QUIMERA
Na mitologia grega, a Quimera é um monstro
híbrido geralmente considerado filha de Tifão e Equidna, embora para o poeta
Hesíodo a mãe da Quimera seja designada por um pronome que pode se referir
tanto a Equidna quanto à Hidra de Lerna.
Durante anos ele seria considerado assim
uma quimera, um personagem que passou, mas que ninguém viu, ou pelo menos
fingia que não existia.
Quando chegou numa pequena vila, no cafundó
do Judas, ou aonde o Judas perdeu a bota, no interior de Pernambuco, se escutou
o ruido de um carro, uma das habitantes ainda pensou, carro novo, não faz muito
ruido.
No dia seguinte na casa de Dona Nenê, ou
Doro, cujo real nome era Dorothea de Albuquerque Mendonça, que a anos atrás,
ninguém ali fazia conta, chegou a essa vila, era a herdeira do Coronel
Albuquerque Mendonça, vinda da capital, sempre tinha vivido lá.
Todos pensaram que ia vender as terras,
vinha num velho Ford, que seguia funcionando, se tinha que tomar cuidado, se
iam a cidade mais próxima, trazer galões de gasolina, pois podia parar no meio
do caminho.
Dona Nenê, tomou frente a plantação de Cana
de Açucar, do pai, fundou com os vizinhos uma associação, para venderem todos
juntos com bom preço.
No começo era a única que tinha maquinário,
para arar a terras, depois mandava um homem aos vizinhos para fazerem o mesmo,
nada de arado puxado por burros ou bois.
Se levantava de manhã, arrumava-se toda, fazia
um coque que sempre tinha usado, que lhe dava uma cara severa, nada mais longe
da realidade, depois quando ia sair, colocava umas botas altas, até o joelho,
para andar no meio do canavial, sempre havia perigo de serpentes.
Um lenço na cabeça, como tinha visto numa
revista francesa, como usava Grace Kelly, ia para os campos, montada em seu
cavalo preferido.
Ali ia falando com todos, uma vez por mês,
ia até a cidade mais próxima, para fazer compras, as mulheres lhe davam uma
lista do que precisavam, levava com ela, as que necessitavam ir ao médico, ou
uma criança.
Essas ficavam como loucas para andar no seu
velho carro.
No dia seguinte do movimento noturno, ela
apareceu com um garoto nos braços, para espanto de todos, muito branco, olhos
verdes, que nenhum dali tinha, cabelos cacheados loiros, passou pelo braço de
todas as mulheres.
Ela não disse nem um pio a respeito de quem
era, só disse seu nome, se chama Gilberto, nada mais.
A curiosidade era muita, isso iria gerar
muitas controvérsias, mas com ela isso não funcionava.
Para muitos ela mesma era uma, uns diziam
que era a filha bastarda do Coronel, que nunca tinha se casado ou tinha filhos,
ia sim, de tempos em tempos a capital, Recife, dizia que ia visitar a família,
nada mais, era outro que nunca falava dele mesmo, nem com seu fiel escudeiro, o
administrador.
Os dois tinham morrido num acidente de
carro, voltando de Recife, se falou muito a respeito, mas nunca se descobriu
nada, todos estavam era preocupados com a possibilidade das terras ficarem
paradas, perderem seus empregos, então só restaria subir num pau de arara, rumo
a São Paulo.
Mas nada, dias depois chegou Dona Nenê, no
seu Ford, com os cabelos como sempre usava, seu lenço na cabeça, óculos
escuros, um vestido todo florido, as mulheres ficaram como loucas, algumas mais
atrevidas chegaram a passar a mão pelo tecido.
A partir de então, ninguém mais subiu num
pau de arara.
Ela quando viu tanta criança, perguntou
como faziam para estudar, a maioria dali, mal sabia escrever seu nome, no dia
do pagamento, a maioria fazia um X, nada mais.
Uma das primeiras providencias, foi essa,
havia um anexo a casa grande, que ela transformou em escola, bem como
residência de uma professora, passaram muitas por ali, mas todas queriam se
casar, criar família, duravam pouco por isso.
Na última vez, procurou, uma que fosse
solteirona, ou viúva, assim duravam mais, acabou encontrando uma que voltava de
São Paulo, tinha emigrado com o marido, ficado viúva, voltou para a cidade de
aonde tinha saído.
Essa trabalhava o dia inteiro, dava aulas
para os menores logo pela manhã, depois de tarde as mulheres que já tinham
terminado seu trabalho no campo, de noite a alguns homens que se interessavam.
Ainda tinha tempo entre uma e outra,
controlar o livro da administração da fazenda, o anterior administrador, não
sabia escrever, quem fazia era o Coronel, muito mal por acaso.
Uma vez por mês dona Nenê, trazia um médico
da cidade, ele usava a sala de visitas que ela nunca usava para nada, ali ele
atendia a todos, sempre era num domingo, dia que ninguém trabalhava.
Aos poucos recuperou a velha capela, mas
nunca aparecia nenhum padre por lá. Os
problemas todos que resolvia era ela, confidente das mulheres e homens, se
tinham algum problema, ela ajudava a todos, tinha uma horta, cheia de ervas,
que o pessoal, preferia, que os medicamentos receitados pelo doutor.
Esse achava estranho, pois esses clientes
diziam que tinham ficado bons com as ervas dela.
Os outros problemas, diziam as más línguas
que ela era mãe de Santo, que olhava muito a pessoa, falava dos problemas que a
mesma não verbalizava nem para si mesma.
Quando o Gil como ela chamaria sempre,
passou pela mão de todos, ela perguntou qual das mulheres tinha sobra de roupas
de criança, no tamanho dele.
Ali era uma coisa que ela tinha inventado,
as roupas iam passando de casa em casa, de garoto em garoto.
Na época da colheita, se os mais velhos
trabalhavam, também recebiam uma gratificação, nunca gostou que os meninos
trabalhassem grátis.
Logo o Gil tinha um enxoval, não podia usar
ali, as roupas com as que tinha chegado, diziam as senhoras, que eram roupas de
garoto rico.
Apesar de todo o fuxico que isso gerou, ela
nunca comentou nada a respeito, quem era, de aonde tinha vindo, porque, etc.
O menino corria pela casa como um louco,
parecia pela primeira vez, ter liberdade para fazer isso, no dia seguinte,
passou a ter o hábito de andar a cavalo com ela, ia na frente, ria como um
louco, quando foi ficando maior, um dia apareceu um homem com burros, que
criava, ele se encaprichou justamente ao parecer por um que ninguém queria, tinha
uma cara triste, era branco e negro, pois o menino se pendurou no pescoço do
mesmo.
Esse depois seria como seu cachorro, o
homem foi honesto com dona Nenê, é um burro velho, não serve para ninguém, nem
os do açougue o querem, dizem que a carne é dura demais.
Pois o garoto não largava dele, o jeito foi
ele fazer um preço mais barato, afinal, ela tinha comprado uns quantos para
seus homens andarem pelo meio do canavial.
Ele nunca usou nenhum arreio no mesmo,
subia a pelo, segurava, era a crina do mesmo, ia ao lado de Dona Nenê, pelo
campo.
A nova professora, se surpreendeu com ele,
pois ali, estavam todos os alunos de várias idades ao mesmo tempo, ele já sabia
escrever com cinco anos, adorava os livros sagrados, como dizia dona Nenê, a
quem ele chamava de tia, os livros velhos da biblioteca, que o velho coronel,
trazia de Recife, as novidades do mês, como ele dizia, mas a maioria estavam
ali a séculos.
A princípio ela se surpreendeu, ele pegava
o que ela estava lendo no momento, não fazia como algumas crianças, de cabeça
para baixo, olhava aquelas letras todas, ficava fascinado.
Uma coisa ele era diferente dos outros
garotos, não gostava de jogar bola, nem tampouco dos tipos de brincadeiras,
aprendeu a subir em árvores, por conta das laranjas, das frutas, mas não fazia
como os outros, ele primeiro abraçava a árvore, ela percebeu que ele dizia
alguma coisa a mesma, mas nunca perguntou, entendeu.
A preferida dele, era uma velha Mangueira,
que nem dava mais frutos, mas bastou o Gil subir na mesma, que ela passou
novamente da dar frutos.
Essa era sua preferida, os outros garotos,
diziam que ele subia, ficava lá em cima, falando com alguém.
As mães achavam que era invenção dos
garotos, mas a única que entendeu mais foi a professora, primeiro pensou que
ele falava com um personagem imaginário.
Ele explicou a ela, que tinha aprendido a
juntar as palavras com seu amigo da mangueira, ele sabe muito disse.
O mesmo foi com matemática, ele me ensinou
disse o Gil, ela foi perguntar a dona Nenê, se tinha ensinado o mesmo a fazer
contas.
Se não tenho tempo minha filha, como vou
ensinar esse garoto, para isso estás tu.
O mais interessante, era que ele
acompanhava tudo, ajudava os garotos mais velhos com a matemática, com os
verbos. Esses o respeitavam, diziam que
ele tinha uma maneira mais fácil de ensinar.
Quando todos tiveram uma idade, agora todos
tinha dez anos, ela o ensinou a conduzir seu velho Ford, ele ia com os maiores
até a cidade, para terem aulas, o único policial de lá, acompanhava o carro até
a escola, na hora que acabava as aulas, os acompanhava até a estrada que ia
para a fazenda, era um acordo que tinha com ela, verificava de eles tinham
comprado gasolina.
Os meninos não faziam diferença com o Gil, tudo
que se podia notar, era que em se tratando de livros, poesias, que ensinavam
nas aulas de português, ele era o mais inteligente.
Dona Nenê, quando ia, passava pelo correio,
tinha uma caixa postal lá, era por aonde recebia notícias do mundo, bem como
livros encomendados, revistas.
Ele tinha uns 12 para 13 anos, estava de
férias, quando ela recebeu uma carta, não disse nada a respeito, passou uns
dias cismando, o viu no alto da mangueira sozinho, conversando, rindo, quando
ele desceu, disse para ela, chegou a hora de ir embora, para uma outra vida,
não é minha tia, ele me contou que tenho que ir.
Ele quem, perguntou ela?
Ele apontou para cima, das ramas desceu um
negro, mais negro que um tição, disse para ela, ele é meu protegido, vou com
ele para o Rio de Janeiro, assim finalmente saio daqui.
Ela sabia que ele era um espirito, depois
Gil contou a história dele, tinha vindo para o Recife, como escravo, era do
Benin, me levaram para o Senegal, me trouxeram de lá, aqui, vivi minha vida
inteira, trabalhando duro, fiz muitos filhos, por isso quando podia voltar,
tinha acabado a escravidão, não podia, meus filhos todos estavam aqui. Agora a
senhora cuida deles, posso ir com meu menino, é o único que me vê, ele pediu
que eu falasse com a senhora para a tranquilizar.
Em seguida deixou de vê-lo.
Dois dias depois, ela já tinha tomado a
decisão, foi para a cidade, pois na fazenda não tinha telefone, de lá ligou
para uma pessoa no Rio de Janeiro, disse que o levaria até Recife, o colocaria
num avião, que alguém fosse buscar, depois o levar aonde devia ficar.
Assim que chegar a Recife, comprar o
bilhete, aviso, ok.
Em Recife comprou roupas simples para ele,
como estava acostumado, um tênis novo, os dele, sempre tinham buracos, pois já
tinham passado pelos outros garotos que jogavam futebol.
Comprou o bilhete de avião, lhe explicou
que uma pessoa o esperaria no aeroporto, com uma placa com seu nome Gilberto
Mascarenhas, não se preocupe é de confiança.
Não se preocupe minha tia, meu amigo vai
comigo, vai me proteger.
Para ele foi toda uma aventura, não se
lembrava que para chegar lá tinha ido de avião, nem quem o tinha trazido.
No Rio, ao descer, a aeromoça o acompanhou
até a saída, viu um negro imenso, o esperando com uma placa, Gilberto
Mascarenhas, ele se identificou para a mesma, sou Edmilson, venho recolher o
garoto.
Esse homem não lhe era estranho, se sentou
ao seu lado no carro, olhou para trás, seu amigo estava sentado no banco de
trás.
O Edimilson, lhe disse que o ia levar a uma
pessoa que a partir de agora cuidaria dele, é um velho amigo. Saíram do
aeroporto do Galeão, é por aqui na Ilha do Governador.
Foram passando por vários lugares, ele ia
lendo o nome, até que chegaram ao bairro da Ribeira, pararam numa entrada, que
se via um cartaz, de proibido entrar com carros.
Desceu do mesmo, era com um resto da
floresta, muitas arvores, ele estava encantado, ia vendo as pessoas que estavam
nas mesmas, Edmilson lhe perguntou se gostava dali.
Sim creio que vou fazer muitos amigos.
Não tinham falado a viagem inteira, quando
chegaram a uma ponta, se via uma mangueira imensa, com uma saia, de uma casa
grande, saiu um homem imenso, devia ter quase dois metros de altura, se abraçou
ao Edmilson, meu irmão, que bom te ver por aqui.
Depois se virou para ele, o levantou do
chão, num abraço apertado, bem vindo Gilberto, não te lembras de mim, mas
viveste aqui, os dois primeiros anos de tua vida, meu nome é Alfredo Nunes
Cardoso, mas todos me conhecem como pai Nunes.
Ele ia perguntar aonde podia ficar seu
amigo, mas viu que ele já estava com os da mangueira.
Ao contrário do Edmilson, o pai Nunes
falava bastante, esta semana vamos ver uma escola aqui perto, já falei com uma
das minhas filhas de santo, que é professora, quer te fazer um teste para ver
como te encaixar.
O que ele gostou do salão da casa, era que
como a casa de tia Nenê, tinha uma sala, com as paredes todas cobertas de
livros. Depois perguntou pela sua amiga,
Dorothea, com anda, não a vejo a tantos anos.
Tia Nenê vai bem, trabalhando como sempre,
cuidando dos seus, vai sentir falta, que eu a leve de carro para a cidade, mas
ensinei a um dos meus companheiros para fazer isso, minha preocupação é que ele
sempre se esquece de tudo, há que comprar gasolina sempre.
Foi explicando como faziam, saiam da
escola, escoltado pelo policial, o senhor sabe sou menor de idade, para
conduzir é necessário ter mais idade, ele se preocupa pela gente, afinal o
carro vai cheio de garotos da fazenda, vamos estudar, ela faz questão disso.
Paramos no posto de gasolina, ela dá
dinheiro para ele, comprar, encher os galões, assim nunca falta.
Seu único comentário foi, sempre foi assim
preocupada pelos outros.
Pai Nunes, foi mostrando tudo para ele, as
casas de santo, o terreiro, riu quando passou pela mangueira, seu amigo estava
lá cercado de homens como ele.
No dia seguinte, saíram até o bairro mais
próximo, a escola, como ele tinha combinado com a professor, ela falou com o
Gil, ele explicou o que estava estudando, é fácil, pois muita coisa me explica
meu amigo, ela deu por sentado que era algum conhecido dele.
Perguntou o que ele queria ser no futuro,
lhe disse que queria escrever os livros que amava tanto, tenho milhões de
histórias na minha cabeça.
Ela lhe aplicou o primeiro teste, levou uns
quinze minutos respondendo tudo, desde matemática, português, inglês, se saia
bem, depois um mais adiantado, também respondeu rápido, depois outro, já do
último curso, ele respondeu todas, embora dissesse que não tinha estudado essas
coisas ainda.
Ela ficou rindo, mesmo assim tinha acertado
90%, o iam colocar numa mais adiantada que a que tinha na cidade, perto da
fazenda. Ele comentou com ela, como eram
as aulas na fazenda, que todos estudavam juntos, embora a cada grupo ela
ensinasse alguma coisa.
As vezes eu a ajudava, com os homens que
faziam aulas de noite, eles tem mais dificuldade, bem como vergonha.
Depois foi de compra, com o pai Nunes, a um
centro comercial, precisas de bermudas, aqui faz muito calor, além de ser mais
húmido, camisetas muitas, assim podes ir trocando, precisas de uma roupa branca
para o terreiro.
Na hora ele ficou um minuto pensando, mas
seu amigo lhe explicou que era o espaço grande aberto que ele tinha visto.
Na volta, pai Nunes, foi lhe explicando o
que era seu terreiro, todas essas terras que vez com muitas árvores são minhas,
algumas herdei da minha família, o resto fui comprando.
Assim os espíritos, estão em paz, por isso
não permito a entrada de carros, senão estragaria a paz dos espíritos, bem como
dos animais.
Dois dias depois, ele estava colocando
aguas nas quartinhas, quando seu amigo foi lhe apresentando os espíritos que
estavam ali, todos eram de exus como ele.
Estava num bate papo gostoso, quando apareceu pai Nunes, um dos seus
filhos tinha escutado alguém falando, olhou viu aquele garoto branco sentado no
meio da casa de exu, falando, rindo.
Foi chamar seu pai de Santo.
Pai Nunes, ficou surpreso, vês os espíritos
que estão aqui?
Sim todos, meu amigo foi me apresentando, aí
sinalizou o rapaz que o tinha ido chamar, esse senhor que cuida de ti, diz que
nunca faz suas obrigações direito, depois fica pedindo ajuda para ganhar na
loteria, ele não está aqui para isso.
A cara do Pai Nunes, era ótima, depois
comentaria que era assim mesmo.
Nesse dia, depois de jogar os búzios para
seu filho de santo, sua cara demonstrava o que via, o mandou tomar um banho de
ervas, nisso chegou à professora que era uma das Yaos, pediu que ela lhe
preparasse um banho, para ele lhe jogar os búzios.
Quando voltou, ria, ela me disse que cheiro
doce, talvez seja por causa da água do açude aonde iam nadar com os garotos da
fazenda.
Eu já tinha sentido isso, tens realmente
esse cheiro.
No que foi pegar os búzios, o resto do
material que usava para jogar, esses começaram a correr por dentro do centro da
mesa. Gil ria a bessa, quem esta fazendo
isso é meu amigo.
As pedras subiram para o alto, junto com os
búzios, depois foram tomando posição na mesa.
Caramba, soltou pai Nunes, serás um grande
pai de santo.
Começou a falar, o mais interessante, nunca
te interessaste em saber como foste parar lá em Pernambuco, nem porque eu te
trouxe de volta.
Dentro de um tempo, chegara o de ir à
universidade.
Virou-se para ele, segurando uma pedra
redonda, aqui diz que sabes como chegaste à vida?
Sim, lhe perguntei uma vez, ele me contou,
que minha mãe verdadeira, apareceu aqui, queria abortar, o senhor não deixou,
pois ela morreria. A convenceu de dizer
a família que ia de férias, passou os últimos meses de gestação aqui, nasci
aqui na sua casa, depois ela voltou para sua família. A única que sabe é minha avô, mas minha mãe
não vive mais aqui, se casou com um americano, pelo que entendi, vive em outro
pais.
Sim isso é verdade, o Edmilson é o
motorista de tua avó, mas teu avô um general de família rica, mas muito
rigoroso, nem sabe que existes. Sempre
tiveram medo dele.
Mas por algum problema que não se sabe tua
mãe nunca mais teve filhos. Os espíritos
dizem que secou por dentro depois que nascestes.
Então sou meio filho do senhor.
Que mais queres saber?
Nada, ele sempre me vai contando tudo, foi
meu primeiro amigo na fazenda, embora na mangueira vivessem mais gente, ele me
explicou que eram antigos escravos que tinham vivido lá, que cuidavam dos seus.
Sei toda a história da sua vida.
A cada 15 dias, ele fazia uma reunião,
segundo ficou sabendo, pela Yao, ali, não existiam esculturas nada, pois ela
lhe explicou, que para sobreviverem os do candomblé, tinham assimilado os
santos católicos, Pai Nunes, não gosta disso, prefere por seus nomes africanos.
Eu mesmo tenho uma Oxum, diz que na sua
ultima encarnação, veio de Angola como escrava, era mulata, filha de um
português com uma negra.
Se chamava Maria das Dores, aqui nunca nos
vestimos como nos outros terreiros, com roupas de santo, só roupa branca.
Ele foi se adaptando, nesses dias de
reunião, Edmilson, chegava no mesmo carro que tinha ido buscar no aeroporto,
ele descia, pois ele avisa, ajudava a trazer todas as bolsas de compras, trazia
comida para durante duas semanas, algum remédio que pai Nunes pedia, para algum
filho necessitado, depois entregava sempre um envelope ao pai Nunes.
Esse um dia desceu com ele, foram a um
banco, esse dinheiro manda tua avô, para teres dinheiro para ir à universidade,
abriram uma conta no nome dele, teu nome verdadeiro não é esse, mas na época
foi o que consegui para poderes viajar para Pernambuco.
Não importa, levo tanto tempo com esse que
dá igual.
Segundo a Yao, Maria das Mercedes, tinha
esse nome meio espanhol, pois tinha vivido num orfanato que as monjas era de
lá, ele era o melhor aluno, era comum o ver na biblioteca ensinando a qualquer
um o que não tinha entendido. Outro
dia falou comigo, que eu as vezes ensino de uma maneira complicada, me explicou
como, mudei minha maneira de dar aulas.
Mal ele chegava em casa, corria primeiro a
casa de Exu, ia colocando agua nas quartinhas, olhava as que estavam secas,
quase negras, falava com pai Nunes, pois não sabia a quem pertenciam, se
preocupava, dizia que a pessoa estava doente, ou mesmo em apuros.
Pai Nunes, telefonava imediatamente para a
pessoa, ele fazia uma coisa, que com o tempo ele achou muito interessante,
conversava com o Exu da pessoa, ia a mata, buscar o que ele tinha pedido,
colocava ali, para ajudar a pessoa.
Depois explicava ao pai Nunes, o que lhe tinha explicado o Exu.
Era agora como um braço direito do pai de
santo, esse ria, eu o vi nascer, senti como se fosse meu filho, agora ele me
explica coisas que eu já devia ter aprendido.
Edmilson que tinha um romance velho com
ele, dizia que foste tu que o salvaste, por isso, tem essa ligação forte
contigo.
Pai Nunes o tinha mandado para Pernambuco,
preocupado, na época a mãe dele verdadeira, estava para se casar, o marido já
demonstrava que era ciumento, achou melhor o afastar dali.
Quem era o leva e trás de tudo, era o
Edmilson, que inventou na época uma viagem a Recife, para ver pessoas da sua
família, tinha ido o levar para tia Nenê.
O tempo foi passando, alguns filhos de
santo, desapareciam, mas sempre apareciam outros, ele olhava alguns, dizia ao pai
Nunes, esse não dura muito tempo, vem aqui para acertar sua vida, acha que tudo
se consegue acendendo algumas velas, fazendo alguns trabalhos.
Mas depois descobre que se não se mexer,
nada cai do céu.
Pai Nunes, se matava de rir com os
comentários dele.
Um dia ele comentou com o Edmilson, se ele
não lhe conseguia uma maquina de escrever velha, queria escrever a história do
seu Exu.
Esse comentou com Nunes, se fosse outro,
estaria pedindo um celular, ou um laptop de última geração, esse menino é
diferente, claro foi criado pela nossa amiga.
Segundo ela me contou, lá existia uma
coisa, que ela prosseguiu, as roupas vão passando de família em família, garoto
em garoto, nada de luxo, mas estão todos vestidos, inclusive os tênis, você já
viu, se não sais com ele para comprar uma roupa nova, pois está crescendo
muito, ele não fala nada. Assim que tem essa nova, se informa qual filha de
santo tem mais filhos, prepara uma bolsa com tudo dá a ela, sem chamar muito
atenção, nem faz aqui na frente de todos, a espera na estrada, ali lhe entrega.
Diz que lá na fazenda isso era uma coisa
normal, aqui as pessoas têm vergonha.
Pois é sempre estamos aprendendo alguma
coisa dele.
Ele diz que sabe conduzir, para ir à
universidade vai precisar de um carro, precisa tirar carteira de motorista, mas
com o nome que tem em seus documentos, ele não quer o outro.
Edmilson ficou contente, conduzia o velho
carro com respeito, disse que tinha aprendido no velho Ford de sua amiga.
Quando fez 18 anos, Edmilson apareceu com
um carro de segunda mão, tinha ido com ele olhar numa loja de carros, ele
perguntou ao vendedor, se não tinha usados.
Não queria nada novo, escolheu um que levei
para um amigo mecânico, o examinou, disse que o motor estava bom.
Então a avó dele, me deu dinheiro para
comprar.
Ele fez o vestibular, para literatura,
disse que queria ser também professor.
Yao Maria, dizia, que ele sabe ensinar os
garotos, inclusive os faz se interessar pelos livros que somos obrigados a
dizer que tem que estudar. Todos os
garotos hoje em dia, estão preocupados com os celulares, o último jogo que
saiu, essas coisas, ele é o único que diz que está fora desse assunto.
Quando lhe trouxe um laptop de segunda mão,
ele tirava parte do dia, para escrever a história de sua amigo.
Comentou com o pai Nunes, as vezes é
difícil, pois ele só sabe a pronuncia da palavra em Yoruba, queria conseguir um
professor, para poder entender.
Agora ele ia a universidade ali no
Gragoatá, em Niterói. Achava
interessante, que a maioria que estudava com ele, eram mulheres, todas
comentavam que quando ele passava, deixava no ar um cheiro doce. Ele atravessava a ponte, ia até a
universidade, depois andou de novo comentando que ali não tinham classes de
Yoruba.
Pai Nunes foi olhar antes, um na Praça
Seca, para ter certeza de que era isso que ele queria.
Depois foi até com ele conduzindo, era como
dizia o Edmilson, fazia isso com cuidado, claro o senhor tem que pensar que
levava outros garotos comigo.
Agora ele saia, da ilha, ia a Niterói,
depois voltava ia a Praça Seca, comia no refeitório da universidade, todos
reclamavam da comida, ele não, sabia que tinha que se alimentar.
Mas com o tempo, talvez porque tivesse um
professor particular, era bom, sabia falar com os estalos da língua, os
professores eram jovens, não sabiam isso, um dia escutou a senhora que era a
diretora, falando de um velho que tinha aparecido, imagina ele ainda fala com
os estalos, ninguém mais fala assim, conseguiu saber o endereço do velho.
Esse ficou feliz dele aparecer, o levou
para conhecer Pai Nunes, ele se admirou de ter agora dois brancos que falavam
como ele.
Foi ficando no terreiro, tinha vivido anos
na Bahia, mas como não tinha família, desceu para o Rio de Janeiro, mas as
pessoas acham que falam o Yoruba, como sou velho não lhes interessam.
Ficava horas conversando com o Gil.
O ajudou muito, ele ia passando para ele o
que escrevia da história de seu amigo.
Um dia irei com ele até o Benin, sabia que
sua família, era descendente do império OYO, que tinha se refugiado no Benin, o
velho ficou feliz, sei retalhos da história.
Um dia Edmilson veio perguntar que história
era essa dele estudar Yoruba, pois sua avô tinha perguntado.
Diga a ela, que não se preocupe, mas que
leve meu avô ao médico, ele está surdo, mas como é um general, finge que
escuta, já caiu duas vezes dentro de casa, quando se levanta muito rápido, pois
tem vergonha.
Um dia Edmilson, marcou com ele na
Confeitaria Colombo no centro da cidade, quando chegou estava sentado com uma
senhora muito bem vestida, com um coque como o que usava Tia Nenê.
Era sua avó. Era como se a conhecesse de toda a vida, ela
estranhou, eu sempre a vejo nos meus sonhos, sei quem é a senhora, bem como sua
linhagem. Tens um pé na Africa, por isso
tenho essa ligação, a senhora é descendente de Franceses, que habitaram a
muitos anos o Senegal, sua família tinha terras por lá.
Ela ficou de boca aberta, pois ninguém
sabia disso.
Ele perguntou pelo velho, como ela dizia.
Foi ao médico, mas só usa o aparelho quando
está dentro de casa, tem vergonha de sair na rua com o aparelho, mas fica
completamente perturbado, sem equilíbrio.
Diga ao médico que ele precisa de um
acompanhante, eu vou me apresentar como seu enfermeiro, a senhora não diga
nada, quero conhece-lo.
Um belo dia o Edmilson deu a direção para
ele, Rua Barão da Torre, paralela com a Visconde de Pirajá.
Lá foi ele, Pai Nunes, foi junto, mas ficou
no carro.
O velho o examinou de todos os ângulos
possíveis, te parece muito a um irmão que tive que desapareceu no mapa.
Agora três vezes por semana, o retirava de
casa, o obrigava a colocar o aparelho, dava uma volta, ia com ele até a praia,
o velho com o tempo segurava seu braço.
Ia contando do livro que estivesse lendo no
momento.
Um dia reclamou com ele, que sua única
filha, estava seca, tinha se casado com um americano, mas não tinham filhos,
nem sei se é feliz, nem porque se casou com esse sujeito.
Um belo dia sua avó, telefonou, dizendo
para não ir, pois sua mãe estava no Rio de Janeiro.
Ele foi assim mesmo, sabia que o velho
ficava esperando.
O velho o apresentou como seu salva vida,
pois me tira para dar um passeio, me leva depois para tomar uma laranjada no
garota de Ipanema, tudo que eu não fazia a tempos.
Sua mãe o ficou olhando, examinando.
Quando falou, ele estranhou, era uma voz de
uma mulher amargada, a beira da histeria, o ficou olhando como se o fizesse
recordar alguém.
Saíram os dois a passear, disse que tinha
sonhado em fazer isso com um filho ou um neto, mas deus me deu essa filha, que
sempre foi complicada, dizia para todo mundo, pois eu fui militar na época da
ditadura, que era um torturador, nada mais longe da verdade, está aí o
Edmilson, que sempre foi meu chofer.
Procurei ser um bom pai, mas nunca soube
por que ela me rejeitou. Houve uma época
que me falaram que ela saia com um tipo, tido como comunista. Mas eu sempre pensei, comunismo, nesse pais
que venera o carnaval, o samba, beber uma cerveja, não funcionária nunca,
imagina vem um comunista proíbe o futebol, o carnaval, o samba, o boteco, não
pode dar certo.
Ele se matou de rir com o raciocínio do
avô.
Quando o deixou em casa, outra vez, sua mãe
ficou olhando demoradamente para ele, no dia seguinte foi avisado que tinha ido
embora.
Para ter certeza de uma coisa que tinha
sentido, se sentou na mesa dos búzios, com o pai Nunes ao lado, fez uma
pergunta, com ele os búzios pareciam correr de um lado para o outro.
Então teve certeza, seu avô não tinha
mentido para ele.
Conversou demoradamente com o Pai Nunes,
era o que ele pensava, seu pai verdadeiro tinha desaparecido num atentado,
contra os militares, mas seu avô não tinha nada que ver na história, sua mãe
contava para todo mundo ao contrário.
Quando apareceu gravida, queria abortar de
qualquer maneira, embora já estivesse no sexto mês, quem a tinha levado tinha
sido o Edmilson.
Quando coloquei os búzios, vi que tinha um
futuro brilhante, não podia deixar que ela fizesse isso, ficou aqui, te pariu,
ficou dois dias, desapareceu. Disse
claramente que não tinha madeira para ser mãe, eu tinha uma filha de santo, que
infelizmente tinha perdido o filho, aproveitei te registrei como filho dela,
Gilberto Mascarenhas, ela infelizmente morreu logo em seguida, nessa época, tua
mãe tinha se casado, no que fez uns exames médicos, tiveram que lhe retirar o
útero, alguma coisa estava mal, passou a saber que não poderia ter filhos.
Foi quando te mandei para Pernambuco, ela
ainda apareceu aqui, lhe disse que tinha te dado em adoção. Mas na verdade ela queria te recuperar para
salvar seu casamento, que pelo que sabemos nunca foi um mar de rosas.
O mais interessante é que esse americano,
era adido militar aqui, esteve envolvido com a repressão de alguns governos,
mas como sempre teu avô, inclusive era contra esse casamento.
Eles foram embora daqui, creio que pelo que
disse o Edmilson, raras vezes apareceu para ver os pais, inclusive falei com
ele ontem, se surpreenderam com a aparição dela.
Ele se encontrou com sua avô no centro da
cidade, com a desculpa de sempre, ia tratar de negócios.
Resolveram contar para o velho que ele era
seu neto, bem como a história verdadeira, pelo que vi no jogo, ele tem pouco
tempo, está amargado por não ter tido um filho, um neto, para cuidar ou velar
por ele.
O fizeram de uma maneira sutil, num
primeiro momento, tinha o médico na sala ao lado, temendo o pior, ele o ficou
olhando, num momento, levantou sua mão, acariciou sua cara, sorriu, por isso
cuidavas de mim, verdade.
Passou a ir quase todos os dias da semana,
soube que o Edmilson tinha levado os dois a cidade, mas não sabia por que, não
falaram nada, passou a ir todos os dias no mesmo horário para passear com ele,
quando encontrava algum amigo, o apresentava como seu neto, tirava do bolso uma
foto antiga, dele com seu irmão, realmente ele era muito parecido com o mesmo.
Nem bem um mês, depois amanheceu morto, sua
avô lhe chamou, veio correndo com pai Nunes, não havia nada do que fazer.
Ela avisou sua filha, que ficou de vir no
primeiro voo que encontrassem, atrasariam o enterro, para isso, ele tinha
deixado ordens para não ser nada militar.
No enterro deu de cara com ela, esta tinha
ficado surpresa, de sua avó estar apoiada nele.
Tinha ido basicamente do aeroporto, para o
enterro, Edmilson a tinha ido buscar, o velório não era movimentado, poucos
amigos, sua avó comentou que todos os amigos dele já tinham falecido.
O advogado marcou a leitura de testamento
para dois dias depois.
Segundo sua avó, ela não parava de
perguntar para quem iria o apartamento.
A mesma respondeu, que o mesmo era dela, o compramos com a herança de
meu pai, está no meu nome. Ao parecer sua filha não gostou.
Se encontrou com elas no centro da cidade, ela
ainda perguntou a sua mãe o que ele estava fazendo ali. Coisas de teu pai, foi a resposta.
A coisa ficou feia, quando ele deixou tudo
o que tinha para ele, seu neto, pelo que sabia sua filha não necessitava dele,
bem como tinha escondido todos esses anos, um neto que ele receberia de coração
aberto.
Ficou uma fera.
Depois em casa, sem se aproximar dele,
soltou para sua mãe, que na verdade ele era filho de seu tio, esse não tinha
desaparecido como seu pai pensava, ao contrário dele, que era um militar do
regime, o mesmo um professor universitário, era de um bloco comunista, tinha
morrido num atentado, mas tinha feito sexo com ela várias vezes, nunca soube
por quê?
Nessa época, tentava ser uma mulher
moderna, aceitei, mas quando descobri que estava gravida, inventei um namorado
que tinha desaparecido, quis abortar, mas Pai Nunes me impediu, já estava de 6
para 7 meses, podia morrer.
Te deixei lá, pois era incapaz de sentir
nada.
Depois me casei logo em seguida, antes de
irmos para os Estados Unidos, fui fazer um exame de rotina, tiveram que me
operar, alguma coisa tinha feito meu útero secar. Respirei aliviada, nunca
tinha querido ser mãe, por isso pude acompanhar meu marido pelo mundo inteiro,
pois ele sempre trabalhava em embaixadas.
Realizei um sonho de jovem, ir pelo mundo.
Mas quando te vi, tens a cara de meu tio,
foi quando pensei, o que faz esse aqui.
Teu pai, pensou o mesmo, como ele era
parecido com seu irmão.
Pai Nunes me disse que tinha sido adotado?
Me mandou para Pernambuco, para uma amiga
dele, achou que lá eu estava mais protegido, tia Nenê, foi minha mãe, durante
um determinado tempo, quando ele achou que era o momento, pois lá eu não
poderia seguir meus estudos, me trouxe de volta.
Mas eu não preciso desse dinheiro, se for o
caso renuncio para a senhora, me desculpe não posso chama-la de mãe.
Não sabia analisar ainda o que sentia por
ela.
Tinha se comportado quando jovem como uma
garota mimada, estudante da Puc, aonde seus amigos todos eram ricos, com ideias
de comunistas, coisa que dizia seu avô, comunistas de carteirinha.
Ela disse que tinha que ir embora, seu
marido agora iria para a Embaixada de Moscou, queria ir para saber como era.
Mal se despediu dele, não disse até amanhã,
no outro não estava, não havia laços entre eles.
Sua avó queria que ficasse morando com ela,
preferiu leva-la para viver na Ilha do Governador, ela se matou de rir, pois
tinha nascido lá.
Contou para ele sua história, seus pais
eram judeus, gostavam daqui, mas tinham lojas e negócios no Saara, ao contrário
dos amigos, ele preferia morar aqui, na época a praias não estavam tão sujas.
Conheci teu avô, porque ele servia numa
base aqui perto.
Nunca entendi as reclamações de minha
filha, já que ele sempre fez tudo que ela queria, talvez a tenha malcriado,
isso sim.
Quando ao irmão dele, sei que era isso que
ela disse, gostava de alardear ideias modernas, estar cercado de alunos jovens,
incutir como ele dizia ideias na cabeças deles.
Mas que fosse de alguma célula comunista
nunca imaginei, se teu avô sabia, nunca comentou, só sei que um dia
desapareceu, fomos até seu apartamento, estava vazio.
Fomos para levar o convite de casamento de
tua mãe, ela não gostou muito, mas sabia que ele já não estava pelo visto, mas
não comentou nada.
Sua avô parecia ter rejuvenescido, adorava
estar lá, ajudava no que era possível, com as coisas que fazia Pai Nunes, para
ajudar os necessitados.
Ele acabou o livro que estava escrevendo,
deu uma cópia para cada um ler.
Os comentários foram interessante, narrava
a odisseia de seu amigo, capturado no Benin, como o tinham arrastado até o
Senegal, embarcado de lá para o Brasil, indo parar nessa fazenda de plantação
de cana de açúcar, lá tinha aprendido a ler e escrever, pois seu patrão gostava
dele, nunca tinha maltratado os escravos, era um homem como tia Nenê, fazia
pelos seus.
Tinha tido muitos filhos, alguns dos que
viviam lá, eram descendentes dele, mas ele também, era a reencarnação de um dos
seus filhos que tinha morrido, mordido por uma cascavel, no meio da plantação. Era meu filho mais inteligente, como tu.
Ele mandou o livro para várias editoras,
duas se interessaram, sua avó acionou seu advogado para representa-lo, era o
melhor, mas ele estava era planejando sua viagem com pai Nunes ao Benin e
Nigeria, os lugares aonde tinha vivido seu amigo Exu.
Foi melhor que ele esperava, foram ao lugar
de aonde ele tinha saído, todo mundo se espantava daquele branquelo falar
Yoruba perfeitamente.
Nesse viagem, tiveram vários largos bate
papos entre os três, pai Nunes, via tranquilamente seu amigo Exu.
Esse lhe disse que Gilberto jamais iria
incorporar, mas sim tinha a capacidade de ver os espíritos, bem como observar
as pessoas, seu destino era escrever sobre os Orixás, todos sabiam as lendas,
exóticas sobre os mesmos, mas não como esses espíritos desencarnados tinham
vindo parar no Brasil, fosse homens ou mulheres.
Quando voltaram, souberam que sua mãe tinha
estado outra vez lá, queria levar sua mãe para os Estados Unidos, para cuidar
da sua velhice.
A resposta segundo o Edmilson que tinha
ficado cuidando de tudo a surpreendeu, velha eu já estou, nunca deste atenção a
família, que queres o apartamento, sinto muito, mas já me comprometi, deixarei
para um orfanato que Pai Nunes ajuda, para eles será um bom dinheiro.
Devias aproveitar ir lá, quem sabe adotando
uma crianças, abranda seu coração, porque para teu filho, tu e nada e a mesma
coisa.
Queria alegar agora que tinha sido vítima
de um abuso do tio, mas a história já não colava.
Quando voltaram, Edmilson, que ainda tinha
amigos no exército, alguns dessa época, procurou saber do irmão do General,
discretamente. Um deles, lhe falou de
um militar, já aposentado a muito tempo, que tinha assistido torturas.
Contou que o mesmo era um frouxo, um
galinha, pois dedurou todo mundo que conhecia, ele era sempre o inocente, mas
existia no seu grupo um infiltrado, que comentou que ele aproveitava para ter
aventuras com todas as garotas da Puc, que caiam na sua lábia.
Mas na verdade era um banana.
Acham que está vivo ainda, ficou sim
traumatizado com as torturas, depois contava para quem quisesse escutar no seu
papel de vítima, que tinha sido a mando de seu irmão general.
O último que se sabe dele, é que vive num
asilo em Niterói.
Seu amigo Exu, lhe ajudou a encontra-lo,
realmente estava vivo, tinha saído mal parado da aventura de ser comunista,
tinha levado tanto choques no caralho, que ficou sem o que mais gostava, fazer
sexo, enganar as mulheres, pela sua boa pinta.
Quando viu o Gilberto, era como se olhar no
espelho, de jovem.
Começou a rir, se vens pedir ajuda, estou
arruinado, fui vendendo tudo que me tocava da herança familiar, perdi meu
emprego, tudo, estou aqui de favor.
Ficou com pena da miséria que era o mesmo,
mas em seguida um dos enfermeiros o avisou que não lhe desse dinheiro, ele vai
direto comprar drogas, olhem seus dentes, estão podres.
Ele contou para sua avó, o fato dele acusar
o irmão.
Isso seria impossível, eu sim sabia da
história de que ele tinha tido relações com sua própria sobrinha, com esse
engodo de comunista.
Mas jamais comentei com meu marido, ele
gostava do irmão, o achava um tonto, com essas ideias que nunca funcionariam no
pais, mas se ele nunca aceitou as repressões, nem torturas, não ia aceitar que
acontecesse com seu irmão.
Sem ele saber, sua avó, contou para sua
mãe, que apareceu outra vez, tinha se divorciado, mas tinha um bom emprego lá.
Foi visitar o tio e ex-amante, pensava em
leva-lo com ela, nunca tinha se esquecido dele, mas levou um jarro de água
fria, ele nem se lembrava dela.
Soltou na sua cara, que bastava ter
aparecido um filho bastardo, com certeza atrás de dinheiro.
Mas estou na merda, ela ia fazer o mesmo,
quando o enfermeiro deu o aviso.
Estava arrasada, foi visitar a mãe na Ilha,
viu a tranquilidade que sua mãe, tinha, estava no momento tomando conta da
filha de uma Yao, que limpava a casa de santos, preparando uma obrigação. Sua mãe estava feliz da vida, sempre tinha
alguma criança com ela.
A filha ficou surpresa, se ele não chega,
lhe dando uma bronca imensa, estava dizendo que tinha sido uma mãe horrorosa
com ela.
Creio que estas falando de ti mesma,
verdade, nunca tiveste instinto maternos, acho melhor a senhora ir embora. Sempre a tratava assim de senhora, disse ao
Edmilson, melhor essa senhora não entrar mais aqui, pois sempre traz a
discórdia com ela.
Foi quando este contou que o tio, sequer a
tinha reconhecido, disse na cara dela, que gostava de jovens para fazer o sexo,
tinha feito com quase todas suas alunas, uma inclusive minha sobrinha, uma
tonta, se achava impressionante, pois tinha lido sobre Stalin, achava que sabia
tudo.
Ela foi embora com o rabo entre as pernas,
dois anos depois sua avó, morreu, ele já sabia, tinha feito tudo para ter esses
anos, felizes.
Avisou sua mãe, através do Edmilson, mas
essa disse que não pensava ir a mais um enterro, foi quando sem querer soltou
que tinha vindo ao enterro do tio, aonde ele vivia, tinha escapado, se encheu
de drogas.
O advogado comentou que sua avó tinha
deixado tudo que tinha para o orfanato, realmente, iam vender o apartamento,
para fazer uma boa reforma no mesmo.
Ele voltou outra vez a Africa, escrevendo a
história, de uma Oxum, que lhe contou como tinha sido capturada, trazida num
navio negreiro, desde Angola, até Senegal, depois para o interior do Estado do
Rio, para trabalhar numa fazenda de café.
O guiou até lá, a fazenda ainda existia,
estiveram na senzala, contou que tinha tido vários filhos do patrão. Me enganei, pensei que tendo um filho dele,
o cuidaria, mas nada, era como um outro escravo qualquer.
Fez todo o roteiro que ela tinha falado,
acompanhado de seu eterno amigo.
Foi mais um livro, agora era conhecido, por
escrever a histórias desses orixás, sem o véu da lenda, do misticismo.
Levaria anos fazendo isso, Pai Nunes, bem
como Edmilson achavam estranho o fato dele não ter uma vida sexual.
Um dia se abriu com eles, foi um voto que
eu fiz em criança, via as pessoas se desesperando por sexo, em relacionamentos
que no fundo não queriam, eu tenho meus amigos das árvores, não preciso de
mais.
Seus momentos livres, eram para andar no
meio da mata, muitos as vezes o tomavam por louco, pois ia como que conversando
com alguém que nunca viam.
Mas ele não se incomodava, sabia que estava
falando com os espíritos.
As pessoas lhe contavam seus problemas,
como faziam com Tia Nenê, pois sabiam que nunca comentariam com ninguém.
Ele voltou duas vezes lá, para visita-la,
foi uma festa incrível, levou os seu livros para ela.
Reencontrou seus amigos de infância, a
maioria ajudados por ela tinham indo mais além, mas viviam na cidade, tinha
criado famílias.
Ele agradecia sempre, se não tivesse ido
para lá, não teria conhecido seu amigo.
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