OTTO BAUCH
Quando meu irmão Norton me chamou, saia da
consulta de um médico, estava arrasado, teria que entrar na faca basicamente
imediatamente.
Mas não disse nada, me falou que Otto nosso
pai estava nas últimas, pediu que eu fosse para Berlin, consiga alguém para te
substituir nessa Opera que estás fazendo.
Como dizer-lhe que eu estava fora, na
última apresentação no Metropolitan, estava cantando, de repente comecei a
colocar sangue para fora, foi um deus nos acuda.
O resultado foi que no dia seguinte não
tinha voz, fui para um especialista, me disse que um calo na corda vocal, tinha
virado um câncer, que havia que tirar imediatamente, antes que se estendesse
pela faringe. Mas me avisou, eu podia
perder meu instrumento de trabalho.
Não iria falar isso com o Norton por
celular, lhe disse, que iria passar no hotel, recolher minhas coisas, a
temporada já estava perdida, avisei meu agente, que teria que estar fora um
tempo, que ele conseguisse alguém para me substituir imediatamente.
Com ele sim falei, pois tinha pedido para o
médico mandar para ele, um atestado que não podia cantar, assim ele tinha meios
para cancelar minha participação em tudo, claro no momento que os jornalistas
soubessem voariam em cima de mim como urubus na carniça.
Fui ao hotel, fechei a conta, na verdade
mandavam a mesma para meu agente, fui para o aeroporto vi o primeiro voo, só
tinha um lugar na primeira classe, não me importei.
Fui para a zona de embarque, no noticiarios
já se falava de mim.
Esperava não ser reconhecido na hora do
embarque, para não me encherem o saco.
Mal sentei, com os óculos escuros, tinha
avisado o Norton que chegaria de madrugada, o número do voo.
Fui me lembrando de como acabamos filhos do
Otto, ele era dono de uma agência de Scooters, a mais refinada de Berlin.
A minha mãe ele descobriu na rua, ficou
abismado daquela garota, linda, com uma barriga imensa, ali pedindo dinheiro, a
levou para sua casa, que era em frente, a fez tomar um banho, lhe deu um roupão
que nela ficava imenso, pois ele tinha 1,95 metros de altura, ao mesmo tempo
que preparou um sanduiche para ela, bem como um copo de leite.
Quando ela lhe contou que vinha do
interior, de uma família bem, mas a tinha colocado para fora, de casa, ao
descobrirem que estava gravida de um dos homens que trabalhavam no campo.
Quando foi procurar o mesmo, esse tinha
desaparecido, o jeito foi ela ir para Berlin com o pouco dinheiro que tinha, no
começo me prostitui, nunca fui preparada para fazer nada, sei fazer as contas,
pois quem as levava em casa era eu, lá só ia em frente nos estudos os homens,
as mulheres, era para se casar, com algum rico.
Em seguida, ele arrumou um lugar para ela
ficar, um dos muitos apartamento que tinha, para justamente isso, as mulheres
que vinham do nada, para trabalhar para ele.
Eram treinadas, para saberem se comportar
numa mesa, tinham que ler os jornais todos os dias, que ele mandava para elas,
viviam todas num edifício de studios, o mesmo era dele, tinha construindo em
cima das ruinas da casa familiar, que tinha sido bombardeada durante a guerra.
Ele tinha feito de tudo, só tinha sobrado
da família, ele, bem como sua mãe, uma mulher fina.
Foi ela quem começou o negócio, arrumava
garotas desesperadas, sem dinheiro para comer.
Seu negocio eram militares, com poder
aquisitivo, com rango, elas podiam acompanhar os mesmos em algum lugar, até
mesmo se prostituiam com eles.
Ele fazia o contato, era um garoto bem
vestido, com roupas que tinham sido de seus irmãos mais velhos que morreram na
guerra. Seu pai, tinha tido um alto
cargo no governo de Hitler, bem como era de família rica, mas perderam tudo.
Ele aprendeu com sua mãe a treinar as
mulheres, desde como usar um talher numa mesa fina, saber diferenciar um bom
vinho, saber até cruzar as pernas, se vestir direito, os cabelos tinham que
estar impecáveis, bem como a maquilagem.
Ele aprendeu tudo isso, quando ela morreu,
eles já tinham recuperado seu dinheiro, ela com a história de ler jornais, ela
mesma, saia com esses homens, escutava o que falavam, investia no seguro, construiu
no terreno que era da família, um edifício de apartamento, um era o que eles
viviam, a cobertura, os outros era alugados, depois no que sobrava do terreno a
volta da esquina, construiu esse menor que usava para as mulheres que não
tinham casa, no 1º andar elas tinham treinamento.
Mesmo com o advento da internet, eles
seguiam em frente.
Eu fui o menino dessa garota gravida que
ele tinha encontrado, ele me deu seu sobrenome, não quero que digam que ele é
um bastardo, então constava na minha certidão de nascimento, o de minha mãe,
que era na verdade meio inventado, e o dele.
Norton nasceu um ano depois, fruto de uma
relação de uma das mulheres, uma mulher lindíssima, mistura de turcos com
alemães, que começou a trabalhar para ele cedo, foi fruto de um descuido dela.
Foi a mesma coisa, ele deu seu sobrenome
para o Norton, mas com os dois aconteceu a mesma coisa, como muitas mulheres
que trabalhavam para ele, minha mãe se casou com um Finlandês riquíssimo, mas
que não queria crianças, já tinha criado dois filhos, com sua primeira mulher, como
levava o nome dele, conseguiu minha guarda, dois anos depois foi com o Norton,
sua mãe se casou com um americano, que disse que queria filhos próprios, nada
de filhos de quem não sabia quem era o pai.
Passamos os dois a morar com ele, foi um
pai maravilhoso, dizia que sempre tinha querido ser.
Nos colocava na cama, ficávamos de noite
quando ele saia, para contatos, ou para saber como iam suas empregadas, tinha
nisso dois ajudantes, um deles era especial, um negro que ele conheceu nas
ruas, também desesperado, procurando um emprego.
Tom, tinha a mesma altura dele, com a
diferença da cor, seu trabalho era levar as mulheres, depois ir busca-las, se
ficavam para dormir, teriam que ir de taxi o dia seguinte para casa.
O outro que fazia isso, era um tipo mal
humorado, com o tempo só ficou o Tom.
Com ele aprendi a cantar, pois estava
sempre cantando, quando descobriu que eu tinha uma voz bonita, me ensinou a
colocar a mesma, esse tinha sido seu sonho, depois ele convenceu meu pai Otto,
que eu devia ir a uma escola de música.
Otto, adorava o Tom, eram amantes, mas sem
escândalos nenhum, de manhã, nos sentávamos para tomar o café os quatro, depois
Tom nos levava a escola.
Quando nos chamaram a primeira vez de
filhos da puta, ou de bastardos, Tom avisou o Otto que se sentou conosco,
contou a verdade.
Mas na verdade garotos, mais filhos da puta
são eles, pois escutam isso de suas mães, olhem bem como são, feias, gordas, mal
cuidadas, inclusive infelizes.
Era uma verdade, a partir desse momento,
Tom nos ensinou a nos defender, tinha sido boxeador na sua Lousiana natal.
Eu fui aprendendo a cantar, em casa se
passou a escutar música clássica, Operas Alemãs, que acabou ser meu repertorio,
especial, cantava, Mozart, Verdi e outros, mas minha especialidade era Wagner,
além de outros alemães.
Norton ao contrário foi ser advogado, montou
um pequeno escritório, era meu advogado, bem como de todos os artistas que
precisavam alguém para negociar contratos.
Eu fui pelo mundo, ele não, os dois
adorávamos o Otto, melhor pai impossível, quando erámos garotos, íamos de
férias para uma praia na ilha de Sylt, primeiro ele alugava uma casa, dessas
perdidas no meio do nada, mas com uma praia imensa, aonde dizia que parecíamos
os dois cabras soltas. Tom ia junto,
ele levava o carro, nos cuidava, ia fazer compras, Otto, adorava era ficar
sentado numa varanda, fazer caminhadas os dois juntos, conversando, sempre
comentamos como podiam ter tanto assunto.
Crescemos assim, vendo os dois sempre
juntos, sabíamos que dormiam na mesma cama, o que nos parecia normal.
Naquela época não havia o casamento gay
como agora, Tom morreu a dez anos atrás, justo quando Otto, fechou seu negócio,
disse que já não tinha paciência, que as jovens de agora, queriam fazer tudo
por internet, se achavam acima de tudo, mas eram grosseiras.
O enterro do Tom, foi impressionante, pois
a quantidade de mulheres que ele tinha protegido, a maioria tinha se casado com
alguém importante, seguiam suas vidas em frente.
Otto ficou emocionado, durante um tempo
esteve com a moral baixa, pois os dois viviam a tantos anos juntos, que tinha
perdido a conta, reclamava só que as vezes as pessoas podiam pensar que estava
louco, pois de repente se virara para consultar ou fazer algum comentário com o
Tom.
Eu sem querer descobri o sexo, tarde, quem
era mais sem vergonha era o Norton, foi ele quem me ensinou, como dormíamos no
mesmo quarto, ele se atirava na minha cama.
Mas sempre respeitamos depois adultos a
individualidade de cada um, ele inclusive chegou a se casar, mas claro não deu
certo, nessa época eu já estava pelo mundo.
Minha estreia foi na Opera de Berlin, quase
em seguida, me convidaram para Paris, começou minha andada, as primeiras operas
eram Wagnerianas.
Segundo a crítica, eu tinha uma voz
poderosa, bem como uma presença cênica espetacular, pois claro, tinha 1,90 de
altura, um corpo, que nunca descuidei, Tom nos obrigava a fazer exercícios, não
só os da escola, mas correr com ele, pelos jardins do bairro, bem como ir ao
ginásio com ele, manteve seu corpo impressionante até os 80 anos quando morreu.
Otto tinha agora 98 anos, dizia que não
tinha esperado viver tanto, mas era completamente lucido, falava com ele, desde
cada lugar que estava, para contar como tinha sido a apresentação, depois lhe
mandava o jornal com a crítica.
Meu relacionamento com o Norton, ficou mais
sério depois do seu divórcio, voltamos a dormir juntos, eu sempre gostei dele,
erámos diferentes um do outro, eu loiro, olhos azuis, cabelos imensos loiros,
agora com fios brancos, ele ao contrário, moreno, cabelos crespos, olhos
negros.
Nunca nos cansamos de fazer sexo um com o
outro, ele me perguntava das oportunidades que eu tinha nas viagens, o tempo da
temporada que passava fora.
Era honesto com ele, essa gente se
aproxima, porque sou famoso, olho bem na cara deles, me da vontade de soltar,
tenho um homem maravilhoso me esperando, para que uma aventura, para me
distrair do vim fazer, nem pensar.
Alguns me tomariam por tonto, mas eu tinha
minha rotina de trabalho, não gostava que alguém, se metesse no meio. Para muitos eu podia parecer uma dessas
estrelas histéricas, mas para os maestros, eu era um profissional super sério,
respeitador dos horários.
Estava era cansado, talvez pela idade, de
despertar, procurar pelo Norton, ver a cama vazia ao meu lado, de ter que
pensar, “aonde estou”.
Talvez isso que estava acontecendo fosse
bom.
Acabei dormindo, pesado, duas vezes a
aeromoça, me despertou, pois claro estava de boca para cima, roncando.
Sai do avião, basicamente foi fácil pegar
minha bagagem, Norton estava me esperando, nos abraçamos, ficamos como sempre,
um apoiado no ombro do outro.
Foi me contando no carro, tive que levar
Otto para casa, ele diz que quer morrer lá, nada de hospital, faz tempo que tínhamos
modificado seu quarto, tinha uma dessas camas de hospital, bem como tudo que
ele precisava, inclusive para poder respirar melhor durante a noite.
O médico está com ele agora, diz que não
tem solução, a idade, mas esse maldito enfisema pulmonar que tem, piorou agora
no inverno.
O deixei como sempre falar tudo que queria,
pois ele tinha uma coisa, quando me via, fazia isso sempre, falava sem parar,
até que de um momento para outro parava no meio de um frase, soltava, vamos me
conta como está indo a temporada.
Desta vez me perguntou se não tinha
problema, por ter que ser substituído.
Disse que em casa falaríamos, não ia contar
nada no carro, pois sabia que ele era capaz de parar para me escutar.
Primeiro vamos ver o Otto, que sorriu como
sempre quando me viu, perguntou com a voz apagada, como ia a temporada
americana, esse ano tinha já cantado em San Francisco, Boston, Los Angeles, Vancouver,
o duro era que tinha que atravessar o pais, de um lado para o outro.
Quando ele se cansou, começou a dormir,
fomos para a biblioteca, que funcionava ao mesmo tempo como escritório.
Foi quando contei o que tinha
acontecido. Imagina, estou num solo, de
repente, sinto algo saindo pela minha boca, estava sangrando sem parar, ao
mesmo tempo não podia parar de cantar, em seguida fiquei sem voz, na minha
cabeça estava cantando, mas eu mesmo não escutava som nenhum, a orquestra
parou, a plateia estava toda de boca aberta.
Trouxe os exames, não sei se me operar lá,
ou aqui.
Claro que aqui, tenho que cuidar de ti,
isso sempre tínhamos feito a vida inteira, um cuidar do outro.
Foi um largo processo, primeiro morreu o
Otto que nos deixou uma carta agradecendo termos sido seus filhos perfeitos,
sem querer sorrimos, pois de perfeitos nada.
Nos deixou aos dois uma bela fortuna, a
anos, Norton administrava tudo, mesmo meu dinheiro era administrado por ele.
Fiz a operação, sabendo que poderia perder
totalmente minha voz, nas primeiras semanas foi horrível, nem podia falar, tudo
me doía, minha alimentação, era liquida, só uma coisa eu gostava, a enfermeira
tinha me perguntado que sorvete gostava, lhe respondi que de baunilha, nunca
comi tanto sorvete, acabei deixando de gostar do sabor.
Nos dias que estive no hospital, Norton,
estava sempre ao lado da minha cama, me dizia muito sério, fique bem logo, quero
estar abraçado a ti, na nossa cama.
Logo fui para casa, o processo seguinte era
complicado, não podia tomar Radio, tinha que ser uma quimioterapia diferente,
mas aguentei.
Depois fazia imensos passeios pelos parques
da cidade, sempre com um cachecol, havia que abrigar o pescoço, como fazia
antes de cantar, pelo menos agora, podia comer, com isso tinha emagrecido os
quilos que sempre tinha a mais.
O mais interessante, nesse momento não
suportava escutar música.
Nos tinha tocado de herança, uma casa na
praia em Sylt, foi interessante, pois, eu só tinha ido uma vez, quando estava
em obras.
Era um velho farol, que faltava a parte de
cima, mas Otto tinha mandado fazer ali uma varanda fechada, na parte de baixo,
ampliou como uma casa, de frente para a praia, era tudo de vidro duplo que nos
dava um panorama imenso, era um salão, com uma cozinha americana, além de um
banheiro, pelo outro lado usando a parte de baixo do farol, como corredor,
estavam dois quartos, todos os dois com banheiro.
Um faltava mobiliar, mas isso faríamos com
o tempo, quem mais tinha usado essa casa, tinham sido os dois Otto e Tom, então
o gosto da pouca decoração era deles.
De frente para o panorama, duas poltronas
de couro, imensas para caberem os dois, uma mesa entre as duas, numa posição
mais atrás, a mesma tinha incorporado um abajur. Depois as duas tinha como
banquetas para colocar os pés.
Tinha a muitos anos com um contrato, uma
senhora que vinha de bicicleta limpar a casa, abrir, Norton avisou que íamos,
deu uma lista de coisas que eu podia comer, assim ficava mais fácil ao chegar
não ter que ir a cidade.
Como tudo lá, as casas, a não ser na vila,
eram separadas por largas distancias.
Levamos abrigo, pois mesmo no verão fazia
frio pela manhã e de noite, só se salvava o meio do dia se tinha sol.
Essa primeira vez, não fomos nem um dia a
vila, queria estar só, que ninguém me perguntasse o que me passava, além é
claro, me avisaram, lá tem um pequeno jornal, a proprietária é a maior
fofoqueira da região.
Imaginei a mesma divulgando, cantor de
Opera retirado por um câncer, passas seus dias vagando pelas praias de Sylt.
Em Berlin, aproveitamos fizemos um
testamento, como tudo era dos dois, quem morresse primeiro ficava com tudo.
Eu não queria fazer, mas Norton, insistiu,
me contou uma coisa que eu não sabia, sua mãe tinha aparecido, tinha dois
filhos desse seu casamento, era viúva, pela conversa que teve com o Otto, a
coisa não foi boa, ela queria dinheiro, estava presa aos filhos pelo testamento
do marido.
Ao parecer os dois, apesar de serem mais
jovens, administravam com mãos de ferro, a propriedade do pai.
Otto se negou redondamente, ela o ameaçou
de pedir a minha guarda, ele se matou de rir, pois escutei as famosas
gargalhadas dele, depois me contou, ela tinha passado por mim, sem me
reconhecer, o ameaçava como se eu fosse uma criança, ai ele me chamou, tua mãe
quer tua guarda, ela ficou me olhando em todo meu tamanho.
Eu só disse que agora era tarde, inclusive
se a encontrasse na rua, não a teria reconhecido, foi embora fazendo uma coisa
que Otto sempre odiou, batendo os saltos dos sapatos no belo chão de madeira,
por isso acho melhor prevenir.
Assim fizemos, eu fui passar o resto do
verão em Sylt, o pessoal da Opera sabia que eu estava em Berlin, volta e meia
aparecia alguém.
Fiz todos os exames, como tinha sido ao princípio,
estava tudo bem, comecei a fazer aulas com meu velho professor, agora tinha um
problema, era como um exercício para colocar a voz, não podia fazer mais os
solos imensos de um primeiro papel, teria que ficar com um papel qualquer que
não me exigisse muito.
Mas fez uma coisa, foi franco comigo, como
sempre tinha sido, creio que é melhor te preparares para ser professor, sei que
não necessitas de dinheiro, mais como ocupação, a maioria desses jovens, não
estão preparados para estar em cena, preciso alguém que conheça todo o
funcionamento de uma opera para treina-los.
Comecei trabalhando com ele, dois jovens
promessas. Se espantaram de ser eu um
dos professores que os ia ajudar.
Um deles, já parecia uma estrela, só
faltava usar uma capa, coroa e cetro.
Mal sabia ele como era o mundo da Opera.
Ainda comentei com meu agora colega Hans, esse a primeira que leve,
ficara furioso, não conhece os maestros que não suportam estrelas.
O outro não, bebia tudo que o ensinava, foi
claro o primeiro a ter uma oportunidade, fui trabalhar com ele, no palco, o
dirigia, como devia se posicionar, como contracenar com a soprano, uma velha
conhecida minha, que tinha se dedicado toda sua vida a isso, cantar, reconhecia
que já não tinha idade para fazer o papel de donzela, mas no palco, enganava,
além de uma voz educadíssima.
Consegui que concordasse, que eu os
orientasse juntos, assim puderam brilhar na estreia.
O diretor queria me contratar para a
próxima opera, preciso de alguém com tu, que me ajude a colocar em cena todo
esse pessoal, era uma obra de Wagner, O Navio Fantasma, um trabalho complicado,
eu já o tinha feito mil vezes.
O aluno complicado, deu um trabalho
infernal, não era o papel principal, mas ele se sentia assim, causou problemas
para todo mundo, realmente tinha uma boa voz, mas acredito que ele se perderia
logo, principalmente que descobri que tinha um romance com seu agente, um bom
sem vergonha, esse o enchia de elogios, dizendo, verás quando atues nos Estados
Unidos, se colocaram aos seus pés.
Sei que depois foi fazer uma no
Metropolitan, o diretor, trocou de cantor, pois ele já dava trabalho, se
comportava como uma prima dona, além de ser muito afetado em cena.
Voltou para Berlin com o rabo entre as
pernas, me procurou, mas eu estava metido de cabeça numa montagem de Aída de
Verdi.
Agora funcionava como mestre de cena, além
de ajudar alguns cantores, principalmente algum que descobria no meio do coro,
que podia ser alguém.
Norton dizia sempre que realmente esse
trabalho me enfeitiçava, era uma verdade, no palco eu me sentia sendo eu mesmo.
Algumas vezes aceitava algum papel pequeno,
sabendo que não podia me exceder.
Fora da temporada, agora passava longas
temporadas na praia, adorava, mesmo no inverno, quando gostava de ficar sentado
nesse salão, com a lareira acessa, olhando a neve cair, sobre a praia.
Era como se um manto branco vestisse toda a
vegetação que conseguia sobreviver ali, agora quando estava, eu ia até a
cidade, fazer compras, as vezes encontrava velhos fans.
Um dia encontrei uma professora da cidade,
me perguntou se eu podia escutar um rapaz de uns 14 anos cantando.
Marquei o dia, não me custava nada.
Realmente tinha boa voz, ri muito com ele,
me disse que adorava era o Rock Roll, fiquei rindo, ele achava os papeis das
operas complicados, claro era jovem.
O convidei com seus pais, para irem
assistir a próxima que eu trabalhava com o pessoal, o levei para o palco com os
outros, fazendo exercícios, como se preparava um personagem, nessa tínhamos um
problema, a soprano, estava fazendo um espetáculo no Fenice de Veneza, chegaria
basicamente um dia antes.
Lhe expliquei que isso era uma má
programação de agenda, quando isso acontece, sempre sai alguma coisa errada,
pois já conhece o papel, mas está acostumada da faze-lo a sua maneira, aqui é
Berlin, quem manda é o diretor de cena, no caso eu, bem como o diretor geral da
orquestra.
Eu tinha tido a ideia de que o coro se
movesse em cena, nada de ficarem como dois de paus, odiava isso nas operas que
fazia, estava justamente ensaiando com eles essa movimentação quando ela
chegou, acompanhada de seu agente, que ela chamava como as americanas de
manager, disse que não queria de jeito nenhum essa movimentação pois ia se
perder.
A estávamos ensaiando com a soprano que era
sua substituta, uma jovem promessa.
O coro não gostou, era uma oportunidade
única, ela soltou na cara do pessoal, como só faria duas noites, que eles
fizessem nos outros dois dias que fazia a substituta.
Com ela no palco, o cenário e coro imóveis,
parecia uma coisa morna, eu convidei os críticos de arte, para virem no dia
seguinte, verão uma montagem diferente.
Foi excelente, inclusive, eu tinha ensaiado
com o coro, um lado mulheres outra homens, que no momento que cantava, pareciam
estar fazendo um desafio, como era na verdade a letra da música.
Ela ficou uma fera, estava num palco
assistindo, fazia cara de pouco caso, mas quando no final o publico ficou em pé
aplaudindo mais do que a ela, não gostou, as críticas foram igual, mesmo os que
gostavam da voz dela, diziam que se estava apagando.
Se recusou a fazer o resto dos dias, o que
foi bom.
Agora era respeitado como mestre de cena,
me chamavam sempre, era uma outra maneira de trabalhar.
Comecei a ser chamado também por outros
teatros, que já conhecia, mas fazia um adendo no contrato, inventado pelo
Norton, tinha que ser à minha maneira, nada dos cantores principais chegarem em
cima da hora, tinha que estar uma semana antes, como eu sempre tinha feito.
As vezes tinha ensaiado as cenas com
substitutos, pois os principais, chegavam na última hora para brilharem em seus
solos.
Alguns diretores não gostaram a princípio,
depois me entenderam, conheciam meu lado profissional.
Agora dava aulas para esse rapaz, consegui
um studio aonde ficavam as meninas do Otto, pois o edifício agora era nosso,
80% dos inquilinos, estudantes da universidade.
Ele tinha aulas todos os dias comigo, um
dia lhe comentei, que eu quando era jovem, a conselho do professor tinha feito
aulas de dança assim aprendi a me mover no palco.
Consegui uma professora ali mesmo que
ensaiava os do ballet.
Ele tinha uma voz de tenor, mas podia
cantar papeis de baixo, que nem sempre era fácil, mas se saia bem, discutíamos
o personagem.
Aos 18 anos, estava fazendo universidade,
ao mesmo tempo cantava, lhe avisei, nada de bebidas, drogas, não pense que isso
fara que teus companheiros sejam teus amigos.
Um dia a policia bateu lá em casa, estava
bêbado, falei com o policial, que o deixasse numa cela sozinho, mas que
dormisse lá.
No dia seguinte quando cheguei estava
nervoso, despertar numa cela de prisão, não fiz sermão nenhum, apenas lhe
avisei, que se continuasse assim, eu deixava de prepara-lo.
Se fez de ofendido, mas por sorte, dias
depois na televisão passava uma opera que eu tinha feito em NYC, me telefonou,
tinha ficado impressionado com meu trabalho.
Passou a se comportar bem, as vezes vinha
comer lá em casa, no final de semana quando não ia ver sua família, vi que
olhava o Norton com adoração, pois a verdade seja dita, ele sabia cativar as
pessoas.
Um dia que eu não estava, se declarou para
o Norton, esse lhe colocou os pés no chão, eu posso ser teu pai, nem pensar,
depois amo a pessoa que faz parte da minha vida, desde a infância.
Mas vocês são irmãos, falou escandalizado.
Só de nome, fomos adotados pela mesma
pessoa, nem era nosso pai tampouco, somos filhos de mulheres distintas.
Me chamaram para fazer uma montagem de uma
opera de Verdi, no contrato dizia que eu podia fazer como queria.
A tal cantora, quando soube que eu iria ser
o mestre de cena, disse ao diretor, que ou era ela, ou eu, não sabia que tinha
me contratado por isso, fazer uma coisa diferente do que se fazia normalmente
nessa opera.
Claro a modernizei, como se fosse hoje em
dia, o vestiário, era todo atual, os atores, adoraram, pois os trajes de época
eram pesados, inventei mil e um artifícios.
A mesma se deu mal, pois a cantora era a
mesma que tinha sido sua substituta, em Berlin, aproveitou para brilhar. O
Público caia rendido, com seu trabalho.
Quando voltei, arrumei um pequeno papel
para o meu aluno, mas não entendia porque estava rebelde, quem me alertou foi o
Norton, me contou o que tinha acontecido quando eu estava fora, pois agora
quando o convidava para comer lá em casa, inventava uma desculpa esfarrapada.
Foi outro que apesar de ter tudo para
vencer, um dia me avisou, que iria tentar participar de um concurso desses de
televisão, cantando uma música de Rock, como era seu sonho.
Anos depois morreu nas drogas, a família
veio falar comigo, quando mudou seu carreira, lhes disse que ele era maior de
idade já na época, que eu não podia interferir, tinha futuro na opera, mas
vejam bem ele gosta disso Rock, ser famoso, sair em revistas, um cantor de
opera nunca ganha como ele, me deu lastima, tinha um belo futuro pela frente.
Quando conversei com o velho professor, ele
disse que a profissão tinha isso, desilusão com alguns que nos parece
prometedor.
Fui passar uma boa temporada na praia,
tinha acabado de fazer os últimos exames, para ver se não tinha nada de me
preocupar.
Graças a Deus, como nunca forçava a voz,
basicamente cantava era baixinho para mim mesmo, não tinha problemas.
Norton estava cansado desta vez, fomos ao
médico ali mesmo no hospital, tivemos que voltar a Berlin, pois estava além de
um stress imenso, com problemas de coração, era uma operação delicada. Ele quase morreu na mesa de operações, mas
conseguiram contornar o problema, mas dois dias depois entrou em coma, alguma
coisa não funcionava.
Enquanto pensavam em como resolver, se
faziam uma nova operação, pois algo não funcionava direito, estava com ele todo
o tempo, um dia fui até em casa buscar roupas, pois as que eu tinha ali,
estavam cheirando mal. Quando voltei tinha falecido.
Foi uma porrada, estávamos juntos desde
garotos, ele era não só meu irmão, mas também meu companheiro perfeito.
Foi enterrado como queria ao lado de nosso
pai, do Tom, seu advogado me entregou uma série de coisas, inclusive uma carta.
Nessa ele dizia que sabia do problema, se
eu a estava lendo, sinal que tinha morrido, que só avisasse sua mãe, se achasse
necessário.
Depois da leitura de testamento, não havia
nada que fazer na verdade, era o que tínhamos feito juntos, avisei sua mãe, essa
não perguntou nada a respeito, como tinha sido, se tinha sofrido, o que tinha
passado, só queria saber se lhe tocava alguma coisa de sua herança. Lhe expliquei como sendo herdeiros do Otto a
pedido dele, tínhamos feito dessa maneira o testamento, que tudo de um passava
para o outro.
Uma semana depois bateu lá em casa com um
advogado americano, nem os deixei entrar, estava de saída para o teatro, os
levei para falar com o advogado dele, que era seu sócio no escritório, Norton
tinha deixado para ele tudo lá.
Foi honesto, se ela queria entrar na
justiça tudo bem, mas o testamento entre os dois estava bem amarrado.
Dois dias depois, estava saindo de casa,
tinham dois rapazes me esperando foram, eram super parecidos com ele, me
disseram que sabiam o que a mãe deles estava fazendo, que tinha feito a mesma
coisa, quando no testamento do pai deles, só lhe tocava uma mesada, nada mais.
Lhes levei para falar com o advogado,
quando chamara o outro, bem como a mãe do Norton, esta aprontou um escândalo.
Ainda pensei, puta, sempre puta, estava
super maquilada.
O juiz, desestimou o caso, quando leu o
testamento.
Eu fui de viagem, quando a policia me
chamou, tinha entrado no nosso apartamento, mas a conseguiram pegar na saída,
não sabia que tinha um sistema de vigilância, principalmente quando estávamos
fora.
Mas não voltei, ela ficou de molho na
cadeia, acabei o meu trabalho, voltei, os filhos a levaram embora.
Ai fiquei pensando, nunca tinha sabido de
minha mãe, sabia aonde vivia, seu nome novo, mas nada de sua vida.
Resolvi na surdina, pedi ao advogado para
indagar, ela já tinha morrido a anos, mas tinha deixado dois filhos, eram
gêmeos, o pai tinha morrido, os dois viviam com um tio, que tinha herdado tudo
do irmão, coisas de família.
Fui lá conhecer os garotos, me matei de
rir, tinham 15 anos, eram filhos dela, já com uma certa idade, nunca tinha se
recuperado do parto, seus irmãos mais velhos eram sócios do tio nos negócios de
família.
Perguntei se queriam ir comigo, claro eu
era um belo desconhecido para eles, embora tivéssemos conversado muito, os dois
tinham sido malcriados pelo pai, velho, mais para avô, que lhes fazia todas as
vontades.
Vi que não gostavam de estudar, gostavam
sim de boa vida. Só um deles comentou que queria fazer universidade, embora não
soubesse o que.
Eu sempre me espantava ao lidar com os
jovens, a banalidade que encaravam a vida, esses pareciam ter tudo fácil.
Os dois irmãos mais velhos tinham família,
eles na verdade nunca seriam herdeiros de nada, tinham sim uma quantidade de
dinheiro que recebiam por mês, bem como um fideicomisso se resolvessem fazer
universidade.
Fui embora mais tranquilo, começava o
verão, queria escapar de Berlin, fui para a casa da praia, tinha que pensar na
vida, levava comigo um relatório com uma analisar de nossa situação financeira,
no fundo era muito dinheiro, com o tipo de vida que levava, pensei, nunca
gastarei tudo isso.
Tinha que pensar como usar o mesmo, resolvi
fazer uma bolsa de estudos, para jovens cantores, com futuro, assim poderiam se
dedicar completamente a serem músicos como eu dizia.
Depois andei vendendo propriedades que o
Otto tinha deixado, resolvi fazer o mesmo para jovens músicos, que almejavam
alguma coisa na vida.
A cada três anos, analisava o que tinham
aproveitado, dava mais bolsas.
Vendi o apartamento que vivíamos, era
imenso, ali tudo me lembrava do Otto, Tom, Norton, um dia me peguei sentado no
salão, como que conversando mentalmente com eles.
Me dei conta da minha idade, queria
aproveitar, nunca tinha vivido nada além da música, mal conhecia as cidades
aonde tinha atuado, mas gostava mesmo era de estar na casa da praia, resolvi
fui viver lá.
Um dia esbarrei com o rapaz que tinha
ajudado, agora vivia outra vez com seus pais, sua carreira tinha ido a merda
por causa das drogas.
Volta e meia aparecia lá em casa, pedindo
dinheiro, fui falar com o chefe de polícia, pois ele chegava a me ameaçar.
Fiquei amigo do mesmo, saímos para comer, éramos
até parecido, um dia conversando, descobri que sua mãe tinha trabalhado para o
Otto também, tinha sido ele que tinha conseguido essa casa para ele.
Quando o rapaz tentou me matar,
completamente drogado, foi preso, pois o fez na frente do chefe de Polícia, nem
se tocou que eu não estava sozinho, ficou gritando que eu tinha abusado
sexualmente dele.
Contei para o policial, que ele tinha se
insinuado para o Norton, mas claro já na época, tinha idade para ser seu pai.
Voltei para Berlin, não soube mais dele,
ainda pensei, agora lá vão estar todos pensando isso.
Mas no verão fui outra vez, agora
definitivamente, só teria que voltar a Berlin dentro de algum tempo para
exames, o que eu gostei era que a amizade que tinha com o chefe de polícia,
seguiu intacta.
Um belo dia se declarou para mim, tínhamos
a mesma idade, os dois de cabelos brancos, lhe disse que adorava o ter como
amigo, amar era outra coisa, seguimos em frente com nossa amizade, as vezes me
indica alguém que eu posso ajudar, mas vem sempre jantar comigo, depois ficamos
escutando músicas, as vezes dorme no outro quarto, mas nunca quis tentar nada,
sei que ainda acordo de madrugada procurando o Norton, isso não quero mudar.
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