THOMAS LUTTHER
Voltavam do enterro avô, General Thomas
Lutther, tinha sido com todas as honras militares, embora ele já estivesse
retirado a muito tempo, morreu com 99 anos, vésperas de fazer 100anos.
No enterro só tinha um outro militar de
alto rango como ele, companheiro de muitos anos, em cadeira de rodas.
Quem fez as honras, o discurso, foi o
Coronel Deocleciano, no fundo meu tio, pois tinha se casado muito tarde com
minha tia Helena Souza Lutther.
Este me avisou que o velho estava mal, sai
correndo de Cape Canaveral, na Florida aonde trabalhava, para chegar a tempo, o
velho quando me viu abriu os braços, levantou um, fez continência, eu apesar de
não ser militar, tinha o rango de Coronel da Aeronáutica, era engenheiro
espacial.
Agarrou minha mão, estava te esperando,
tinha que te ver mais uma vez, no final do dia morreu sorrindo, coisa rara
nele, eu só tinha saído uma vez de seu lado, na residência para idosos que
tinham vivido muitos anos, ele com minha avó Jaqueline Souza Lutther.
Quando minha tia se casou, pela segunda
vez, com o Deocleciano, os dois viviam na Ilha do Governador, ela dava aulas de
pós-graduação na universidade da Ilha do Fundão, aonde tinha estudado.
Tinha sido emocionante, escutar meu tio o
Coronel Deocleciano falar do meu avô, contou no fundo uma parte da sua
história.
Eu perguntei a minha tia, se não tinha
avisado meu pai, minha mãe estava ali no enterro, com meus dois irmãos, agora
tão alto e diferentes de mim. Também
estava aposentada, mais gorda, mas seguia sendo uma mulher bonita.
Foi ela quem responde, disse que não podia
sair de Brasília, que o partido precisava dele.
A mesma balela de sempre, soltou para
complementar.
Meus dois irmãos, eram filhos de seu
casamento com um companheiro da Caixa Econômica Federal, já tinha morrido a
muito tempo.
O mundo dá muitas voltas, mas esse filho da
puta do meu pai não muda, falei isso entre os dentes, na verdade se o
encontrasse não saberia quem era, fazia muitos anos que não o via.
Depois do enterro fomos para a casa da
minha tia Helena, que no fundo foi minha segunda mãe, foi ela quem me levou
para os Estados Unidos.
Bom minha história começa, nos idos da
ditadura no Brasil, pelos militares, meu avô na época já era General.
Ele e a Jack como chamava minha avó, tinham
dois filhos, Dagoberto Souza Lutther, Helena Souza Lutther.
Meu pai, segundo minha avó, já dava
trabalho de jovem, não gostava muito de estudar, apesar de meu avô o ameaçar de
o colocar como militar, seu negócio era fazer surf, no arpoador, estudava o
justo, passava raspando nos exames, tanto que teve que ir estudar na PUC, pois
não tinha ido bem no vestibular, ou seja mais uma despesa para o velho.
Um belo dia, colocou na cabeça que era
comunista, meu avô se matava de rir, se quando muito faz surf.
Minha mãe, era filha de um funcionário
público, meu avô materno, trabalhava na Petrobras, lá para os lados de Caxias,
tinha mais cinco filhos.
Dava um duro danado para mandar os mesmo
para a escola, era filho de nordestinos que tinham vindo de pau de arara para o
Rio de Janeiro, mas conseguiu estudar, fazer concurso para a Petrobrás, assim
seguir em frente, minha avó, segundo minha mãe, era semianalfabeta, aprendeu a
ler e escrever direito, com os filhos.
Minha mãe, ganhou uma bolsa de estudos, foi
estudar filosofia na PUC, lá conheceu meu pai, esse levava uma vida dupla, para
seus amigos comunistas de carteirinha ele era Dagoberto Souza, como explicar
aos amigos que era filho de um general.
Saia com ela, mas esta sempre odiou a
política, dizia que não levava a lado nenhum. Era muito bonita sim, uma morena de fazer
gosto.
Com ela, ele queria outra coisa, acabou a
deixando gravida, antes de desaparecer.
Ela com uma foto dele, saiu procurando o
mesmo.
Eles viviam ali perto da praça Saens Peña,
na rua Barão de Mesquita, numa casa de vilas, dessas todas iguais, era o que
ele tinha podido comprar na época, com um financiamento até o resto de sua
vida. Como ele dizia, salario de
funcionário público de baixo escalão.
Perto estava o 1º Batalhão de Policia do
Exército, aonde estava um amigo dela de infância, quando lhe mostrou a
fotografia, ele ficou quieto, tinha visto meu pai preso lá.
Falou com o mesmo, esse lhe deu num pedaço
de papel, que ela fosse procurar o General Lutther, tinha um endereço na rua
Pompeo Loureiro, do outro lado da rua do 17º grupamento dos Bombeiros Militar.
Lá foi ela com uma barriga imensa, ficou
esperando, o porteiro não a deixou entrar, dizendo que o General não estava.
Ela ficou embaixo do sol, esperando, quando
ele chegou no seu carro oficial, conduzido pelo cabo Deocleciano, ela se
aproximou dele, perguntou se ele era o General Lutther, tenho noticias de seu
filho, nisso desmaiou.
Os dois a subiram, minha avó dizem que
ficou furiosa, com o porteiro, aonde já se viu deixar uma mulher gravida
esperando na rua, depois lhe passou uma descompostura.
Quando finalmente minha mãe, recobrou a
consciência, estavam todos em volta a olhando, foi minha tia Helena que disse
que a conhecia, a tinha visto duas vezes com meu pai, que a apresentou como sua
namorada.
Ela contou a história como ele desapareceu,
ninguém sabia aonde estava, comecei a procurar, um rapaz da universidade, disse
que seu grupinho de comunistas tinha sido preso.
Ai procurei no quartel perto de casa, tem
um rapaz que conheço desde garota, serve lá, ele me deu esse papel, seu filho
está preso lá.
Segundo ela a cara do General era
horrível. Claro ele tinha outros
generais contra ele, pois tinham pedido que fosse presidente do Brasil, ele se
negou, não suporto política, para que vou me meter, tampouco gostava de
Brasília, tinha estado lá com a guarda Presidencial, o desterraram para Deodoro
no subúrbio do Rio, para ser responsável pela segurança da área militar, como
ele dizia, para boi mandado, tudo bem.
Quem o levava, trazia era o Deocleciano,
que vivia na área de serviço do apartamento, era um cabo na época, meu avô fez
com que estudasse de noite numa escola ali perto, para poder ir em frente, para
ele era como um outro filho.
Perguntaram para minha mãe se o filho era
do Dagoberto.
Sim, mas minha família aceitou, mas perdi o
ano na faculdade, infelizmente.
Não ia ficar acusando meu pai, sempre
dizia, eu devia saber aonde estava me metendo.
Minha avó Jaqueline, a mais prática dali,
lhe perguntou se vinha fazendo os exames rotineiros, o que eu consigo nos
hospitais, sim.
Ela passou a mão no telefone, chamou um
médico que vivia no edifício, que era o médico da família.
Este subiu rapidamente a examinou, disse
que faltavam dias verdade?
Sim, ela foi se arrumando, tenho que ir
embora.
Nada disso deu ordem o velho, ficas aqui,
afinal esse vai ser meu neto.
Ela avisou sua família, que respirou
aliviada, tinham outros filhos para se preocuparem.
O velho foi atrás para saber aonde estava
seu filho, foi até o Quartel aonde estava preso, o deixaram entrar, afinal era
um General.
Quando deu de cara com seu filho, este lhe
soltou muita merda pela cara, que era um fascista, outras coisas mais, o chamou
de filho da puta para baixo.
O velho dizia que tinha ficado olhando para
o filho, pensando, quem é esse sujeito, é o tal que sempre foi mal estudante, que
pago até hoje a universidade que ele não vai.
Disse que virou as costas, entrou no seu
carro, foi embora, ele que se apanhasse.
Contou para Jaqueline, o que tinha
acontecido, me cuspiu na cara, imagine você.
Ela ficou furiosa, vê no que dá, eu quando
queria dar uma chineladas nele, não permitias, agora temos isso.
Minha mãe foi ficando, nem dez dias depois
nasci.
Para surpresa de todo mundo, era loiro,
olhos azuis como o velho, pois claro os dois eram do sul do Brasil, de Santa
Catarina, meu bisavô era um judeu alemão que escapou antes de estourar a
guerra, quando chegou ao Brasil, descobriu que a colônia alemã, vivia toda em
Santa Catarina, minha avô era filha de franceses e portugueses dos Açores, se
conheceram lá, namoraram, ficaram noivos, quando ele servia no exército em
Florianópolis, se casaram, ele foi subindo na hierarquia, trabalhando e
estudando, dando um duro danado, tinha feito inclusive depois durante esse
tempo, direito, era advogado sem exercer.
Como era da policia militar por sua altura,
foi ser coronel na Guarda Presidencial, no Rio, depois foi mandado para montar
a de Brasília, quando aconteceu o golpe, o transformaram em General, pois era
muito respeitado pelos seus homens.
Mas foi em Deodoro que conheceu o Deocleciano,
que para fugir de ter que ser traficante de drogas, foi servir o exército, foi
quando caiu nas boas graças do General, esse precisava de alguém que o levasse
a Copacabana, quando soube da história dele, o ajudou, arrumou uma escola para
ele ali perto de aonde morava, estudava de noite. Minha avó, o ajudava no que não entendia.
Mas voltando, quando nasci o velho ficou
como louco, era como ele, foi rebuscar entre suas coisas, mostrou uma foto
daquelas que se fazia antigamente das crianças, deitadas com a bunda para cima,
eu era igual.
Passei a ser o seu xodó, ele chegava em
casa, tirava rapidamente o uniforme, dizia estava louco para se ver livre
disso, minha avó ia atrás dele, pendurando o casaco num cabide, que colocava
para arejar.
Ele me pegava no colo, ia para seu lugar
preferido, uma varanda grande do último andar do edifico, que nem se escutava o
ruido da rua embaixo, tinha transformado esse lugar em sua biblioteca
particular, ali era seu canto, ficava falando comigo.
Minha mãe, deixou que colocassem em mim o
nome do velho Thomas Lutther.
Quando meu pai foi transferido para o
presidio da ilha grande, ela conseguiu licença para o visitar, foi com minha
tia, as duas num barco, que ia até lá, saia da Praça XV, ia lentamente até lá,
depois tinham que voltar.
Contou que quando meu pai me viu, disse que
não podia ser filho dele, eu sou moreno, tu também, como posso ter um filho
loiro. Minha tia tentou argumentar, que
ela era loira quando pequena, agora tinha os cabelos castanhos claro, mas ele
nem chegou perto, fez uma coisa que ao parecer era hábito dele, cuspiu na minha
mãe.
Esta voltou desconsolada para casa.
O velho ficou furioso, ele conhecia o
coronel que tomava conta do presidio, telefonou para ele, pediu que colocasse
seu filho na solitária para ver se aprende.
Este lhe disse que era o preso que mais
dava problemas, de vez em quando leva uma porrada de algum outro preso, pois
agora sabem que ele é filho de um general, que o nome Souza era mentira dele.
Foda-se soltou o velho.
Minha mãe por insistência dele, voltou para
terminar a faculdade, mas agora no Fundão, ia com minha tia todos os dias, eu
ficava nas mãos de minha avó, que me levava de carrinho, a todos os lugares, a
feira, ao supermercado, para dar uma volta na praia.
Mas no verão, o velho quando chegava,
colocava uns calções antigos, ia comigo até a praia, descia a rua falando com
todo mundo, entrava comigo ali na beirada do mar.
Para todo mundo eu era seu neto, alguns que
o conheciam, batiam continência, ele me ensinou, encontrava com militares como
ele.
Alguns sabiam que o tinham proposto para
presidente, mas isso para ele era um tema tabu.
Finalmente o transferiram para o Forte de
Copacabana, mas ele levou junto o Deocleciano, logo esse era sargento, era seu
braço direito.
Nessa época minha tia conheceu um
americano, que tinha vindo fazer um curso no Brasil, se apaixonou, ele foi
pedir a mão dela em casamento, para isso vieram seus pais, o dele também era
militar aposentado, coronel, lhe faltava um braço que tinha perdido na guerra.
Se casaram no civil, pois ele era
protestante, ela católica.
Lá foi ela terminar o curso de matemática,
em Los Angeles.
Nessa época o meio de comunicação era as
cartas, escrevia todas as semanas, cada um escrevia um pedacinho, eu sempre
mandava um desenho para ela, tinha paixão pelos aviões, Deocleciano fazia
gozação dizendo, “General, esse vai ser da aeronáutica”, não errou muito.
Minha tia, tinha algum problema, não
conseguia que suas gravidez fosse em frente, na época tinha já 4 abortos,
quando o médico lhe disse que não tentasse mais, pois podia morrer.
Nessa época seu casamento também ia a
pique, pois seu marido era filho único, queria um herdeiro.
Ela começou a fazer uma pós-graduação em
matemática pura, conseguiu uma bolsa de estudos para o MIT, do outro lado do
pais, antes escreveu para os pais, acho que não vale a pena manter um casamento
que não funciona, se divorciou.
Nas férias apareceu, para matar as
saudades. Foi quando numa conversa a
sério com minha mãe, está lhe contou que saia com um companheiro da Caixa
Econômica Federal, nunca mais tinha ido ver meu pai, aliás em casa, ele era
tema tabu.
Este queria se casar, mas claro não queria
o filho de outro, queria formar sua própria família.
Minha tia conversou com seus pais,
convenceu minha mãe, está me deu em adoção, cá entre nós de uma certa maneira
eu era um problema para ela, tinha acabado a universidade com dificuldade, pois
tinha que pensar em mim, por isso invés de fazer uma pós-graduação, fez um
concurso para a Caixa Econômica.
Ela falou com os pais dela, que davam
graças a Deus dela viver na casa do General, era uma boca a menos em casa.
Acabou concordando, eu ainda estava no
Jardim de Infância, adorava minha tia, iria sim sentir falta do meu avô.
Lá fui eu para Massachusetts, viver em
Cambridge, na época ela depois da graduação ficou como professora adjunta de um
grande matemático. Eu me adaptei, ela
reclamava do inverno, mas eu gostava, fazia uma coisa todos os meses no mesmo
dia, na hora combinada, ela chamava os velhos, falava com eles rapidamente,
depois me deixava falar com meu avô, eu sempre mandava um abraço para o tio
Deocleciano, porque sabia que ele estava lá.
Mas nas íamos sempre passar natal e ano
novo no rio.
Uma vez meu pai, pediu para ver o velho,
afinal ele tinha cumprido já 10 anos de prisão, tinha 15 de condena, meu avô
foi com o Deocleciano, numa lancha que este conseguiu, depois este contava, que
tinha piorado, não melhorado. Queria que
o pai o tirasse de lá.
Quando me viu, perguntou se eu era algum
filho dele por fora, falou uma série de merdas, minha mãe tinha escrito uma
carta, dizendo que minha tia me tinha adotado, que eu vivia nos Estados
Unidos. Avisava também que tinha se
casado.
Ele estava uma fera, não tinha sido
consultado de nada, começou a gritar com o pai.
Deocleciano, teve que pedir um helicóptero,
pois o velho começou a passar mal, princípio de um enfarte.
Foi direto para o hospital, tudo que ele
disse a minha avó, foi ele se meteu em camisa de onze varas, agora que se
livre.
Foi quando o aposentaram, ele chegou em
casa, tirou o uniforme, adorava representar essa cena, disse a minha avó e ao
Deocleciano, que tinha ido com ele a sua despedida.
Pendura essa merda, agora viverei usando o
uniforme de aposentado, pijama, disse isso as gargalhadas.
A estas alturas, uma coisa que ficou
famosa, um dia parou uma limousine na porta do edifício, desceu o presidente da
República, um general como ele. Queria
pedir ao meu avô, para ir com ele para Brasília, aquilo é uma merda, gente
demais para controlar, esses políticos, que só querem encher os bolsos, preciso
de um amigo ao meu lado.
Foi embora de mãos abanando, como dizia o
velho.
Amigo, se ele foi um dos que me desterraram
em Deodoro, quando não quis ser presidente dessa merda de pais, em que todos
querem se dar bem.
Depois de aposentado, ele deixou de ler
jornais, nem telejornal via, assistia sim todas as novelas com minha avó, mas
segundo ela dormia em seguida.
Quando meu pai voltou para casa, por um
acaso estávamos de férias lá, eu tinha ido a praia com o velho, bem como o
Deocleciano, isso era sempre, esse ia buscar meu avô, com a desculpa de tomar
um chopinho.
Eu estava junto, pois adorava o papo dos
dois, nessa época Deocleciano, já tinha subido mais uma vez de posto.
Quando descobriu que eu estava aprendendo a
pilotar um avião, que fazia aulas de paraquedismo, apontava para o velho, não
dizia que esse garoto seria um traidor, aeronáutica, General.
Quando chegamos em casa, meu pai estava lá,
queria dinheiro.
Meu avô lhe soltou em plena cara, vá
trabalhar vagabundo, aonde estão teus amigos comunistas, fora de minha casa, o
arrastou até a porta, a fechando a chave.
Ainda por cima isso, me viu, perdão meu
filho, mas teu pai é um bom filho da puta, tua avó é uma santa, mas é como ele
merece ser chamado.
Depois minha mãe contaria a minha tia, que
ele tinha se encostado num emprego na câmara dos vereadores, assessor de porra
nenhuma como ela dizia.
Nessa época entrei para a universidade, com
16 anos, com a nota mais brilhante, matemática Pura, física quântica que
começava a despontar.
Para todo mundo eu era americano com esse
nome Thomas Lutther, queria ser astronauta.
Meus avôs resolveram fazer uma coisa, como
agora viviam sozinhos naquele apartamento imenso, o velho tinha acabado de
pagar o financiamento, foi visitar uma amigo que vivia numa residência de
idosos em Jacarepaguá, gostou do ambiente, de como viviam as pessoas.
Voltou levando minha avó, falou com minha
mãe e minha tia, foram viver lá os dois, ainda ofereceu o apartamento para
minha mãe, mas esta estava casada.
Agora quando íamos, ficávamos na Barra da
Tijuca, eu achava interessante, mal sabia que chegávamos, o Deocleciano nos ia
buscar no aeroporto, ia contando as novidades, os dois se encaixaram bem lá,
tem mais dois amigos do General, ficam jogando cartas o dia inteiro, Buraco,
ele rouba, faz trapaças, os dois, ela com suas amigas o dia inteiro fazendo
crochê, ou alguma outra coisa, além das novelas é claro.
Vou sempre que posso.
Eu sempre tinha visto o Deocleciano olhar
minha tia, sabia que ele nunca tinha se casado, desta vez, aproveitei que sai
com ele para fumar no jardim.
Falei, quando vais te declarar, quando os
dois estiverem em cadeiras de rodas.
Ficou rindo, respeito garoto, ainda nem
eres cabo da aeronáutica.
Mas quem avançou o sinal foi minha tia, o
convidou para jantar no hotel que estávamos na Barra, eu inventei uma
desculpas, os deixei sozinhos.
Foi o namoro mais diferente que conheci, se
escreviam cartas, nas férias deles, embora fosse inverno, ele foi até lá.
Só sei dizer que ela voltou para o Brasil,
preocupada em me deixar para trás, mas eu tinha meus planos e sonhos.
Conseguiu como era professora do MIT, seR
admitida na universidade Federal do Rio de Janeiro para dar cursos de
matemática pura, além de pós-graduação, que todo mundo ia fazer fora do Brasil.
Eu acabei os dois cursos, cum laude, me
chamaram para entrar na Nasa, esse era meu sonho, ser o primeiro piloto que
fosse engenheiro.
Concordaram, fui para as entrevistas todas,
aquilo era outro mundo, fui viver em Cape Canaveral, na Florida, pelo menos
tinha praia, eu estava mais branco que muitos americanos.
Era uma vida difícil, no começo, vivia
dentro da base, que era uma vida horrível.
Uma das vantagens, era que agora eu pegava
um avião em Miami, ia visitar meus avôs duas vezes por ano, passava um dia com
meus irmão pequenos, minha mãe estava no seu segundo casamento, agora com um
diretor da Caixa, com o primeiro não tinha tido nenhum filho.
Os meninos ficavam loucos, queriam saber
tudo sobre o que eu fazia.
Minha mãe, perguntava por que não tinha
namoradas.
Mãe, aquilo é um gueto, todos vivem ali,
respiram, cagam ali, se casam entre si, as conversas não podem ser mais chatas.
Eu ao contrário, sempre que posso, escapo
para a praia, faço treinamentos, para ver se me aceitam para ir numa nave
espacial, mas duvido que consiga.
Numa dessas vezes, me encontrei com ela no
centro, fomos comer na Confeitaria Colombo, demos de cara com meu pai.
Ele perguntou quem eu era, ela ficou muda,
eu tinha aprendido com meu avô a falar as coisas como era, lhe respondi que era
filho de um belo filho da puta que vivia de mamar no governo.
Quando ele se deu conta, ah o astronauta.
Não respondi.
Nos sentamos, vi que nos olhava sempre,
meus cabelos agora eram escuros, de certa maneira era parecido com ele.
Veio me perguntar, se ele podia levar
alguns deputados, para conhecer a base.
Lá não entram civis, a não ser para visitar
o museu, nada mais, filhos da puta, são barrados.
Paguei a conta, fomos embora.
Ele não muda, agora é puxa saco de um
idiota sem estudos que é deputado, ele maneja tudo, dinheiro por fora, queria
saber aonde foi parar o comunismo dele.
Não falei nada, mas minha tia ficou
sabendo, contou que ele tinha ido à universidade, pois ela tinha reprovado o
filho de um deputado, mal estudante.
Queria que ela passasse de ano o mesmo, que
lhe fizesse outra prova, me ajudas muito, pois se o deputado vai para Brasília,
vou junto.
O tiro saiu pela culatra, o rapaz, pediu
para fazer a prova outra vez, achou que ela ia dar a mesma, lhe deu outra, a
mesma ele tinha já os resultados, mas para a nova não, tirou um belo zero.
Ela disse que ele foi até lá fez o maior
escândalo com ela, fiz como nosso pai faria, chamei um segurança, mandei levar
esse senhor que fazia escândalos, que não sabia quem era.
Quando ele soube que tinha me casado com o
Deocleciano, a coisa piorou, não sei como conseguiu o número de telefone lá de
casa, falou duas merdas, bati o telefone na cara dele.
Nunca foi visitar os velhos, só vamos nós
três, eu, meu marido e tua mãe, além de ti, quando vens.
Eu adorava, era como recuperar parte da
minha infância, o velho tinha me ensinado a jogar buraco, eu ganhava sempre,
mas com os velhos tinha que perder.
Deocleciano reclamava do mesmo, é mais
difícil perder do que ganhar.
Eles vieram passar umas férias comigo,
andei por tudo com eles, muitos ali tinham sido alunos dela.
O Deocleciano tinha um sonho, ir a Las
Vegas jogar.
Eu era malandro velho, tinha ido duas vezes
a Atlantic City, tinha tirado um bom dinheiro, que estava no banco rendendo
juros.
Mas lá aproveitei, queria comprar uma casa
fora da base, perto da praia, já não aguentava mais viver lá.
Limpei dois cassinos, Deocleciano se matava
de rir, minha tia dizia que era matemática pura o que eu estava fazendo, era
uma verdade.
Mal chegamos de volta, pedi que ficasse
mais uns dias, para me ajudar a procurar uma casa.
Foi o máximo, os três gostamos da mesma,
era como uma cabana, no final de uma praia, toda de madeira, com uma lareira
que pouco acendia, com uma varanda fantástica, de frente para o mar, o sonho de
minha vida.
Riram muito, teu avô vai rir muito quando
eu contar, que na residência perdes, mas arrasas nos cassino.
Nesse ano não fui, pois estava montando
minha casa, uma das primeiras coisas que comprei foi uma prancha de surf.
Acabei meu treinamento militar que fazia
paralelo, me deram como coronel da aeronáutica, foi o prêmio, mas descobri que
nunca poderia ir ao espaço, teria um problema de coração que com os anos iria
piorar.
O duro era que a cada namorada que eu
conhecia, davam no pé, não queriam um militar, nem um homem da Nasa como
marido.
Eu já estava com os cabelos ficando
brancos, quando minha avó morreu, consegui uma licença fui para lá, cheguei na
hora do enterro, tinha viajado a noite inteira.
O velho se agarrou a mim, me dizendo como
vou viver agora sem minha companheira, mas não queria ir para a casa da filha,
lhe disse que viesse comigo, mostrei as fotos da minha casa, adorou, tu sim
foste em frente, sem esse vagabundo do teu pai, que prega uma coisa, faz outra.
Mas fico aqui mesmo, não vou durar muito,
nisso durou mais de cinco anos.
Quando voltei da outra vez, trouxe comigo um
namorado, ele abraçou o Douglas, que era da aeronáutica, como eu.
Perguntou quem era melhor piloto. Ele me sinalizou, é dos bons, agora prática
parapente, surfa sobre as ondas, esse menino promete.
Sempre me chamaria de menino, vivemos
quatro anos juntos, até que ele foi para a guerra do Iraque, mas não voltou.
Eu segui em frente, agora era o mais velho
dali. Sai da Nasa, fui dar aulas na
Universidade, de Miami, assim ocupava meu tempo, tinha um apartamento dentro da
universidade os dias que estava lá.
Depois fui convidado para montar um curso
de matemática pura na universidade de Tampa, fazia a mesma coisa, os dias que
dava aulas vivia lá, depois ia para casa.
Agora com a morte do velho, vinha mais uma
vez ao Brasil, ele foi enterrado ao lado da sua amada como disse o Deocleciano
no enterro.
Estava hospedado na casa de minha tia, os
meninos, eram bons estudantes, eu ia esperar pelas férias, os ia levar comigo,
junto com minha mãe, para conhecerem minha casa.
Nos matamos de rir, quando meu pai um dia
chamou minha tia, para saber se havia leitura de testamento.
Testamento de que disse ela, se ele vendeu
o apartamento, com isso pagava a residência, todo que tinha, deixou para
eles. Podes ficar tranquilo, para tua
consciência de comunista, não te toca nada do velho General, ainda soltou bem
alto, vá te fuder.
Jesus, se virou para nós, como me cansa
esse filho da puta, nossa mãe era uma santa, não sei a quem ele puxou.
Os meninos que estavam lá, queriam saber se
ele era o avô deles, ri muito, disse que disso eles tinham se livrado.
Os levei comigo, fui mostrar a universidade
que trabalhava, mas por pouco tempo já tinha montado o curso, queria pensar na
vida.
Minha mãe me perguntou por que eu não
voltava para o Brasil, com meu pagamento de aposentado poderia viver muito bem.
Os dois rapazes deram força, adoraram
quando eu consegui um passe especial, o diretor da Nasa agora era um amigo meu.
Visitamos tudo que se podia visitar, o
museu, mostrei peças que eu mesmo tinha desenhado, calculado o rendimento.
Depois fomos a NYC, um dia minha mãe disse,
que pena eu não fui a Las Vegas com vocês, acabamos indo, limpei 3 cassinos.
Metade do dinheiro dei para ela, afinal os
dois faziam universidade, um deles era aluno de minha tia, ela dizia que era
bom.
Voltei para casa depois de os deixar no
aeroporto, foi uma sensação horrível, me sentir completamente sozinho.
Coloquei minha casa a venda, preparei todos
os papeis, eu tinha uma aposentadoria da Nasa, outra complementar da
Universidade de Miami e de Tampa, daria para viver bem, além de minhas
economias aplicadas no banco.
Quando contei a minha mãe por telefone, só
escutei os dois gritando.
Comprei uma casa em Sepetiba, num lugar
maravilhoso, os meninos foram que descobriram para mim.
Era uma casa grande, minha tia já estava
farta, passava a maior parte do tempo com o Deocleciano lá.
O mais interessante, foi um dia que meu pai
apareceu, veio com uma conversa mole, que eu devia ir para Brasília, quem sabe
me candidatar a deputado.
Estava velho, mais acabado que seu próprio
pai, lhe disse na cara o que ele queria.
Claro, queria dinheiro, tinha outra
família, falou em teus irmãos.
Impossível isso, nunca fui teu filho, como
posso ter irmãos, eu tenho dois filhos da única mãe que conheço, vá cantar em
outra freguesia.
Aí soube que a polícia federal estava atrás
dele, por muita maracutaia que tinha participado, era testa de ferro de vários
deputados sem vergonhas.
Ri muito, como dizia minha tia, comunista
de merda, brigou com nosso pai, porque era militar, talvez se ele tivesse
aceitado ser presidente, esse ia deitar e rolar, roubando em algum projeto.
Sei que um dia apareceu uma mulher lá em
casa, com dois garotos, ele estava preso, precisava dinheiro para advogado.
Lhe disse claramente que não sabia de quem
estava falando, mas a segurei lá, Deocleciano conhecia a polícia dali, vieram,
era um golpe do velho.
Mas os meninos eram filhos dele, ficaram
comigo. Fiz um teste de ADN, escondido
para saber.
Os coloquei no colégio ali perto, pedi a
guarda dos mesmo, dizendo que o pai deles os usava para maracutaia.
A mãe dos garotos os tinha abandonado com
ele, cansada dos problemas que ele dava.
O juiz me deu a guarda, mas consegui uma
ordem que ele não podia se aproximar.
Ia ser filho da puta com ele, como tinha
sido comigo.
O mais interessante, era que os meninos
viviam com essa fulana, que era amante dele, ele mal aparecia segundo ela, me
dava algum dinheiro para dar de comer aos dois.
Sem querer virei um paizão.
Minha mãe morreu primeiro, um ano depois
minha tia, o Deocleciano, aposentado veio viver conosco, levamos uma vida
interessante, meus irmãos aparecem sempre, os meninos vão crescendo, gostam de
estudar, são os melhores do colégio.
Deocleciano diz que teremos que nos mudar,
pois logo irão precisar ir para um colégio maior.
Um dos meus irmãos, quando o outro se
casou, veio morar conosco, trabalha numa escola na Barra da Tijuca, os meninos
vão com ele, voltam de tarde.
Vamos levando a vida.
Comentarios
Publicar un comentario