LÁ VEM MANGUEIRA

 

                                   LÁ VEM MANGUEIRA

 

Esse era o grito de guerra, quem o fazia era tia Doro, todos a chamavam assim, pois tinha o mesmo nome de minha avó Dorothea, assim não havia confusões.

Esse grito era para anunciar a chegada de meu avô, Dindo da Mangueira, passistas da escola, fazia qualquer coisa pela a escola.

Ai ela, cantava, Lá vem mangueira, se sacudam.

Nos riamos, ele nunca percebeu que da janela da sala, dava para ver quando chegava, gingando como se estivesse na Sapucaí.   Uma ginga de malandro que ninguém hoje em dia fazia.

Minha história começa com meu pai, Janus da Silva, para os americanos Janus Smith, jogador de basquete, famoso por lá.

Um dia ali na escola do bairro, passou um treinador americano, que estava de férias por lá o viu sozinho no pátio da escola, encestando desde o outro lado da quadra, depois se movia para as laterais fazia o mesmo, ficava horas fazendo isso, não tinha amigos, era tímido demais, odiava o samba, tudo que se referisse a Mangueira.

Seu pai reclamava é claro, como um filho seu não gostar de samba, agora a história era comigo, ele que tinha esperado um neto que gostasse de samba, eu ao contrário gostava de música clássica.

Acabou que meu pai, foi com esse treinador para os Estados Unidos, na época tinha 17 anos, minha avó, que era responsável por ele, nunca tinha se casado com meu avô, lhe orientou muito, para os 15 minutos de fama, veja teu pai, porque triunfa na avenida, acha que o ano inteiro é a mesma coisa.   Guarde dinheiro para o futuro, a carreira de um atleta é curta.

As duas Doro, davam aulas na escola que ele estudava, estava ali no pátio, porque não conseguia decidir que curso fazer na universidade, ele gostava mesmo era de jogar basquete.

Mas nunca tinha sorte com os clubes.

O homem assinou um termo de responsabilidade, no consulado americano, foram os três lá, com um advogado que minha avó muito esperta arrumou.   Meu pai tinha que vir todos os anos nas suas férias.

Durante dois anos depois quando já estava nos melhores equipes, não veio, quando apareceu veio comigo, minha avó, já sabia que eu existia, tinha sido fruto de um relacionamento passageiro dele com uma fã.

Ele era um mulato claro de 1,95 metros de altura, magro, com os cabelos crespos, ou seja um mulato sarará.   Ela ao contrário como ele contava, era branca, se apaixonou foi pelo o que ele tinha no meio das pernas.

Ele teve que esperar esses dois anos, para poder me trazer, lá eu era registrado com Janus Smith, no Brasil, como Janus da Silva, o sobrenome de minha avó.

Quando me viu, ficou como louca, era branco, com olhos azuis, cabelos negros, um belo contraste, meu avô quando me viu, ficou decepcionado, esperava um mulato, ou um negrinho que gostasse de samba.

A primeira vez que me arrastou para um ensaio, com o barulho da bateria, abri um berreiro de fazer gosto, ele ainda disse aos amigos, com esses gritos será puxador na Sapucaí.

Ledo engano, odiava o carnaval, não gostava de samba, quando descobriu, ficou decepcionado, mais um doente do pé, soltou.

Mas vinha todas as semanas me ver.

Nunca conseguiu que minha avó fosse morar com ele na Mangueira.

Meu pai, numa de suas vindas, foi falar com o proprietário do apartamento que vivíamos, comprou o mesmo em meu nome, usufruto de minha avó.

Ele vinha todos os anos me ver, as vezes até duas vezes quando podia.

Eu adorava, pois chegava me levantava no ar, girava comigo, dizia rindo agora vou te encestar.

Levei tempo para entender isso, me arrastou para ver um jogo, mas não me interessei.

Um dia andado com ele no centro da cidade, ninguém o conhecia, era um belo gringo como pensava a gente, pois o tempo todo falava comigo em inglês, sonhava com o dia que poderia me levar.

Parei na frente de uma loja, um homem estava afinando um piano, sem que ele visse, entrei, fiquei parado ao lado desse senhor, lhe pedi que me ensinasse, para sua surpresa em seguida, sabia dedilhar as notas.

Ele aconselhou meu pai, a me matricular no conservatório nacional, aonde trabalhava, lhe deu um cartão.

Meu pai comprou um desses pianos portáteis quando viu que eu levava a sério, depois comprou um desse tipo armário, que tinha lá em casa.

Dai o grito da Doro, era para eu parar de tocar, pois meu avô ficava reclamando o tempo todo que assim a família não ia a lugar nenhum, ali ninguém gostava de samba.

Fui em frente no conservatório, quem me levava ou era minha avô ou a Doro, ficavam me esperando para voltar para casa.

Um dia o professor disse que não tinha mais nada para me ensinar, que eu agora devia estudar com uma professora que tinha sido uma famosa.   Foi como reaprender tudo.

O que estranhavam, na escola minhas notas eram as mais altas, adorava estudar, principalmente ciências.

Quando me perguntava, o que eu pensava em estudar, soltava logo Medicina.

Elas achavam graça, pois eu estudava pouco, estava a maior parte do tempo em cima do piano.

Um dia o velho perguntou se eu conseguia tocar algum samba no piano.   Toquei uma samba que tinha escutado no rádio da cozinha.

A professora queria me inscrever num concurso, disse a minha avó, que eu ganharia com certeza.

Realmente ganhei, aí queria que eu fosse para o concurso internacional, ela me perguntou, eu disse que não, pois terei que parar de estudar, ir pelo mundo dando o mesmo concerto, quem tinha me contado isso foi o velho professor.

Gostava de tocar, tinha ouvido musical, mas não queria no momento essa vida, queria ser médico.

Falava com meu pai todas as semanas, contei para ele.

Não pareces muito contente com a ideia, espere, ele tinha feito uma operação, disse que ia se recuperar lá.

Trouxe com ele um fisioterapeuta, nos sentamos e conversamos muito, lhe disse de meu sonho fazer medicina.

Queres vir estudar em NYC, ele agora jogaria num time de lá.

Disse que sim, sentia falta de estar com ele.

Um dia entrei no seu quarto, o vi beijando o fisioterapeuta, sai de fininho, não disse nada, afinal era sua vida, eu não era tonto.

Ele conversou muito com minha avó e tia Doro, disse que ia arrumar um apartamento por lá, queria que as duas viessem comigo, afinal o trouxe porque fico fora muito tempo, não poderei cuidar dele.

A resposta das duas foram cheias de dúvidas, mas quando pensaram que iriam me perder, acabaram aceitando, tiraram uma licença sem vencimentos da escola.

Quem não gostou foi meu avô, apesar de tudo eu era seu menino, parecia saber que não teria nenhum outro neto, andava chateado, pois agora com a idade, o chamavam só para treinar mestre sala e porta bandeira, ele que tinha sido um mestre sala famoso, se sentia relegado a segundo plano, o que lhe salvava era funcionário de correios, ninguém sabia porque insistia em morar na Mangueira.

Tivemos que esperar acabar o curso, fomos ao consulado, eu tinha o meu passaporte de quando tinha vindo, agora tirava outro mais atual, as duas também conseguiram um visto de residência, já que meu pai, vivia e trabalhava lá, tinha o green card.

Mas ninguém sabia que era estrangeiro, passava o tempo todo por americano, só nunca pode jogar na seleção americana.

Mas era considerado um dos melhores de sua geração.

Dentro de anos, acabaria sua carreira, mas estava estudando para ser professor de educação física, técnico de basquete, isso por causa da sua mãe, tinha lhe enfiado isso goela abaixo como ele dizia.

O velho foi ao aeroporto, meu pai lhe perguntou se queria vir, sorriu triste, lá não tem samba.

Com 15 anos, comecei a me preparar para dentro de dois ir à universidade, mas não queria deixar de tocar piano.   Fui estudar na melhor escola de música de NYC, a Juilliard School, foi interessante, tinha que fazer uma prova para entrar.

Toquei duas músicas, todos que faziam provas, tocavam Mozart, Beethoven ou qualquer outro, eu fui escolher o mais difícil que sabia, Prokofiev, depois toquei uma musica de Villa Lobos, só um dos professores parecia conhecer.

Fui aprovado, dois professores me aceitaram, pois eu já tinha técnica, mas me inscrevi em um cursos de composição.

Tinha que me dividir e estudar, para a universidade, bem como ir a Juilliard, mas era fácil, pois vivíamos no Upper West-Side, meu pai, primeiro alugou de um conhecido esse apartamento, era o último andar, o mesmo dava para o Riverside Park, anos depois esse seu amigo estava em apuros, não tinha mais dinheiro, a fama tinha acabado, ele gastou tudo em festas, drogas, carros do ano, meu pai comprou dele, por um bom preço.

O bom que era um último andar, o difícil foi subir um piano de cauda que comprou de presente de aniversário.

Minha avó, fazia uma coisa, cuidava das finanças dele, as duas aprenderam a fazer isso, com uma vizinha, olhava o jornal no café da manhã, depois analisava, em que tinham o dinheiro aplicado.

Quando chegou uma crise que se falava muito, as duas como conheciam as famosas crises no Brasil, mas se começou mencionar uma possível complicação, no mercado, venderam tudo, enfiaram o dinheiro no banco.

Na Juilliard, se espantavam pois eu me negava a participar de concursos, era o preferido desses professores, pois podia tocar qualquer coisa que a maioria das vezes aprendia de ouvido.

Entrei para a universidade, meu tempo ficou escasso, pois tinha que estudar, não era tão fácil como tinha pensado, mas era cabeça dura.

Foi quando sem querer um grupo me convidou para ir escutar um pianista de jazz, foi uma paixão à primeira vista.

Fiquei como louco, com a mesada que me dava minha avó, que sempre sobrava, fui com uma companheira que estudava justamente isso, comprar o que gostava.

Meu pai ria, dizendo que eram minha raízes americanas, quando lhe perguntei de minha mãe, ele nem tinha ideia aonde tinha ido parar, tinha descoberto que seu nome era falso, justo quando eu nasci.

As vezes dormia fora de casa, só dizia que tinha ido fazer fisioterapia, quando falava eu dava uma risada.

Um dia meu professor principal, me arrastou com ele, me disse que a orquestra do Metropolitan ia tocar uma peça de Villa Lobos, se eu podia ajudar, pois o pianista só chegava na véspera.

Comecei a ensaiar com a orquestra.    No primeiro dia me aplaudiram, era o concerto nº5 piano e orquestra de Heitor Villa Lobos, o diretor me perguntou se eu tinha algum outra, toquei sem partitura nenhuma o Trenzinho Caipira, a orquestra inteira me aplaudiu.

Só então fiquei sabendo que era um engano, queriam a mim, o professor tinha mostrado uma gravação que tinha feito, ao diretor, assim eu cobria um pianista que tinha que fazer uma operação.

Coloquei minha avó, no mapa, se mataram de rir, pensando que iam negociar com uma brasileira, deram de cara com duas mulheres duras de roer.

Meu pai que tinha que jogar do outro lado do pais, veio correndo para me ver tocar, gravou tudo para mandar para meu avô.

Esse foi a uma loja, comprou todas as partituras para piano de compositores brasileiros, ensine a esses gringos, que os brasileiros fazem boa música.

No dia seguinte, os jornais falavam de mim, um estudante de medicina, metade americano com brasileiro.

Sem querer, a coisa ficou feia, eu como cabeça dura, não queria abandonar medicina, mas claro minhas primeiras praticas foram em urgências.

Meu primeiro paciente, não tinha a mínima possibilidade de sobreviver, mas me afetou muito, os professores diziam, que isso ia acontecer sempre.

Isso me criou uma dúvida atroz, encontrava o consolo tocando piano, agora jazz, que parecia suavizar o que me tocava.

Mesmo assim tentei compaginar as duas coisas até o final, tinha um diploma de médico como queria.

Mas os concertos, iam um atrás do outro, eu só não aceitava fora do pais, não queria ficar viajando de um lado para o outro.   Minha avó e tia Doro, viraram minhas agentes.

Meu avô, agora chamava todas as semanas, lhe pedi se podia me mandar partituras de Pixinguinha, ele ficou eufórico.

Meu pai lhe mandou um bilhete de avião, ele veio, eu ia tocar numa sala pequena, Jazz, pela primeira vez.

Ele se matou de rir, pois dizia que finalmente ele entendia o que eu tocava.

Um dia ele estava na sala, sentado olhando para o Rio Hudson, comecei a tocar e cantar o Sábia, ele ficou como louco, chorando, eu sabia que lá no fundo tinhas um pouco da alma brasileira.

No próximo concerto que dei, tocando Prokofiev, ele estava na plateia, tinha ido ao ensaios, mas disse que não entendia essa música.

Tinha que tocar alguma música como um bis, falei no microfone, essa é para meu avô, falei em inglês, depois em português, comecei a tocar o Sábia, cantando ao mesmo tempo.

O publico veio abaixo, pois não esperava.

No dia seguinte um crítico, falava, que além de tocar como os anjos, eu também cantava.

A partir daí, comecei a fazer aulas de canto.

Não parei mais, ninguém sabe como, ele foi ficando, tinha uma área de serviço no apartamento, ele se acomodou num dos quartos para empregados, disse que não precisava de muito, falava um inglês macarrônico, meu pai teve que conseguir uma autorização de residência para ele.

Agora dizia que finalmente vivia em família.

Mudou, nunca mais falou em carnaval, samba, mangueira.  Segundo ele quase morreu na plateia, eu sabia que iam encaixar seu aniversário justamente num dia que tocava com a Orquestra do Metropolitan, uma peça de Gabriel Fauré, que era um compositor que ia descobrindo aos poucos, Balada para Piano e orquestra, op.19, era uma música lenta, depois toquei sozinho a famosa Pavane, que eu mesmo tinha transposto para o piano, o público aplaudia de pé.

Expliquei que era aniversário do meu avô, vou tocar uma música que trabalhei em segredo, comecei a tocar Exaltação a Mangueira, cantando ao mesmo tempo, minha avó e Doro, se matavam de rir, pois era o sinal que ele estava chegando.

Ele colocou a mão no coração.

Sem querer virou uma música que todos pediam.   Um crítico de música, me chamou de menino impossível.  O nome ficou.

Queriam que eu fosse a Paris, tocar, meu pai tinha que jogar em Vancouver, estava chateado, queria ir, por algum problema, mudaram a data.

Fomos todos, ele bancou a viagem.

Descobri na orquestra dois rapazes que faziam precursão, que eram brasileiros, expliquei o que queriam.   O maestro muito sério me perguntou o que eu iria tocar como bis.

Me pediu o trenzinho caipira.  Ensaiei com a orquestra.

Era a segunda parte do concerto, o publico aplaudiu tanto, eu disse que tinha preparado duas músicas, que representavam tudo no mundo.   Comecei tocando com os percursionistas Exaltação a Mangueira, primeiro sinalizei meu avô, depois no meio emendei com a Marselhesa, no mesmo ritmo, voltava ao final a Exaltação, alguns críticos acharam um absurdo, mas a maioria gostou, pois a plateia aplaudia em pé.

No dia seguinte tocava Prokofiev, me tinha falado que não tinham vendido todas, mas quando entrei, a sala estava lotada, quando acabamos, escutei um grito, agora uma brasileira.

Comecei a tocar Joana Francesa, disse de quem era a música, quem cantava originalmente num filme, fui cantando junto, tinha aprendido a falar a parte em francês, com um da orquestra, fazia o sotaque como ela, depois toquei uma que tinha visto meu avô escutando, pedi que colocasse alto, ficamos os dois cantando a mesma, era uma música que ele gostava muito, tinha ensaiado com ele, pedi que subisse ao palco, meu avô o apresentei.

Comecei a tocar Saigon, disse o nome dos compositores, nesse dia ele estava com um terno de linho branco que adorava. Teve pedaços que o deixe cantar sozinho.

Foi um show, as duas depois diziam, o sem vergonha devia ter sido cantor, nada de passista, ele fez uns passos no palco.

No dia seguinte, os jornais diziam que era de família, que o senhor cantava muito bem.

O melhor foi que o crítico de NYC, estava lá, soltou num artigo bem feito, o menino impossível, apronta outra vez, a coisa é de família.

Quando voltamos choveram convites, clubes de jazz, fui tocar no Blue Note, chamei meus amigos a escola, montamos um pequeno grupo, tudo com música brasileira, mas sempre o chamava para cantar comigo Saigon.

Agora tinha convites de todos os lados, minha avó, era a manager, dizia rindo que eu tinha acabado aonde não esperava.

Mas claro era um belo desconhecido no Brasil, só saiu uma noticia da apresentação de Paris, num dos jornais.

Ele as vezes se incorporava no grupo, tocando pandeiro, nunca soube de aonde ele tirou, quando o chamava, ele estava com seu eterno terno de linho branco, com uma camiseta listrada embaixo.

Pediu a alguém que mandou todo o repertorio de Gonzaguinha.

Um dia o velho não despertou, estávamos acostumados, que ele se levantasse cantando alguma música com que tinha sonhado, um dia cantou Sangrando do Gonzaguinha, adorei.

Busquei a letra, a incluir no meu novo show, agora tínhamos um brasileiro fazendo precursão que ele encontrou na rua.

Ele tinha pedido que morresse, que fosse cremado, odiava o frio do inverno de NYC, mas que antes de jogar no mar, levasse a um pai de santo da Mangueira.

Nesse dia pedi, para um do grupo, tocar o piano para mim, me coloquei no meio do palco, cantei primeiro Exaltação a Mangueira, depois, cantei Sangrando.

Comentei que tinha aprendido a apreciar o meu avô, depois que ele tinha vindo para ficar conosco, viramos uma família musical.

Quando tínhamos a cinzas, tivemos que esperar meu pai, pois ele fazia sua despedida das canchas.

Disse uma coisa que fiquei de boca aberta, agora vou viver minha vida, como sonhei.

Na hora não entendi.

Tiramos férias, no avião, encontramos um jornalista que me pediu uma entrevista, lhe disse que tinha que ser ali mesmo, pois depois eu não sabia.

Ele tinha visto meu show, sabia que eu também tocava música clássica, tinha visto o de Paris.

Me perguntou se eu ia tocar no Brasil.

Disse que não, que levava as cinzas de meu avô para o Brasil, como ele queria.  O justo seria como ele sonhava, que as cinzas fossem distribuídas na Passarela do Samba, que ele tinha sido mestre sala, passista da mangueira.

No dia seguinte depois de descansar, num hotel, o apartamento estava alugado, minha avó, não parava de reclamar, tínhamos saído de NYC, embaixo de neve, chegar em pleno verão no Rio, era demais para ela.

As duas iam mexer papeis para se aposentar.

Meu pai, foi quem viu a reportagem no jornal, um homem do hotel, lhe mostrou, uma foto minha, com a família atrás.

Falava de um músico brasileiro que triunfava nos Estados Unidos, na Europa, mas era um belo desconhecido no Brasil.

Alguém vazou a notícia, todos queriam entrevistas.

Subimos a Mangueira para ir ao Pai de Santo que ele disse, ri muito pois nunca tinha ido a um terreiro, fomos super bem recebido.

O justo disse ele, seria espalhar suas cinzas na avenida.

Mas fizemos o que ele pediu.

Todos queriam saber o que íamos fazer em seguida, eu estava de férias. Queria ver todos os shows possíveis, o jornalista não desgrudava, depois ia nos apresentar ao musico, ou no intervalo, mais de um me convidava para subir.

Nos arrastou a meu pai e a mim, para todas as rodas de samba no centro da cidade, eu me matava de rir, porque o sem vergonha falava quem eu era, mostrava seu artigo.

Aprendi novas músicas, que gravamos.

Meu pai, estava super relaxado, como ele dizia, se acabaram aqueles treinamentos todos.

Estava sim era preocupado, se as duas Doroteia, voltavam com a gente.

Quando perguntou, as duas responderam ao mesmo tempo, o que vamos ficar fazendo aqui?

Mal voltamos, me chamara para ir tocar Fauré em Berlin, lá fomos nós, eles agora eram parte da minha vida.

Meu pai só reclamava uma coisa, estás como eu, nunca podia ter ninguém em minha vida, por não parar nunca, nem sei se alguma vez amei alguma vez na vida.

Eu soltei, mas bem que ias visitar sempre teu, fisioterapeuta.

Ficou me olhando sério, foi o mais perto que cheguei do amor, mas ele morreu.

Agora fazia confidencias comigo, ainda era um tipo imenso, os dois juntos as pessoas diziam que era covardia, pelo tamanho dos dois.

Me falava sempre, arrume um tempo para ti em tua vida, goste de alguém.

Mas lhe contei, como podia isso, só se fosse com alguém do grupo, mas eu nunca gostei de misturar as coisas, uma vez tinha tentado, não tinha dado certo.

Ele aprendeu com minha avó, a negociar, agora era meu agente, tinha pensado e se preparado para ser professor de educação física, mas pensou muito a respeito, seria continuar com uma coisa que não queria mais.

Um dia o vi conversando com um maestro, um alemão, que estava trabalhando em NYC, ri muito, não sei como se entendiam.  Nessa noite não voltou para casa.

Ri muito quando chegou no dia seguinte, vinha relaxado, durou um bom tempo esse relacionamento, mas um dia o outro foi embora.

Nem sei como, um dia encontramos meu antigo professor de piano, os dois ficaram se medindo, finalmente ele assumia um relacionamento, minha avó soltou na cara dele, que finalmente abria a porta do seu armário.

Eu ao contrário, tinha aventuras, quando me interessava, mas nada com futuro.

As famosas uma noite.

Fiz uma grande viagem, tocando em Paris, Berlin, Londres, Tokio, Melbourne, no final estava cansado, pois gostava de chegar antes, para ensaiar com a orquestra, sentia falta do meu grupo, mas cada um tinha tomado seu caminho.

Quando voltamos as duas que tinham a mesma idade, estavam preocupadas, tinha se sentido sozinhas lá.

Como não tinha vendido o apartamento do Rio, pensavam em voltar.

Mas lá vocês vão estar sozinhas.

Confesso que pela primeira vez, não sabia o que fazer da minha vida.

De repente só me aparecia para tocar música clássica, queriam sempre a mesma coisa, isso me enjoava, não gostavam muito, quando dizia que nem pensar, se tivessem alguma coisa nova tudo bem.

Sem querer, pela primeira vez, como tinha tempo, ajudado pelo namorado do meu pai, comecei a compor minha primeira música, misturava sons do Brasil, com coisas que estavam na minha cabeça, sem saber se iam dar certo ou não.

As duas como sempre pareceram combinar, morreram com a diferença de uma semana, uma da outra, a primeira foi tia Doro, minhas avó foi em seguida.

Agora só ficávamos para trás, os dois.

Meu pai, estava triste, tinha se acostumado a viver com elas, o que lhe salvou foi seu namorado que passou a viver lá em casa.

Me faltava alguma coisa, que eu não sabia precisar o que era.

Era como se tivesse me enrolado, tinha estudado o que pensava, medicina, mas a música pisou mais forte, então era complicado.

Meu pai, me disse que quando se tinha retirado, tinha lhe passado isso, ficar sem saber o que fazer de sua vida.   Mas agora na verdade eu tinha 38 anos, me sentia perdido.

Tinha dinheiro, pois elas tinha administrado muito bem tudo que ganhava, bem como ele, mas estávamos os dois sem direção.

A composição andava, embora tivesse dias de mal humor.

Só me curava, quando sentava no piano, ia tocando tudo que me aparecia na cabeça, uma salada de frutas como eu dizia, podia ficar horas tocando sem parar.

Um vizinho veio reclamar, tinha se aposentado, antes não incomodava pois estava fora de casa, mas agora o dia inteiro, foi lá em casa reclamar, abri a porta, fiquei olhando aquele homem grande como eu, com um cabelo que parecia uma medusa, imenso, todo cacheado, cheio de cabelos brancos, segundo ele fiquei com a boca aberta.

O convidei para entrar, pedi desculpas, mas estava num momento difícil, meio perdido, por isso toco sem parar.

Quando vi, estava na cama com ele.

Tinha um sentido de humor maravilhoso, o apresentei ao meu pai, que o conhecia de elevador, eu ao contrário nunca o tinha visto.

Ele fazia uma gozação, não sabia se ficava com o pai ou com o filho.

Saiamos os quatro, me convidou primeiro, tinha comprado uma casa na praia, se gostaria de ir com ele, foi um final de semana maravilhoso, em nenhum momento pensei em música.

Precisava disso, me distanciar, para encontrar o caminho.

Sem querer me lembrei que o pai de santo tinha me falado nisso, que chegaria uma hora que eu iria me sentir perdido, que parasse para pensar.

Lhe contei que odiava isso de se tocava uma música bem, todas as orquestras me chamavam para tocar a mesma música, que isso era uma merda.

Consegui, compor de novo um grupo, misturava músicas brasileiras, com americanas, francesas.

As francesas foi uma coisa interessante, pois comecei com Joana Francesa, ele me mostrou os cds, que tinha de Jacques Brel, adorei, cantava algumas músicas dele.

Queria isso, saber que no final do dia voltava para casa, ia dormir com ele.

Me contou que tinha tido o mesmo problema, durante anos, nunca pude ter um relacionamento pois vivia de um lado para o outro trabalhando.

Fomos os quatro de férias a San Francisco, me descobriram numa casa de show, comecei a tocar o que me dava na cabeça.

As vezes o namorado do meu pai, subia, tocava ele, eu cantava.

Acabamos em Las Vegas.  Me convidaram para tocar numa casa noturna, fomos dar uma olhada, acabamos lá.

Alugamos uma casa fora da cidade, com piscina, o tempo era bom sempre.

Na verdade nunca mais voltei ao Brasil, pois quando meu pai morreu já com bastante idade, se ria dizendo que devia ter um fisioterapeuta, pois tinha sérios problemas de artrose nos joelhos, pelo esforço de anos saltando, correndo.

Seu namorado, cuidou dele até o final, só pediu que suas cinzas fossem ficar no deserto, num lugar que iam os dois.

Ele voltou para NYC, aonde tinha um apartamento.

Ficamos nos dois, um dia analisando o que tinha, lhe disse que me aposentava como ele, fomos morar numa praia, eu nunca tinha aprendido a fazer surf, mal sabia nadar, mas adorava.

Quando tinha vontade me sentava no piano, tocava e cantava.

Vamos levando a vida.

 

 

 

 

 

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