãe deles, isso para que nunca se esquecessem dela, como ele
tampouco podia.
Depois
sentava-se na biblioteca, perto do fogo da lareira, ia lendo, até cair no sono.
Todas
estavam numeradas, então era fácil de seguir.
O
primeiro contava as disputas entre seu pai, versus seu irmão Bernardo, mais
conhecido como Bernadotte. Enquanto seu
pai era conciliador, Bernadotte, gostava de brigar sempre por alguma
coisa. Seu pai Ângelo D’Annunzio, era o
administrador da riqueza familiar, as terras, vinhas, principalmente do
dinheiro. Bernadotte, militar, vivia em
Roma, se juntava com os políticos, tinha dois filhos mais velhos do que ele.
Meu
pai apesar de ser o mais velho, tinha se casado tarde.
Bernadotte,
logo se meteu com os que acompanhavam Mussolini, acabou como seu Ministro de
Guerra. Estava sempre fazendo discursos
patrióticos, inclusive numa mesa de jantar, acompanhado da família. Meu pai lhe abaixava a crista, dizendo que
tomasse cuidado, que os políticos não eram confiáveis.
Criticava
ao meu, pois seus filhos estavam em uma escola militar. Havia que honrar a pátria, oferecendo seus
filhos para a luta. O menor dos dois,
entrou antes para o exército, incentivado pelos argumentos do pai, o outro em
seguida. O maior morreu numa batalha
na Argélia, o outro numa batalha contra os americanos. Bernadotte não se conformando, se dirigiu as
terras da família, queria que todos os jovens menores, tomassem as armas para
defenderem a Pátria.
Meu
pai ficou uma fúria. Na frente de todos
os empregados lhe desautorizou, dizendo que não era porque tinha mandado seus
filhos a uma guerra inútil, que agora ia mandar os filhos alheios. Saiu da mansão alterado, tinha bebido
muito, lhe obrigaram a parar na estrada, eram partisanos, o deixaram enforcado
na mesma árvore que quando criança se pendurava com os companheiros de jogo.
Nunca
se descobriu quem tinha sido.
A
única coisa que meu pai disse, foi que isso era uma lição. Tinha sempre procurado brigas aonde não era
necessário, nunca tinha pensado no bem estar dos seus empregados ou do
povo. Tudo era pela exaltação, pelo
poder. Sua viúva, depois da guerra se
casou com um comandante americano, que tinha se hospedado em sua casa de
Roma. Nunca mais se soube dela.
Alguns
a criticavam, mas meu pai Ângelo a defendia, dizendo que tinha aguentado muito,
perdido dois filhos. Em seguida a
guerra minha mãe ficou muito doente, um câncer que não tinha cura. Acompanhar seu sofrimento, me fez apegar a
ideia de Cristo, para satisfazer um sonho seu, entrei para o seminário.
Mas
vinha todos os anos acompanhar a vindima.
Perder isso seria imperdoável.
Meu pai não voltou a se casar, as vezes o via muito apegado a governanta
da casa, afinal era ela quem mandava em tudo.
Uma viúva com dois filhos, todos trabalhavam no campo. Não sei se era verdade, se tinham ou não
alguma ligação, mas foi a pessoa que atendeu meu pai, na sua velhice.
Já
era sacerdote, quando me mandaram para Roma, para o Vaticano, meu pai ficou
super feliz. Afinal honrava seu
nome. Me queriam pela minha
inteligência, a claridade ao expressar ideias, o poder de analisar situações
rapidamente. Logo fui o Bispo mais jovem de Roma. Em seguida fui carmelengo de um papa muito
velho, cercado de abutres, como ele dizia, que não lhe deixavam fazer nada, meu
papel era defende-lo a qualquer custo dos Cardeais. Nessa época ganhei muitos inimigos.
Quando
morreu, fui praticamente desterrado, pois o seguinte Papa, era um dos Cardeais
a quem o velho chamava de abutre. Fui
mandado para a Sicília, para uma paroquia extremamente pobre, basicamente
arruinada pela guerra. Consegui
reconstruir a Igreja com a ajuda dos homens e mulheres, aos finais de semana,
arregaçava as mangas, era mais um deles.
Isso tinha apreendido nas vindimas na casa paterna.
O
seguinte Papa, me chamou de volta, em seguida com uma idade precoce era
candidato a cardeal. Fiz ver ao Papa,
que era muito jovem para isso, que o cargo necessitava de gente que soubesse se
mover pelo Vaticano. Me colocava em
cargos que necessitavam de alguém firme, com ideias, para melhorar as
coisas. Sabia de antemão que quando
partisse, perderia tudo outra vez, pois os inimigos eram muitos, os velhos
Cardeais, não gostavam que se mexesse na hierarquia.
Nessa
época se hospedou durante uma vindima em nossa casa familiar, dizia que sentia
saudades do campo, que em Castel Gandolfo, a residência de verão dos Papas, não
lhe deixavam fazer nada. Apesar da
idade, sentava-se junto com meu pai, vendo os jovens trabalharem, os
incentivava, comia com eles, cantava de noites suas canções. Antes de ir embora, fez uma missa muito
bonita no meio do campo, falando que da terra Deus dava os frutos para sua
vinha. Que Deus estava ali com o pessoal
que trabalhava no seu templo. Muitos
vieram falar comigo a respeito.
Uma
das pessoas mais impressionadas, com o que tinha dito o Papa, foi tua mãe, era
linda, trabalhava com sua irmã, que era Superiora de um orfanato, que existia
em nossas terras. Ali tinha estudado,
com os meninos de lá, com os filhos dos empregados, meu pai me dizia que isso
me faria entender as pessoas, que no fundo éramos todos feitos do mesmo pó.
Me
apaixonei por ela, mas no ano seguinte, quando andava meio perdido, assustado
com os rumos no Vaticano, o Papa se encontrava muito doente, eu imaginando que
me mandariam para algum lugar distante.
Nos reencontramos, estava mais bonita. Depois da vindima, cantava
acompanhada das mulheres, que tinham dado um duro danado durante o dia. Mas alegravam a noite. Meu pai adorava isso, sentava-se na varanda
da casa, batia palmas, cantava junto, sabia todas as músicas que seus
empregados gostavam.
Uma
noite a tirei para dançar, no céu, uma lua cheia iluminava o terreiro,
dançamos, depois tomamos vinho, ficamos falando. Acabei lhe contando dos meus temores, o que
esperava que acontecesse. Me disse
olhos nos olhos, que me acompanharia até o inferno se fosse preciso, para que
eu não me sentisse só. Acabamos nos
beijando, passamos a nos encontrar todas as noites, não tinha nenhuma
experiencia sexual, apesar de ter mais idade do que ela.
Um
dia me chamaram de Roma, o Papa queria ver-me antes de morrer.
Não
tinha como me recusar, me despedi de todos apressado, pedindo que rezassem pelo
Santo Padre. Dois dias antes de morrer,
me nomeou Cardeal, conta a vontade de todos, me disse desde sua cama, assim não
poderão te execrar.
Mesmo
assim conseguiram. O Papa seguinte, era
um dos que não me suportava, me mandou para Hong Kong, pois sabia que tinha
facilidade com as línguas, poderia aprender Cantonês com facilidade. Os que me rodeavam, tinham sempre um ar de
mistério, de espionagem. Não podia
confiar em ninguém. Passei uns quantos
anos, sem poder vir a Roma, como forma de castigo. Diziam que nessa época, que me tornei
Anacoreta, pois no fundo da casa em que vivia, tinha uma gruta, gostava de
sentar-me ali para pensar. Sonhava com
tua mãe, as cartas que escrevia nunca eram respondidas. Rezava muito para cumprir a missão que
tinham me encarregado. Mas sempre desde
Roma, algum Cardeal, faziam alguma coisa para caga-la, não tenho outro termo
para o assunto.
O
Papa seguinte me trouxe de volta, o conhecia, pois tinha sido um grande amigo
do Papa a quem eu queria muito. Seria
seu assessor para problemas de Ásia. A
desculpa era que nenhum outro falava Cantonês.
Em particular me dizia que essa era a vingança, tinham me obrigado a
aprender ler, falar numa língua que nenhum outro sabia.
Na
primeira oportunidade fui visitar meu pai.
Ao entrar te vi, pensei que era filho de algum dos empregados. Te olhando, era como ver a mim mesmo em
criança. Meu pai riu, sim é teu
filho. Vive no Orfanato, vem sempre
passar o dia comigo. A princípio me
olhavas com desconfiança. Mas no final
do dia já falavas comigo. Depois de ter tirado a roupa negra, tu dizia que
parecias com aqueles pássaros negros que havia no campo.
Meu
pai se negou a falar no assunto, me disse, fale com a Superiora do Orfanato.
Esta
quando me viu, ficou sem fala. Imaginou
que eu nunca voltaria da China, se atropelou, me levou discretamente para seu
escritório. O que gostei, ao se
despedir de mim, me deste um beijo.
Ela
me contou que tua mãe tinha escondido o mais possível que estava grávida, com
medo de ser mandada embora. Quando lhe
questionei, porque não tinham me avisado.
Ela assim quis, pois acreditava que tinhas uma grande missão, que não ia
ser ela que te atrapalhasse. A
princípio pensei que tinha a mão de meu pai no assunto. Não, desde o princípio, sabia que era seu
neto, sempre vinha vê-lo, ou levar para passar o dia com ele. Ele esperava que tu chegasse para tomar uma
decisão.
Mas
aonde está a mãe da criatura, que esteve todos esses anos, em meu pensamento e
orações?
Morreu
no parto, foi muito complicado, embora seu pai tivesse feito vir desde
Florença, um médico especialista. A fez
ficar os últimos dias de gravidez na Mansão, dizia que um descendente seu tinha
que nascer lá.
Foi
enterrada junto aos teus. Seu pai fez
uma coisa inacreditável, conseguiu se casar com ela, para que tivesse seu
sobrenome. Assim o garoto, tem o teu
sobrenome, D’Annunzio. Está aqui como
estudante interno, mas é como se fosse filho do teu pai.
Voltei
para casa totalmente confuso, porque meu pai tinha feito isso, não tinha me
avisado.
Seus
argumentos eram o de um grande senhor, não queria que o filho perdesse o que
tinha conseguido com esforço, agora eu era um Cardeal, não havia volta atrás,
esperava que um dia eu chegasse a Papa.
Ri muito disso, dizendo que isso era impossível, que um pai, vai desejar
isso a um filho, que era pior que viver no inferno.
Passei
a vir te ver sempre que possível, com o tempo ganhei teu respeito, já me
chamavas de pai. Te queria mais que
minha própria vida. Mas teu avô, não
deixava de maneira nenhuma que os outros pensassem isso. Ele era o teu pai. Te mandou para as melhores escolas, te criou,
cuidou como não tinha sequer cuidado de mim.
Uma
vez por mês vinhas com ele me visitar, passávamos um final de semana em algum
hotel qualquer, rindo os três, saindo para vagabundear por Roma.
Depois
ele morreu, me senti perdido, corri a tempo de me despedir dele, me pediu
perdão, disse que agora entendia, que eu seria melhor pai que ele. Mas já era tarde.
Agora
tu sabias com certeza que eu era teu verdadeiro pai. Como já eras adulto aceitava, num dos serões
após o enterro, nos sentamos junto a lareira, te falei da tua mãe, da beleza
que tinha, como sabia me escutar, de tentar aclarar minhas dúvidas. O quanto a
tinha amado, falei da gruta de Hong Kong, aonde diziam que era um anacoreta,
pois estava sempre ali rezando.
Sim,
rezava mais por ela, pelo amor que tinha sentido pela primeira vez na minha
vida. Mas não entendia por que as cartas não tinham respostas. Agora sei.
Nos
dois, nos tornamos amigos, o administrador, te ensinou a trabalhar, cuidar das
nossas terras, acabaste te casando com a filha dele. Uma linda e amorosa mãe, mas parece que isso
acontece na nossa família, quando ficou gravida do pequeno, tinha câncer,
preferiu levar a gestação, até o final, para não perder teu filho. Depois, já era tarde. Pedi uma licença, vim ficar aqui contigo, com
os pequenos. O maior tinha o nome do pai
de tua mulher Damian, mas ao pequeno lhe deste meu nome Nuncio, que eu sempre
achei feio. Estava sempre com ele
agarrado a mim. Foi como recuperar o
tempo que nasceste e perdi. A partir de
então sempre estávamos juntos, vinhas com os meninos a visitar-me. Cumpríamos o mesmo, ficava com vocês num
hotel qualquer, saímos para jantar sempre na mesma tratoria, largos passeios
pelas margens do Tibre, quando se cansavam, tu levava o maior, eu com muito
amor o meu pequeno Nuncio.
Para
todos eras meu sobrinho, até que Smith nos viu.
Como eu poderia ter sobrinhos, se era filho único. O fiz se tornar meu confessor, pois assim não
poderia falar nada, me disse muitos palavrões quando lhe contei. Entendeu minha manobra, mas nem por isso me
criticou ou perdi sua amizade. Passei a
leva-lo comigo nas vindimas, ele adora teus garotos que o chamam de tio
americano.
Quando
tomei a decisão de não tomar quimioterapia, nem radioterapia, pois o tumor
estava num lugar inoperável. Resolvi que
tinha que ser como eu queria, chamei o advogado de família para dispor
tudo. Foste um filho exemplar, vindo
pelas noites, cuidar de teu pai. Ah,
filho, como lamento não ter podido estar junto a ti, em todos os teus momentos
felizes e nos que necessitavas de conselhos.
Sei que me telefonavas para falar de qualquer assunto. Nunca desconfiaram com quem eu falava todas
as noites. Ao contrário dos outros
Cardeais, nunca vivi fora do Vaticano, minha casa sempre foi humilde, como de
um obreiro. Meu quarto ascético. Creio que gostei da minha fase
anacoreta. Assim podia rezar, falar com tua
mãe todas as noites. Nunca amei outra
pessoa, como amei tua mãe. A amei mais
do que a Deus, que me perdoem por isso, mas foi uma verdade, se tivesse voltado
a tempo, estaria junto com ela.
Mais
uma vez, no meio desta desesperação que é o final da vida, me perdoe, diga aos
meninos que os adoro. Que rezem sempre
por mim.
Os
outros livros, creio que serão desinteressantes, pois se referem a minha vida
nos lugares aonde estive, Sicília, Hong Kong,
As manobras dentro da Cúria, depois que as leias entregues ao Smith, ele
saberá apreciar.
Continuou
apreciando a escritura de seu pai, algumas vezes soltava um cazzo, o figlio di
puttana ou então sonoras gargalhadas. O
velho tinha humor, com tudo que tinha ali escrito, podia culpar muitos cardeais
de fazerem a igreja andar para trás. Somente para prejudicar uma pessoa, ou não
concordarem com o Papa que estivesse no poder.
Entendia
agora do que se tratava os outros documentos do Banco. Convidou o Cardeal Smith, para vir passar um
final de semana, como um chamariz, lhe entregou o primeiro livreto, dos que seu
tinha indicado que podia ler. Sentou-se
na biblioteca, com um bom vinho na mão.
De repente Enzo escutou cazzo, riu para si mesmo pensando, começou.
Quando
terminou, perguntou se havia mais desses livretos, assim lhe entregou o resto,
disse que era desejo de seu pai.
Creio
que ele nunca usou todas essas armas, para proteger a ti, aos garotos, calor as
pessoas que estavam perto dele.
Todos
esses filhos da putas, ligados à Máfia, que condenam na frente dos outros, mas
por detrás fazem negócios.
Quando
ele acabou dois dias depois de ler tudo me disse, lástima que não sabemos aonde
estão todos os documentos que ele menciona.
Mudou
de conversa, perguntou se no dia seguinte o Cardeal iria para Roma.
Quando
disse que sim, lhe pediu ajuda num documentos que tinha no banco. O Cardeal entendeu de imediato.
Com
muito cuidado, foram ao banco, conseguiram uma xerox, fizeram cópia de tudo,
guardando os originais de novo na caixa.
Num último momento o cardeal, resolveu fazer uma cópia dos livretos,
deixando os originais guardados.
Uma
semana depois, começou uma purga na Cidadela do Vaticano, uns quantos Cardeais,
com idade ou sem idade foram aposentados oficialmente. Aparentemente mantinham suas prerrogativas,
mas internamente perdiam tudo, alguns inclusive estavam presos nos calabouços
da guarda suíça. Alguns tentaram fugir
do país, mas a polícia italiana, colaborava, num total de 30 cardeais,
desapareceram da noite para o dia. O
papa foi nomeando novos a conta gotas, escolhendo bem cada um, analisando os
perfis, posições políticas, que fossem jovens, para poderem mudar a
igreja. Alguns dos velhos se rebelaram,
porque o Papa tinha resolvido, cortar as mordomias de cada um. Teriam agora que bancar suas próprias
despesas, provar que os palacetes que tinham, fora adquirido com dinheiro
deles, ou da família. Poucos puderam
provar, pois era analisadas até as transferências de dinheiro, do Banco do
Vaticano, este estava sobre intervenção.
Mais cinco cardeais, pediram aposentadoria. Quando houvesse um novo conclave, seria o
primeiro que a maioria dos Cardeais eram jovens.
O Cardeal
Smith, tinha feito um trabalho estupendo, pois conseguira limpar as merdas do
Vaticano. Mas ao mesmo tempo angariou
uma quantidade de inimigos imensa. Foi vítima de um atentado, no qual ficou
ferido. Foi se recuperar na casa do
Enzo, dizia que os garotos o faziam sentir-se como um avô querido.
Conversava
com eles, contando coisas sobre Nuncio, como tinha vencido os maus da história.
Todas
as noites conversava com Enzo, aconselhava que procurasse outra mulher.
Enzo
dizia que era impossível. Visto sua mulher ter sido o amor de sua vida, eu o
consideraria uma traição. Estou bem
assim, tenho quem cuide dos garotos, eu mesmo me sinto feliz sozinho. Com certeza meu pai diria que como ele,
tenho tendências a Anacoreta. Depois
deixou que Smith lesse o livreto que tinha deixado para ele.
Chorava
muito, enquanto lia, sentia falta de seu melhor amigo.
Creio
que no final, se transformou num funcionário da Santa Madre Igreja, por não
concordar com algumas coisas impostas por Deus.
Quando estávamos juntos, já não havia segredo, dizia que se sobrevivesse
o atual papa, renunciaria para poder viver contigo, com os netos que
amava. Que Deus se apanhasse sozinho.
Quando
no conclave seguinte, Smith foi eleito papa, pela primeira vez, houve um
secretário que não pertencia a nenhuma congregação. Chamou Enzo para ser seu braço direito.
Enzo
a princípio quis negar o convite, mas a insistência foi muito grande. Conseguiu
um apartamento no próprio Vaticano, inclusive com uma pequena capela,
desprovida de qualquer imagem, aonde ele se sentava para pensar na sua amada
esposa, em seu pai, nas decisões de problemas que o Papa tinha que
resolver. Discutiam muito rindo,
blasfemando. Como um pai, com um filho.
Mas
sempre recordando Nuncio, imaginando como ele se comportaria, para resolver
algum problema, como contornar os velhos da cúria, que ainda estavam por lá,
querendo governar nas sombras.
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