SÓ DEUS SABE
Isso era uma verdade como dois e dois são
cinco, ou quanto queira, inclusive vinte e dois, tinha na época 15 anos, viviam
em Dublin, seu pai era de lá, um belo dia ele desapareceu, até darem com ele,
foi difícil, estava metido com a máfia irlandesa.
Para minha mãe que o tinha num pedestal,
foi uma bela porrada, um belo dia, depois de resolverem todos os tramites, conseguir
colocar a mão no dinheiro que ele tinha no banco, mais o que ela escondia para
ele na sua conta, vender a casa, me olhou na cara, me disse para separar só as
coisa que eu mais gostava, pois nada de levar muita bagagem, na vida temos que
ir só com poucas coisas.
Eu separei, ela depois entrou em meu
quarto, foi retirando coisas, olhava para mim, me perguntando o quanto era
importante, acabei ficando com uma bagagem pequena, lá na época era inverno, me
disse que só íamos precisar desse tipo de roupa, por pouco tempo, depois te explico.
Eu sabia que ela não era irlandesa, mas meu
pai proibia que se falasse outra língua em casa, mas os palavrões ela falava
todos em outra língua.
No voo para Londres, foi que me contou que
era brasileira, que tinha conhecido meu pai, num carnaval. Estávamos os dois assistindo um desfile de
escola de samba, ele puxou conversa, inclusive se surpreendeu que eu falasse
inglês.
Claro tinha estudado num bom colégio, mesma
na época fazia universidade, saímos todos os dias que ele estava lá, mostrei a
cidade para ele, no final o apresentei minha família, ele se surpreendeu,
vivíamos em Ipanema.
Ele voltou meses depois, me disse que não
conseguia tirar da cabeça, me pediu em casamento, na verdade eu tampouco tinha
esquecido dele.
Quando chegamos, ele já tinha essa casa,
que para um bom observador, era boa demais para o que ele fazia, ainda mais se
dizia que era órfão.
Depois passou a mesma para meu nome, tudo
que valia muito ele fazia isso, mas saia todos os dias no horário que saem os
homens para trabalhar, nunca suspeitei que trabalhasse para a Máfia, pois nunca
falava no seu trabalho, quem me falou foi a polícia.
Nunca mais voltei ao Brasil, ele não
queria, mas eu escrevia todos esses anos com minha mãe, mandava fotos tuas, por
isso eles sabem que existe.
Tens outro registro de nascimento que fiz questão
de fazer, nele te chamas Brian Soutomayor.
O sobrenome do teu avô, vais ter que ter
paciência, pois ele é muito mal humorado, foi contra meu casamento, mas só nos
casamos no civil, que era mais rápido.
Tenho uma irmã, que também casou, essa com
um americano do Texas, muito rico.
Sempre foi uma mulher complicada, as vezes
segundo minha mãe aparece, fica num hotel chic da praia, aparece umas duas
vezes, depois some.
Em Londres, ficamos umas quatro horas,
esperando um voo de conexão, agora é aguentar me disse, pois era uma viagem
longa, me mostrou num mapa na parede do aeroporto aonde íamos, Rio de Janeiro.
Eu dormi, basicamente o voo inteiro, ou
ficava de olhos fechados, era muita coisa para absorver, de meu pai, pouco
podia falar, acho que ele não esperava ter filhos, queria minha mãe, só para
ele, me dava atenção, quando tinha alguma outra pessoa em casa, fora isso,
nada.
No fundo eu que estava na adolescência,
achava estranho, meus amigos, ou odiavam seus pais, ou os amavam, eu ao
contrário não saberia falar nada do meu, pois era um belo desconhecido para
mim, nunca o vi falar de trabalho em casa, talvez fizesse isso para proteger
minha mãe.
Fui eu que lhe mostrei, aonde tinha
dinheiro escondido para ela, encontrei por um acaso, no corredor da casa, um
dia caiu uma caneta por uma fresta, no que fui tentar recuperar a mesma, vi que
aquilo era uma tampa, quase encostada parede, tinha muito dinheiro lá.
Minha mãe tinha feito uma coisa, abriu uma
conta, num banco que tinha agência no Rio de Janeiro, depois transferiu tudo
para o Banco do Brasil, o que dava uma bela soma de dinheiro.
Mal chegamos, eu estava atordoado, por
causa do calor que fazia. Isso que
minha mãe tinha me obrigado a trocar de roupa, umas camisetas mas relaxadas.
Era pleno verão no Rio de Janeiro, quando
passamos o controle, vimos um cartaz com o nome dela Lindaura Soutomayor, agora
entendi por que meu pai e todos os conhecidos a chamavam de Linda.
Quem estava ali, era um homem negro,
imenso, mas com uns olhos e sorriso amoroso.
Foi falando em português, minha mãe
traduzindo, que a conhecia desde que era uma menina, meu avô era do exército,
Coronel Soutomayor, está cada vez mais surdo, duro de pelar como sempre, tua
mãe com a santa paciência que a caracteriza.
Vive reclamando que devia ter filhos
homens, pois assim pelo menos alguém seguia a carreira do exército. Diz sempre que eu tenho sorte, tiro
rapidamente o cavalo da chuva, tenho dois filhos, o mais velho, é um dos chefes
do tráfico, ali na favela da Rocinha, nunca o vejo, graças a Deus, pois era
capaz de o colocar nos meus joelhos, lhe dar uma surra.
Já o outro, está na faculdade, é um bom
garoto, mas tem um gênio impressionante, outro dia brigou com um professor,
disse que ele estava ensinando errado.
O que ele estuda seu Jeremias?
Por incrível que pareça, estuda Literatura,
adora um bom livro, mas isso não dá futuro aqui, gosta muito de escrever,
consegue publicar de vez em quando algum conto numa revista de literatura.
Ele saiu a minha mulher, nem parece meu
filho, é mais claro inclusive do que ela.
Minha mãe me explicou rapidamente em
inglês, as misturas de raça do Brasil.
Eu ia de boca aberta, colado a janela, ele
ia dizendo os nomes dos lugares que íamos passando.
Eu tentava memorizar todos os nomes, ele me
fazia repetir.
Como esse menino não aprendeu a falar
português com a senhora.
Meu marido não permitia, dizia que para
que.
Terei que recomeçar minha vida toda aqui,
vou revalidar meu curso de inglês que fazia na faculdade, quem sabe assim posso
trabalhar de professora, ou mesmo de secretária, que gosto mais.
Isso eu sabia, ela era uma excelente
administradora, anotava todas as despesas da casa, o dinheiro que meu pai,
tinha lhe passado, bem como o que lhe dava para esconder na conta dela no
banco. Agora entendia, a tinha com seu
nome de solteira, Lindaura Soutomayor.
Por isso quando ia ao banco com ela, via o
gerente a chamando de Madame Soutomayor.
Passamos por vários tuneis, eu que nunca
tinha passado por nenhum, ria, minha mãe me explicou, que isso encurtava os
caminhos nessa cidade. Riu dizendo que o
Rio de Janeiro mais parecia uma salsicha, me explicando por quê.
Saímos na Lagoa Rodrigues de Freitas,
estamos indo por detrás aonde moram seus avôs, me disse ele, adorava escutar o
sotaque que ele tinha arrastando algumas palavras.
Foi quando entramos na Rua Nascimento
Silva, Ipanema, ele me explicou que o Coronel tinha tido sorte, tinha comprado
o último andar do prédio na planta, assim pode fazer o apartamento como queria,
claro não tinha vista para o mar, mas sim para o Cristo Redentor.
Ele entrou direto na garagem, disse a minha
mãe que não se preocupasse, que ele subiria as maletas.
Eu ria, pois tudo era novo para mim, mas
esse sorriso desapareceu, quando encarei meu avô, parecia que tinha chupado um
limão azedo, uma cara séria, fechada, me estendeu a mão nada mais, já minha avó
fez ao contrário, abraçou a filha, a ficou beijando mil, vezes, dizendo que
saudade, teria que perguntar o que era essa palavra, depois fez o mesmo comigo,
eu ria sem querer, pois não esperava essa efusão tão grande, nos arrastou com
ela aos seus domínios como dizia, tinha a cozinha, que era ligada a uma copa, com
uma mesa redonda.
Era um espaço grande, depois tinha duas
poltronas, ele monopoliza a sala, disse a minha mãe, fica vendo telejornal o
dia inteiro, reclamando de tudo, aqui eu vejo minhas novelas, as vezes aparece
uma vizinha para fazer companhia, vou levando a vida.
Achou interessante minha mãe não se vestir
de preto, essa soltou que nem pensar, o que descobri depois de sua morte, nunca
o perdoarei ter escondido o que fazia, já expliquei para a senhora por
carta. Mas sem querer me deixou muito
bem.
Assim que arrumar um emprego, vou conseguir
um apartamento.
Nem pensar, fique o máximo que puder aqui,
assim suavizas minha vida, porque aguentar teu pai, esta cada dia mais difícil,
nunca está nada como ele quer.
Hoje reclamava porque fiz feijoada, como
não, minha filha querida chegava, quero que sejas bem-vinda.
O cheiro que vinha da cozinha era super
bom, ela viu que eu cheirava o ar, começou a rir, não parava mais.
Saíste a mim meu filho, faço isso também,
se não gosto do cheiro, não gostarei da comida.
Me abraçava e beijava, quem sai aos seus
não degenera dizia.
Só vi que o velho se levantava, vinha
fechar a porta de comunicação, o que se tornaria hábito.
Ele gostava de silencio.
Ela nos mostrou nosso quarto, o da minha
mãe, segundo ela estava igual, só mandei pintar as paredes de novo, o meu, tinha
pintado tudo de branco, o resto é contigo, decoras como quiser.
Na hora do almoço, nos sentamos na mesa,
ela chamou seu Jeremias para comer conosco, ele perguntou antes ao Coronel.
Esse pela primeira vez falou com uma voz
totalmente impostada, anda lá homem, se eres da casa.
Depois ele me levaria dar um passeio até a
praia, dizendo que eu devia comprar umas bermudas, camisetas, um tênis sem
marca, porque senão te roubam. Não
sabia como, mas ia entendendo o que ele falava.
Quando chegamos a praia, fiquei de boca
aberta, ao longe se viam os surfistas, pedi para ir até lá, fomos andando, eu
nos meu tempo de jovem, até entrar para o exercito fazia, mas depois me casei,
tinha que ter dois empregos, quando o coronel saiu, me chamou para seu chofer,
o levo quando vai a cidade, mas o resto do tempo, tenho uma vida confortável,
vou ao supermercado para tua avó, já sei como ela gosta das coisas.
Durante uns anos minha mulher foi
cozinheira na casa, mas depois como só ficaram os dois, ela pediu desculpas a dispensou. Ela aproveitou o dinheiro que recebeu deu
no pé, não queria cuidar dos meninos.
Quando vi o maior entrar para o tráfico de
drogas, meti o pequeno numa escola interno, assim o protegia, mas ia sempre
visita-lo, quem arrumou foi o coronel.
Foi me mostrando as lojas aonde eu podia
comprar roupas, eu ia anotando na minha cabeça, parava para olhar.
Cheguei suando em casa, minha avô preparou
para os dois uma limonada cheia de gelo, escutei minha mãe falando com seu pai
na sala, da parte dele só silencio.
Adorei a varanda que era imensa, dali se
podia ver o Cristo, minha avó, com a mão nos meus ombros, dizia, a tempo não
vou até lá, podíamos ir um dia, verdade Jeremias.
Minha mãe veio ficar junto, pegou a
conversa no final, disse que sim, aproveitamos esse semana para isso, pois
semana que vem tenho que te arrumar uma escola para estudares, creio que a
Escola Americana estará boa, foi lá que eu estudei, terás que ter aulas de
português.
Eu tenho que conseguir o diploma da
universidade, tentar dar aulas, vou ver se consigo lá também, afinal falo muito
bem inglês.
Eu ri, dizendo que ela sempre tinha tido um
sotaque diferente, agora eu entendia por quê.
Jeremias, disse para ela, que eu precisava
de roupas, mais adequadas, lhe mostrei uma série de lojas, nada de marca, pois
a senhora sabe como é.
Porque não vamos agora, o comercio fecha
mais tarde não é.
Até minha avó se arrumou, só assim saio de
casa, foi a sala falar com o velho, que resmungou.
Jeremias, como aguenta o coronel?
Oras ele sempre foi assim.
Entra no carro, me diz aonde quer ir,
depois não fala mais, reclama do trafego, que sua época era melhor, por aí vai,
eu o deixo falar, mas chega um momento que deixo de escutar.
Como eu soltou minha avó rindo, imagina
reclamou da feijoada, disse que a carne seca estava sem gosto nenhum.
Minha mãe fez uma coisa que a sua ficou de
boca aberta, me deu dinheiro que tinha acabado de trocar, um bom valor, administre
isso me disse.
Eu olhava a camiseta, comparava o preço de
uma com a outra, nessa loja comprei duas camisetas, uma bermuda, tinha visto
outras na loja ao lado.
Lá estava em promoção, aí comprei mais
camisetas, mas fazendo sempre a conta.
Minha avó e seu Jeremias riam.
Meus filhos sempre queriam o mais caro, o
pequeno é como este, faz o dinheiro render.
Pois tua irmã quando vem, está sempre nos
triques.
No dia seguinte ela deixou comida para o
velho, disse que íamos ao Cristo, a resposta dele, foi, para que se o víamos
ali da varanda.
Lá fomos nós, seu Jeremias, nos deixou no
bondinho, desceríamos de carro.
Foi uma gozada, ir vendo pedaços da cidade
no meio da mata, eu estava adorando, de puro gozo, ainda vi um macaco numa
árvore, mostrei para minha mãe, que me ensinou a dizer macaco.
Depois falou de macaco de imitação, uma
pessoa que fica repetindo tudo que outra disse, inclusive com gestos.
Minha avó, foi quem mais se divertiu, ia me
mostrando os lugares, o Maracanã, explicou que era zona norte, mostrou aonde
estava a Quinta da Boa Vista, o centro da cidade, fomos acompanhando todo o
seguimento da cidade, ela explicando, ufa fazia anos que não fazia isso.
A última vez que vim aqui, vocês eram
pequenas, levei uma bronca do teu pai, pois viemos de ônibus.
Dali, fomos ao Pão de Açúcar, agora terás
uma visão do lado oposto, dessa vez, ela fez seu Jeremias vir junto.
Ia me ensinando tudo.
Quando vi lá de cima a Urca, disse que
parecia o lugar que vivíamos, um bairro residencial.
Almoçamos numa churrascaria, depois ele fez
um largo passeio de carro, nos mostrando desde o Leme, até o posto Seis, minha
mãe foi me explicando.
Nessa noite sonhei com um negro falando
comigo, falava numa língua estranha, mas eu o entendia, no dia seguinte
comentei com seu Jeremias, ele me levava a praia, coloquei uma sunga embaixo
das calças, assim tomo um banho.
Me pediu para contar a história toda, bom
ele fala numa língua estranha, mas eu o entendo.
Deve estar falando contigo em Yoruba. Foi
me contando como isso acontecia no Brasil, por causa da escravidão, que os
negros tinha trazido sua religião desde lá, que seus santos tinham se
misturados com os daqui.
Deves falar com tua mãe, diga a ela que a
senhora Ludovica, ainda mora no edifício, disse que está louca para a ver, mas
não sobe por causa do velho.
Falou com a mãe no seu quarto, contou do
sonho, já tinha acontecido antes na Irlanda, mas na época não quis preocupar
sua mãe.
Falou da senhora que o Jeremias tinha
falado.
Melhor irmos a casa dela, desceram dois
andares, o apartamento era menor, só o último aonde moravam era tão, grande.
Esta abraçou minha mãe, ficou alisando
minha cara, como eres bonito garoto.
Num ponto tinha saído meu pai, era loiro,
cheio de sardas, a pele muito branca.
Um perfeito gringo, ficaram conversando,
minha mãe lhe contou o meu sonho, ela começou a falar na língua que eu tinha
sonhado, lhe disse, é essa sim senhora.
Está falando em Yoruba contigo.
O melhor aviso pai Agenor, na semana que
vem vamos, ou se preferes esse final de semana, assim ele abre teus caminhos
para o que queres fazer.
Minha mãe concordou, quando voltamos para
casa, procurou entre seus livros um, me deu para ler, era sobre o candomblé,
para que eu entendesse aonde íamos, falava de seus deuses, mitos, tudo isso.
Pai Agenor, era um homem imenso, como
Jeremias, com quem trocou um abraço, é meu irmão me disse.
Fiquei olhando esse homem nos olhos, senti
nele uma força muito grande, tinha os cabelos brancos, mas a pele totalmente
esticada.
Abraçou minha mãe, dizendo que já falariam,
chamou uma Yao, mandou me dar um banho de ervas para abrir meus caminhos até
ele.
Minha mãe me explicou, eu segui a mulher
fiz tudo que ela mandou.
Depois me enrolou num pano, me levou até
ele, que estava sentado em um banco, na frente dele uma mesa redonda, com outra
mais baixa, tinha um tecido cobrindo a mesma, muitos colares, depois entenderia
que eram suas guias, no centro muita coisas que no momento eu não saberia dizer
do que se tratavam, talvez um rapaz da mesma idade brasileiro sim.
Fiquei com a boca aberta, quando tudo que
estava ali se colocou em movimento. Por
incrível que pareça, ele ficou assustado, me perguntou como eu fazia.
Eu disse que não estava fazendo nada. Que não sabia o que era o que tinha ali no
meio.
Ah, fizeste uma pergunta mentalmente,
entendi, começou a falar em Yoruba comigo, entendeu que quem respondia era o
homem com quem eu sonhava, um dia o verás me disse ele.
Não se preocupe com as coisas, ainda é
cedo, explicou o que era cada coisa, de repente começou a rir, Jesus, que coisa
incrível, mandou chamar minha mãe, assim ela me explicaria melhor.
Esse menino tem duas conjunções, de teu
lado os orixás do Candomblé, de outro lado, os deuses da terras que vocês
viveram, os druidas, que construíam círculos solares, me mandou fechar os
olhos, foi quando me lembrei que uma vez tinha ido com a escola, a um desses
lugares, havia um círculo de dolmens, sem querer abracei uma pedra, ao meu lado
apareceu um homem altíssimo, com os cabelos imensos, que eu sempre quis usar,
mas meu pai não permitia.
Esse homem que estas vendo, foi teu
primeiro contato com os deuses ou orixás como os chamamos, ele tanto é teu
protetor, como o negro que te acompanha.
Não se preocupe, tua nova vida seguira em
frente, tudo que queiras fazer com ela, acontecera.
Me levou, eu ia como um cachorro atrás
dele, agora ia entendendo as coisas, nos fundos do lugar, tinha uma árvore
imensa, que depois fiquei sabendo o nome, Iroco, quando olhei, os dois que eu
via em sonhos, estavam ali, o homem loiro, estava ao lado do negro.
Depois eu o vi conversando com a senhora
Ludovica, esse menino é diferente, de um lado tem um Exu, de outro um deus
Nórdico, pode ser o que quiser da vida, ele encontrará, seu próprio caminho.
Depois ele se sentou com minha mãe, ela
tinha tomado o banho, se via que estava relaxada, riu dizendo que agora
entendia muita coisa, tinha que ir para ter esse filho, uma mistura de duas
raças diferentes.
Voltamos para Ipanema, no carro ninguém
falava, se podia até escutar o bater das assas de um mosquito.
Na segunda feira, fomos a Escola Americana,
aonde ela tinha estudado, seu Jeremias nos levou, o duro era estacionar por
ali, mas ele conseguiu.
O diretor, a reconheceu, tinha sido aluna
dele, falou com ele que tinha que ir buscar seu diploma na universidade, estava
procurando emprego, bem como um lugar para o filho estudar, mas preciso que ao
contrário do inglês, ele precisa de um professor de português.
Ele mostrou o pessoal que saia para o
recreio, tudo bem, mas melhor do que esses que falam pelos cotovelos,
impossível.
Ela tinha feito alguns cursos na
universidade de Dublin, escondida de meu pai, como ele saia de manhã, só
voltava de noite, eu passava o dia inteiro na escola, tinha tempo livre,
mostrou para ele, os documentos disso.
Perfeito assim dás aulas de literatura
inglesa.
As coisas começavam a se encaixar, ela
tinha levado o curriculum do que eu estava estudando agora, era muito mais do
que eles ensinavam.
Me fizeram uma prova, me disse, que como
tinham o ano terminando, eu poderia acompanhar esse curso que finalizava, só
para me ambientar, já fizeste essas matérias.
Eu depois iria reclamar, que os garotos não
levavam as coisas em sério, alguns eram filhos de gente famosa, eram tontos.
Tu ao teu, te faltam dois anos para a
universidade, nesse meio tempo, primeiro vamos nos adaptar, depois já veremos.
A primeira vez que tentaram fazer bullying
comigo se deram mal, pois eu tinha aprendido a me defender na outra
escola. Ninguém mais me encheu o saco.
Seu Jeremias, dizia que agora ele tinha
mais movimento em sua vida, nos levava de manhã para a escola, depois ia nos
buscar, aproveitava o final de tarde, ia com ele ao arpoador.
Lá encontrava alguns companheiros da
escola, mas para mim, eram tontos, falei isso com ele, o senhor não sabe o que
é aguentar uma aula que eu já fiz, ainda com esses tontos fazendo gracinha.
Esses sempre acabam mal meu filho, não se
incomode, eu ficava observando como se fazia surf, as vezes como só íamos tomar
um banho, preferia a praia na direção de casa mesmo.
Minha mãe quando pedi uma prancha de surf,
me disse que só no Natal.
Eu fiz as provas como qualquer outro aluno,
tive as melhores notas, notei sim que os que faziam brincadeiras, tiveram as
piores.
Chegou as férias, agora ia estar mais
livre.
Minha mãe mandou eu mostrar minhas notas
para meu avô, eu lhe dizia bom dia, boa noite, nada mais.
Ele olhou as mesmas, sorriu, ficava mais
feio do que era, parecia um boneco de desenho animado, não encaixava com ele.
Me perguntou o que eu queria de presente
pelas boas notas, não sabia o que responder, só lhe disse que tirava boas
notas, porque gostava de estudar, não queria nada em troca.
Ficou me olhando muito sério.
Depois minha avó me contaria que minha tia
tirava notas excelentes, mas queria sempre alguma coisa em troca disso, foi aí
que entendi que ele me perguntasse.
Acho que quem falou da prancha de surf, foi
seu Jeremias, pois um dia o vi dando dinheiro para ele, fomos a um lugar que já
tinha escutado falarem, era perto do Arpoador, uma loja que vendia pranchas,
ele queria comprar uma nova, eu perguntei se não tinha uma já usada, era só
para eu aprender, o homem me levou até o fundo, me mostrou umas quantas na
parede, eu escolhi uma, senti uma mão através da minha escolhendo.
Tinha começado a deixar meus cabelos
ficarem compridos, queria ser como o homem que eu tinha visto nos dolmens.
Depois que o homem limpou bem a prancha,
seu Jeremias começou a negociar com ele, me matei de rir, pois acabava de
descobrir uma coisa que ele gostava.
Foi divertido, depois fomos para a praia,
me viram chegando com essa prancha, um idiota me perguntou aonde eu tinha
roubado.
Não respondi, mas vi um grupo aprendendo,
prestei atenção, entrei na agua como os outros, remei, até aonde estavam os
outros esperando uma onda. Ficar parado
ali, com as pernas dentro da água, foi interessante, me vinha na cabeça, o dia
que estava abraçado a pedra, o que o homem tinha falado numa língua estranha,
eu entendia.
Num momento olhei para trás, ele me ensinou
como eu devia ficar em pé, equilibrar, senti uma sensação, de liberdade.
Fiz isso umas três vezes, vi que na praia seu
Jeremias conversava com alguém, quando cheguei era um mulato muito claro, me
apresentou como seu filho.
Me sentei com eles, ficamos conversando,
disse que tinha visto que eu aprendia rápido, começou a me corrigir quando eu
falava em português, disse que era professor. Qualquer coisa me chame.
Perguntei se ele poderia me dar aulas agora
nas férias, um horário que fosse conveniente.
Falei com minha mãe, ela concordou, agora
me dava uma mesada, que era boa, eu pagava o Orestes.
Ele ia todo os dias as 10 da manhã, tomava
um café, minha avó fazia um gesto, como fazia comigo, passa a mão pelos seus
cabelos.
Depois começávamos a aula, ela insistia
para que ele ficasse até mais tarde assim almoçava, dizia que ele estava muito
magro.
Meu avô nunca dizia nada, sentava-se a
mesa, Orestes ia me perguntando tudo que tinha ali, o que era a comida, se eu
sentia cheiro de que.
Quando ele perguntou a que vinha isso,
Orestes lhe respondeu que me ensinava.
Agora nas férias ele ia comigo a praia,
comprei outra prancha de segunda, íamos juntos, embora ele fosse quase 15 anos
mais velho do que eu, podíamos conversar horas, ele me trazia escritores
brasileiros para ler. Assim conheci
Jorge Amado, que era meu preferido.
Me trouxe um de poesia, li, mais como uma
obrigação, mas lhe disse que não gostava muito de poesia.
Um dia estávamos na praia, quando vi
aparecer um grupo de homens com uma cara de fazer gosto, me disse, vamos ficar
aqui o máximo de tempo possível. Me
sinalizou um deles, aquele é meu irmão mais velhos, com certeza trouxe seus
homens para venderem drogas para esses idiotas.
Mas alguém tinha chamado a polícia,
desapareceram rapidamente.
Me pediu para não comentar nada com o
Jeremias, isso o deixa arrasado.
Um tempo antes do carnaval, o velho não
despertou, morreu dormindo.
Minha avó, avisou sua outra filha, mas essa
disse que não podia vir.
Então ela avisou ao grupo do exército a que
ele pertencia, fizeram um enterro com todas a honras que lhe tocavam, sabia que
pelo menos ele ia melhor para o outro lado.
Dois dias depois, quando entrei no salão,
que estava sempre com as cortinas fechadas, encontrei as duas limpando tudo, só
ele ficava lá, era como se fossem seus aposentos.
Tiraram a velha poltrona que ele sentava, até
a velha televisão que tinha lá, arrumaram a sala como minha avó queria.
Ela parecia diferente, saiu com minha mãe,
comprou roupas mais alegres, ia receber uma pensão, como uma aposentadoria
dele, daria para levar em frente, minha mãe ajudava em casa.
Meses depois, vi minha avó nervosa, sua
outra filha, chamava perguntando se tinha feito algum leitura de testamento.
Minha filha aqui ninguém tem testamento, o
apartamento está como sempre esteve no meu nome, pois eu não sabia de aonde
tinha tirado esse dinheiro para comprar.
Estou viva, irei receber a aposentadoria
dele, nada mais.
Queria saber se nos dois seguiríamos
vivendo lá.
Claro que sim, qual o problema.
Mas nos que escutávamos entendíamos, ela
queria sua parte da venda do apartamento.
Agora fazia uma coisa, todos os meses
ligava, na mesma hora, fazia basicamente as mesmas perguntas, mas nunca falava
da sua vida.
Minha mãe pagava o condomínio, o imposto,
que achou estranho estar atrasado, foi quando descobriu que meu avo tinha sim
um advogado, foi com minha avó falar com ele.
Este lhe mostrou tudo que o velho tinha, tinha
lojas em Copacabana, Ipanema, mesmo no Leblon, levou as duas ao Banco, tinha
muito dinheiro lá.
Acharam melhor para não criar problemas,
avisarem sua irmã, disseram como tinha descoberto o advogado, tudo por causa de
uns impostos atrasado, o mesmo nem sabia que o velho tinha morrido.
Mandou o mesmo fazer um inventário, se
informar dos valores, se alguns dos que alugavam queriam comprar.
Foi então que descobriram que a maioria
desse que alugavam, eram homens que tinha servido as ordens dele.
Minha tia, apareceu com pompa e
circunstância, foi quando descobriram por que não podia vir, tinha acabado de
fazer uma cirurgia estética na cara.
Confiaram no advogado, minha avó renunciou
a parte dela, menos o dinheiro do banco, que ficou todo para ela.
As duas dividiram tudo, minha tia ficou com
a parte que os que alugavam queriam comprar, minha mãe preferiu a dos que não
podiam comprar, assim os alugueis renderiam alguma coisa mais para ela.
Minha tia, como tinha aparecido, foi
embora, como dizia minha avó, nem na casa dela tinha ficado, preferia como
dizia o conforto de um hotel cinco estrelas.
Embolsou o dinheiro que lhe tocava, depois
ria dizendo que transformar tudo para dólares, nem valia a pena.
Já não voltou mais ficar chamando, minha
avó sim chamava.
Minha avó, fez uma coisa, uma parte, abriu
uma conta para mim no banco, dinheiro que ia ficar rendendo para que eu fosse a
universidade.
Uma outra parte, deu para o Orestes, fazer
uma pós-graduação, ele ficou imensamente contente.
Tinha estudado filologia, então era o que
melhor que podia acontecer.
Logo ganhou uma bolsa para fazer em francês
na Sorbonne em Paris, foi feliz da vida.
Mas antes fomos fazer nosso surf.
Me deu um abraço forte, fique tranquilo
amigo, um dia desses eu volto. Mas nunca
mais voltou, me escrevia sempre, dizendo que se sentir longe do irmão, lhe
tirava o pavor que tinha, talvez por causa do Jeremias, que não cair na merda
de vida que o outro levava.
Eu seguia indo a cada mês, um dia livre
para ir ver Pai Agenor, lhe contei que agora entendi tudo que os dois me
diziam.
Ele agora também sabia mais sobre o loiro,
disse que era o bruxo de sua tribo, que agora lá ninguém mais acreditava nisso,
só algum estudiosos nos dolmens, esse menino, foi o único que chegou me
abraçou, eu estava preso ali, me libertou.
Me descobri nas aulas de desenho e pintura,
que havia na escola.
Agora teria que decidir o que queria fazer
de universidade.
Andei me informando sobre Sain Martin
School em Londres, queria estudar designer.
Tudo encaixou, minha mãe, começou a namorar
um professor da escola, que era viúvo, se entendiam bem, saiam primeiro como
dois namorados, ele veio falar comigo.
Era meu professor, me caia bem.
Pai Agenor me disse, o mundo todo é teu,
podes ir para aonde quiseres.
Eu pensei muito, comecei a fazer o curso
primeiro no Brasil, fiz o vestibular, entrei com as melhores notas possíveis no
curso, mas no meu entender, era pobre, fiquei procurando uma bolsa de estudos,
que me iluminou foi meu guru como eu chamava o druida loiro.
De repente, fui me informar no consulado, me
deram todas as informações, ainda mais que eu era Irlandês, justamente da parte
que pertencia aos ingleses.
Consegui uma bolsa, minha mãe, me deu mais
dinheiro do que tinha trazido de Dublin, da venda da casa.
Assim eu poderia alugar um lugar para
viver.
Nas férias foi comigo, para conseguir um
lugar, foi fantástico, o segundo lugar que vimos, ficava justamente quase atrás
da escola.
Era todo um apartamento pequeno, em baixo
morava a proprietária.
Não sei como saiu a história de druidas,
ela disse que adorava o assunto.
Com ela aprendi muitas coisas a respeito.
Já não voltei, sentiria falta da minha avó
do seu Jeremias.
Ficava com pena dele, pois o Orestes
durante um tempo mandava notícias, um belo dia, chamou por telefone, tinha
conhecido alguém na universidade, disse que ia com essa pessoa para viverem
juntos.
Mas não explicou mais, fiquei com pena, eu
imaginava que ele estava com outro homem, pois sempre me tinha dado a entender
que era gay.
O namorado de minha mãe, passou a viver com
elas, minha avó seguiu pagando para o seu Jeremias, acabou que ele também foi
morar lá, para que manter um apartamento se estou sozinho.
Vivia nas dependências de empregados, era
um a mais na família.
O primeiro ano foi não só de descobrimento,
como mesmo de adaptação, embora falasse como os demais um inglês perfeito, era
ao mesmo tempo de fora, com outro conceito e cores.
O que de uma certa maneira me ajudou, eu
tinha dentro da minha cabeça, todas as cores que tinha absorvido no Rio de
Janeiro.
Mas todos os anos nas férias ia para lá, avisava
minha mãe que fazia questão de me mandar o bilhete. Corria logo para ver pai Agenor, que claro o
primeiro era meu banho de descarrego.
Antes mesmo de acabar o curso fiz uma
individual numa galeria, com uns desenhos, em papel, com lápis de cor, sobre
pássaros, na minha última ida, tinha passado dias no Jardim Botânico,
desenhando, seu Jeremias me levava, ficava conversando comigo.
Fiz um desenho dele em pequeno, depois o
aumentaria, era um beija-flor, pousado nas mãos dele, adorou. Mandei emoldurar o pequeno que ele tinha no
quarto dele.
Depois fiz vários desenhos, com ele, como
meu mentor, tinha sido o avô que o coronel não tinha sido.
Todos esses desenhos transformei em grande,
minha mãe e o namorado foram a inauguração, vi que ele se sentia um peixe fora
da água.
Tempos depois se separaram, não tinha dado
certo, ela dizia que pelo menos não tinha se casado.
Eu terminei o curso, queria voltar para
casa, quando mostrei meu curriculum em vários lugares, ninguém pareceu se
impressionar.
Mas segui meu trabalho, comecei a ilustrar
livros para uma editora, depois como tinha aprendido a fazer um computadores,
passei a fazer trabalhos para empresas de publicidade.
Seu Jeremias morreu dormindo
tranquilamente, foi um baque para mim, diria depois no seu enterro que tinha
sido o avô para ninguém botar defeito, não conseguimos localizar nenhum dos
filhos.
O mais velho soubemos depois que tinha
morrido numa briga de traficantes.
O Orestes, ninguém sabia aonde estava, como
ele não escrevia, só falava por telefone, ninguém sabia.
Quando finalmente quase um ano depois, na
época do natal ele telefonou, quem atendeu fui eu, falei com ele que seu pai
tinha morrido, ninguém sabias aonde estavas, por isso não pudemos te avisar.
Vivo na Finlândia me disse, não ias gostar
daqui, faz muito frio.
Perguntou do apartamento que vivia com seu
pai, eu lhe disse que o mesmo era alugado, tinha sido ele quem tinha falado,
ele vivia aqui em casa. Ninguém sabia a
idade certa dele, só nos seus documentos descobriram que tinha mais de oitenta
anos.
Depois me mandou por Email, uma foto dele,
com o homem que vivia, com os filhos deles.
O que ninguém entendia era que eu
continuasse indo ao terreiro de Pai Agenor, algumas pessoas conhecidas diziam
isso.
Eu ao contrário adorava, lá me sentia super
bem.
Fazia obrigações uma vez por ano, fiz um
trabalho imenso, me deu um bom dinheiro, resolvi ir fazer uma homenagem ao meu
guru. Fui a Irlanda, justamente aonde
tinha visto os dolmens, lá estava ele me esperando, coloquei flores ali,
abracei a pedra, senti que minha baterias se recarregavam.
Dias depois andando, tentando reconhecer a
cidade, dei de cara com um anuncio, de emprego, queria alguém para uma agência
de publicidade, alguém que entendesse de desenhos gráficos.
Me entrevistaram, nada como ser moderno
pensei, tudo podia mostrar através do meu site, com todos os desenhos,
ilustrações, meu curriculum na Saint-Martin School, me contrataram
imediatamente, avisei minha mãe, bem como as pessoas para quem trabalhava.
Consegui alugar um apartamento, em cima de
uma garagem, mais tarde a própria, ali montei meu studio, realizei um sonho,
poder pintar em tamanho grande.
Quando mostrei fotografias em uma galeria
de arte, o dono se interessou, foi até o studio ver.
Montou uma exposição, me dei a conhecer,
segui mantendo meu trabalho na agência, mas agora trabalhava desde casa, esses
projetos eu fazia com as mãos nas costas como me diria o seu Jeremias, quando a
coisa era fácil.
Minha avó morreu, tomei o primeiro avião,
minha mãe disse que ela estava numa geladeira, esperando por minha tia também.
Não entendemos, nada, voltou com a cabeça
baixa, tinha se divorciado, mas seus filhos estavam lá, queria vender o
apartamento.
Minha mãe sabendo como ela era, pediu ao
advogado que fizessem uma avaliação do mesmo.
Ela também queria ir para um menor. Venderam muito bem o mesmo, ela embolsou seu
dinheiro foi embora.
Minha mãe estava de férias, a convidei para
vir comigo a Dublin, ficou na dúvida, guardou ao dinheiro no banco, veio
comigo.
Logo encontrou pessoas que ela conhecia da
época que tinha feito cursos escondida do meu pai.
Ficou numa dúvida atroz, voltou para o
Brasil, alugou um apartamento pequeno como queria só para ela.
Foi quando fui convidado para expor em
Londres, ela veio a inauguração, tinham dois quadros que a ela emocionaram
muito, um era como minha avó gostava de andar pela casa, sempre descalça, com
um vestido relaxado de flores.
A pintei como a tinha visto no primeiro
dia, tinha ficado impressionando com essa maneira dela se vestir.
Depois um outro, um dia que me pediu para a
levar conosco ao Jardim Botânico, ela com um chapéu, para se proteger do sol,
mas que tinha flores presas, os pássaros se encantaram com isso, ela estava
sentada num banco, pedi que ficasse quieta, a desenhei ali relaxada, inclusive
com um pássaro pousado em sua mão.
Se venderam todos os quadros, minha mãe,
estava super feliz, de lá fomos para Paris, levei catalogo das duas exposições,
ia mostrando nas galerias do Rive Gauche, fui bem recebido essa era a verdade.
Estava um dia conversando com um Marchante,
quando parou um mercedes na porta, saiu um homem, com o quadro da minha avó,
ele tinha comprado em Londres, riu muito de me encontrar, queria colocar uma
moldura, queria que o dono o aconselhasse.
Se o senhor manda colocar uma sem cor
nenhuma, posso pintar em volta, lhe expliquei que esse lugar era o Jardim Botânico,
do Rio de Janeiro.
Ele falava comigo, mas não tirava os olhos
de cima de minha mãe, a apresentei para ele, galante disse que ela era muito
jovem para ter um filho como eu.
Nos convidou para jantar.
Comprei material acrílico, pintei o resto
da floresta em volta.
Tua avó me fez recordar da minha mãe, nos
disse.
Agora convidava minha mãe para jantar todos
os dias, não sei se para convencer minha mãe de ficar, ou porque realmente
gostava do meu trabalho, disse ao da galeria, que ajudaria para a exposição,
aluguei um pequeno studio, aonde podia pintar meus quadros grandes, o dono da
galeria logo se encantou, disse quantos caberiam lá. Examinei com ele as salas todas, fizemos em
outra que levava uma socia dele, era maior.
Jacques queria impressionar minha mãe, era
imensamente rico, mas ela me disse na surdina, estou cansada dele, todos os
dias me manda um ramo de flores, gosto dele, mas isso cansa.
Um dia o encontrei na galeria, tinha ido
tomar medida de uma parede, aonde pensava colocar um quadro muito grande.
Fui tomar um café com ele, lhe perguntei
por que fazia isso com minha mãe, ela era uma mulher simples, muito pé no chão,
sabe administrar sua vida, assim o senhor a está assustando.
Ele mudou de tática, lhe disse para ser
franco com ela, nada de tanta presepada, jantares, coisas assim.
A exposição foi bem, vendeu-se tudo,
segundo o dono da galeria, Jacques tinha imensos amigos milionários, em seguida
a convidou para ir com ele, para o sul.
Tinha uma casa na praia que pouco usava, pois
nunca ninguém queria ir.
Ela foi, se apaixonou pelo lugar, aqui
posso andar com os pés no chão.
Eu tinha me apaixonado por um outro pintor,
o dono da galeria me avisou, cuidado ele anda nas drogas, realmente a primeira
vez que queria que eu tomasse com ele drogas, o mandei a merda.
Nem pensar, tinha a cabeça muito livre, vi
nesse momento o homem loiro, sinalizando.
Depois descobri que falava de mim pelas
costas, que Jacques me sustentava.
Consegui um emprego numa agência de
publicidade, assim tinha um emprego fixo.
Minha mãe, acabou ficando, mas não queria
viver na alta sociedade.
Jacques concordou, só vinha a Paris, para
resolver negócios, depois voltava com ela para casa, ela aproveitava essas
vindas para conversar comigo.
Nas férias fiz uma viagem pela Africa,
contratei um guia, expliquei o que queria, o coitado sofreu nas minhas mãos,
pois o obrigava parar de repente, para desenhar alguma coisa que me chamava
atenção, Girafas, elefantes, todos os animais.
Desenhei muitos pôr do sol na Africa,
depois incluía os animais na frente deles, o mesmo fazia com a floresta,
incluía as crianças que tinha desenhado, com algum macaco nos braços.
Quando os quadros ficaram prontos, alguém
comentou, um dia apareceu um outro dono de galeria, me oferecendo expor com
ele, fez uma coisa que eu não gostava, falou muito mal do outro.
Disse que ia pensar, mas na verdade nem
parei para pensar, quando mostrei os quadros que tinha feito, ele se matava de
rir, para a galeria que eu fico, teria que ser só tamanhos pequenos.
Fizemos então uma coisa, os quadros grandes
iriam para a maior, mas fiz uma série de desenhos, como eu gostava, para a
outra, eram as crianças, os animais pequenos, misturava os dois.
Se inauguraram dois dias depois, no dia da
inauguração o que eu já tinha esquecido apareceu, me disse que com ele eu iria
pelo mundo, mas com esse nem a esquina.
Eu gosto muito da esquina lhe disse.
Depois o outro se aproximou, se
cumprimentaram friamente, ele sempre faz isso, oferece mundos e fundos, mas não
faz nada, ninguém quer expor com ele.
Contei que tinha aparecido no studio,
falado mal dele.
Ele sempre faz isso, afinal tem muito
dinheiro, pergunte ao Jacques sobre ele.
Dois dias depois perguntei, minha mãe
estava linda.
Eu via o Jacques mais relaxado, guardava o
dinheiro no banco, foi quando minha mãe foi a Irlanda com ele, ainda tinha
dinheiro lá, trouxeram tudo, ela abriu uma conta para ela.
Nesse mesmo ano foram ao Brasil, ele se
encantou, mas não para viver.
Nas férias seguinte, tirei mais tempo, fui
fazer uma coisa que tinha imaginado a tempos, perto do studio tinha um
restaurante indiano, tinha feito boa camaradagem com o dono, que arrumou um
irmão dele, para me acompanhar.
Fui descendo a costa de Kerala, desenhando
tudo que via pela frente, me perguntava por que não fazia fotografia, tive
trabalho de explicar que adorava fazer isso, o fazia rápido, anotava sempre
detalhes.
Passei mais de um mês fazendo isso, do
trabalho, me pediram para conversar com um cliente de lá.
Esse quando viu meu trabalho, os meus
desenhos, disse que queria isso, uma publicidade que trabalhavam no meio dessa
maravilha exuberante de metade floresta, ao mesmo tempo modernidade.
Eu ri, pois era justamente isso que eu via,
uma pessoa com um celular de última geração, mas vivendo numa casa simples.
Tinha me hospedado numa velha mansão
inglesa, como que plantada no meio do nada, perto da praia, era interessante,
tinhas que atravessar um pedaço de floresta, para chegar a mesma.
Fiz uma coisa, um dia me sentei, na metade
desse caminho, de um lado, desenhei o que se podia ver da mansão, depois me
virei para o outro lado, fiz como se descobria a praia no final do mesmo.
Quando cheguei a Paris, o primeiro foi
fazer o trabalho do cliente, fiz dois, como eu via, outro como ele imaginava o
que eu via.
Riu muito comigo, disse que eu tinha
entendido a ideia.
Depois me dediquei a preparar a exposição, o
dono da galeria tinha mandado catalogo das anteriores para Galerias de Berlin,
Barcelona, Londres, NYC.
Fiz tantos quadros que sobravam, fizemos
como da última vez, os pequenos numa galeria, os grandes em outra.
No que pintava o que tinha feito sentado no
meio do caminho, nesse noite sonhei com meu protetor, como eu passei a chamar o
guru, ele me mostrou como era visto de cima, eu ali sentado num banco
desenhando, de cima se via as duas coisas.
O coloquei os três quadros juntos, foi
muito interessante, tinham ofertas de duas galerias, nessa vernissagem
apareceram dois, um de Berlin, outro um de NYC.
Me perguntaram que eu faria em seguida,
lhes disse que ainda tinha muito material, que nem tinha exposto a metade do
que tinha em mãos.
O de Berlin queria comprar os três, mas já
estava vendido.
Minha mãe tinha se transformado numa
senhora bonita, se vestia bem, tinha bom gosto, só não gostava como dizia da
falsidade das pessoas da alta sociedade, mas acompanhava Jacques quando ele lhe
pedia.
Me confessou que era feliz com ele,
principalmente quando estava na praia.
Dois dias depois apareceram os dois
galerista com o meu de guia.
Olharam tudo que estava no meu studio, além
de muitos desenhos que estavam por ali.
Eu tinha duas estantes dessas para
desenhos, mostrei da coleção anterior, logo se interessaram em comprar, mas eu
não queria vender, na verdade não precisava de dinheiro.
Até vivia modestamente, não precisava de
luxos, nem gostava deles.
Me perguntaram aonde eu iria em seguida,
lhes disse que ao Brasil, primeiro ia ver Pai Agenor, depois iria com ele a
Salvador da Bahia, queria fazer uma trabalho pé no chão.
Antes é claro, com as obras restantes,
algumas que o de Berlin escolheu, fiz uma exposição em sua galeria, ele batia
as palmas da mão, pois tinham vendido tudo.
Dizia que eu tinha as cores na alma.
Logo em seguida fui para o Rio, fui direto
a casa de santo de Pai Agenor, ele estava velho, reclamava, que ajudava muita
gente, mas santo nenhum cuidava dele, com as dores que tinha das artroses.
De repente pareceu esquecer tudo, telefonou
para uma mãe de santo amiga dele em Salvador, em dois dias nos mandamos.
Era uma saída de santo, eu acompanhei tudo,
com licença e claro dos orixás, foi uma coisa fantástica, ao mesmo tempo, andei
pelas ruas, em alguns lugares parava para desenhar os velhos sentados na
calçada da praia, pedia se podia os desenhar, minha avó dizia que com educação
podia conseguir tudo.
De volta ao Rio, tomei todas as vacinas
necessárias, fui para Manaus, de lá sai para excursões na selva, fui visitar
aldeias indígenas, quando me avisaram da festa do Xingu, tinha escutado falar
da mesma, visto fotos.
Mas consegui autorização para entrar.
Não incomodei ninguém, me sentava
desenhando rapidamente ou velozmente como diziam que eu fazia, tudo que via em
minha volta, inclusive as crianças que ficava como loucas comigo.
Quando voltei, deixei o trabalho da
agência, os atenderia a partir da minha casa, quando me necessitassem.
Tinha inclusive comprado o meu studio,
Jacques queria me dar de presente, mas eu disse que não.
Fui visita-los num fim de semana, ri muito
pois minha mãe parecia completamente relaxada, falei que acreditava que não
veria mais o Pai Agenor, que estava muito velho.
Comecei a trabalhar, uma primeira parte,
fiz como eu tinha acompanhado o desenvolvimento da saída de santo, mas sem
mostrar direito o que era realmente, seus segredos.
As pessoas em transe vestidas com as roupas
do santos, depois fiz minha parte que eram os orixás, misturados com a
floresta.
Preparei toda a exposição, mas não toquei
nos que tinha visto no Amazonas, no Xingu em especial.
Isso seria outros quinhentos. Quando acabei estava exausto, fui a
vernissage, exausto, mal sai, fui parar no hospital. Os médicos diziam que
tinha tido um princípio de enfarte.
Eu ia rebater que era jovem para isso, não
me dava conta da idade que tinha, muita água tinha passado por baixo da ponte
essa era a verdade.
Resolvi tomar a coisa muito devagar, estava
tranquilo, não tinha dividas, pagava meus impostos em dia, nada me atormentava.
Quando comecei a pintar sobre o Xingu,
comecei, como tinha chegado à aldeia, consegui imaginar, com o meu guru, como
iam as crianças atrás de mim.
Fiz minha própria imagem, aquele homem
alto, muito branco cheio de sardas, meu primeiro autoretrato, meus cabelos eram
imensos, agora cheios de brancos misturado com os loiros, parecia cada vez mais
com o espirito do homem que me protegia.
Esse era um painel imenso, depois seria a
capa do catálogo. Mas fui me cuidando, me obrigava a comer, a sair para andar,
conversar com as pessoas, nos restaurantes.
Levei mais tempo que qualquer exposição, o
da galeria me disse que seria a última que fazia, queria se aposentar, mas
quando viu tudo que eu tinha, mudou de conversa.
De um garoto, fiz um tríptico, primeiro ele
sentado no colo de uma mulher que lhe catava os piolhos, de um lado um macaco
pequeno no seu ombro fazendo o mesmo, no outro a mulher lhe raspando a cabeça,
no centro ele em pé todo pintado.
Foi fazendo os desenhos, cada um no tempo,
o dono da galeria queria me apressar, mas lhe disse que só dentro de dois
meses, que se ele queria se aposentar, sem problemas.
Nem pensar, perder essa exposição, nem
morto.
Quando tudo ficou pronto, montou de uma
maneira diferente, tudo na galeria grande, alugou um espaço ao lado, para caber
tudo.
Antes de inaugurar, convidou todos os
jornalistas que ele conhecia em termos de arte.
Um que depois descobrir que era do Brasil,
me perguntou se alguém tinha me pagado para fazer isso.
Na hora não entendi, ele falou em
português, se o governo do Brasil tinha me ajudado.
Respondi com sinceridade, nem sabiam que eu
estava por la, contei que minha anterior sobre o Candomblé, tinha feito ao
mesmo tempo, primeiro fui a Salvador com um pai de santo que é o meu pai. Depois fui para Manaus, posteriormente para
o Xingu.
É impressionante seu trabalho, foi tudo que
me disse.
Dias depois recebi através da galeria a
matéria que ele tinha feito, que tinha saído num jornal no Rio e São Paulo.
O enterro foi concorrido, sua família era
importante, se decepcionaram, já esperando brigar na justiça com minha mãe,
tudo que ele deixava para ela, era a casa da praia, aonde tinha sido feliz.
Mas na verdade tinha depositado uma bela
quantidade de dinheiro na conta dela no banco.
Depois de tudo, nos sentamos os dois, eu pensando
em sair de Paris, não sabia ainda aonde ir.
Tampouco precisava de dinheiro.
Acabei indo morar com ela, pintava num ritmo muito
lento, uma exposição por ano, os críticos diziam que com a maturidade, eu
seguia com as cores vibrantes, mas era agora o rei do detalhe.
Era uma verdade, examinava cada detalhe do que
tinha feito.
Nos avisaram que pai Agenor estava mal, pegamos
nossas coisas fomos para o Rio, ela ainda tinha seu pequeno apartamento, pagava
para a mulher do porteiro, uma vez por semana ir até lá limpar, abrir as
janelas.
Ainda pudemos nos despedir dele. Outra pessoa
ficaria no seu lugar, não me interessei muito.
O que fiz, foi logo em seguida, através de um
conhecido, que estava trabalhando com escolas de samba, ir pelos barracões,
ficava numa posição que não atrapalhava, ia desenhando o pessoal, trabalhando
como louco, as roupas ainda na maquina de costura, depois a mesma pronta, por
último, ia para a avenida, justo na hora da concentração, ia desenhando toda
aquela confusão, gente gritando, falando alto, mas eu tinha o dom de deixar de
escutar, ficava numa posição que não atrapalhava.
Minha mãe dizia que nunca tinha imaginado que eu
acabaria assim, famoso, com os pés no chão, pois ia com sandálias havaianas, camisetas
velhas, bermudas que ainda estavam na casa dela, os cabelos imensos.
Tinha sim um segurança, num desses dias passou por
mim o Orestes, ia com dois rapazes, o chamei, ficou me olhando, o famoso de pé
no chão, disse que sabia de mim pelas reportagens, me apresentou seus
filhos. Me disse que hotel estava, lhe
perguntei sobre o homem com quem vivia, me disse que era viúvo.
Vê-lo me fez lembrar de seu pai, que me arrastava
com ele, para a saída da banda de Ipanema, se divertia horrores.
Disse que ia procura-lo no hotel, mas não fui.
Para que, sem querer tinha me dado o avô que eu adorava.
Ainda fui duas vezes a banda de Ipanema, já não
era a mesma coisa, mas mesmo assim em alguns momentos consegui recuperar o tinha
na memória.
Quando voltamos para Paris, chegar no inverno, foi
duro, mas fomos logo para a casa dela.
Meu marchante, agora tinha um ajudante, vinha
passar tempo lá em casa, ria me vendo trabalhar, detalhando a cara de uma
senhora concentrada em cima de uma máquina de costura, ou de um homem terminando uma
escultura.
Levei quase dois anos para terminar, pois não
tinha pressa, agora tinha um ritual, me levantava cedo como sempre, ia dar um
passeio pela praia, depois ia para casa tomava café, um bom banho, ia
trabalhar, minha mãe me obrigava a ter uma vida como tinha lhe dito o médico.
Quando foi feita a vernissage, foi um sucesso, o
Marchante dizia que assim fechava com chave de ouro sua carreira, deixava a
galeria para um sobrinho.
Meses depois voltei da minha caminhada, mas não vi
minha mãe, eu subi para seu quarto, estava morta, meses antes falando, me pediu
se ela morresse, levasse suas cinzas para colocar ao lado da sua mãe, do Jeremias.
Foi eu que fiz, tinha ficado abalado essa era a
verdade, mais frágil, mas o homem que me protegia não me deixava fraquejar.
Pensei muito, no Brasil eu era um belo
desconhecido, como eu gostava de ser, vendi a casa dela em Paris, tive que
contratar um container, para trazer todos meus arquivos de desenhos, ainda não
sabia o que fazer com ele, comprei uma casa, lá pros lados de Sepetiba, uma
casa bem pé no chão, estava no final de uma praia pequena, ali
ficava a maior parte do tempo.
Finalmente me descobriram por um acaso,
as melhores galerias me procuraram, mas desanimaram eu levava tempo demais para
fazer uma quadro.
Morri quando estava fazendo o do meu
guru, pensaram que eu estava fazendo um autoretrato.
Pior era não saber a quem chamar, não
existia ninguém mais da família.
Tinha dinheiro no banco, o advogado
depois de avisado, sabia o que fazer, me cremar, enterrar junto com minha mãe.
O dinheiro era todo para orfanatos tinha
uma lista já distribuída com ele.
Não ia levar nada para o outro lado.
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